sexta-feira, 22 de julho de 2011

57 segundos e um Tour!

Pierre Rolland, um grande Pierre Rolland deu hoje a primeira vitória deste Tour aos franceses, no Alpe d’Huez, 25 anos depois de Bernard Hinault ali ter vencido, o último dos seus compatriotas a conseguir tal feito. Alberto Contador ousou mas sem sucesso, sendo Andy Schleck o novo camisola amarela.

À partida para amanhã, 57 segundos será o tempo a ter em conta, 57 segundos que separam Andy Schleck e Cadel Evans, os dois maiores candidatos à vitória deste Tour, os segundos classificados dos últimos quatro anos. Um deles, finalmente vencerá. O outro será segundo pela terceira vez!

A ousadia de Alberto Contador

Mais uma vez, hoje foi visível que Alberto Contador não estava com a força de outras ocasiões, mas estava cheio de vontade. Por isso atacou tão cedo, ainda na subida para o Col du Télégraphe, à procura de recuperar todo o tempo possível e vencer a etapa. Se ontem todos falharam ao deixar sair Andy Schleck sem reacção, hoje foi o próprio Andy Schleck a responder de imediato, depois com Cadel Evans, Frank Schleck e até Thomas Voeckler. Frank Schleck foi o primeiro a ficar para trás (por falta de força, por gestão dela ou por opção táctica), depois Cadel Evans ficou a queixar-se da roda traseira mas ela funcionava bem e Thomas Voeckler também cedeu. Apenas Andy chegou com Contador até ao grupo fugitivo, sempre na roda, claro. Andy saia beneficiado com a situação de corrida, mas sabia que não tinha que puxar pelo grupo. Contador é que queria ganhar minutos e minutos a todos os outros, estava a caminhar para o pódio e por isso tinha que assumir a despesa. Se fossem alcançados, Andy poderia ganhar os segundos que queria na subida final, enquanto Contador, para ganhar os minutos que pretendia, tinha que forçar desde longe. Por isso Andy só tinha que ir na roda e aproveitar o trabalho do espanhol e foi o que fez (não a 100%, claro, porque também ele tinha a ganhar com a situação, como já referi).

Lá na frente estava Rui Costa, mais uma vez. O que se pode dizer do português? Ainda na primeira semana, venceu uma etapa mas não foi isso que lhe retirou a ambição. Continuou à procura de mais, tentando várias vezes estar na fuga do dia (apesar da tendinite que o afecta) e hoje esteve lá até ao começo da subida para o Alpe d’Huez. Como já escrevi neste blog, não são apenas as capacidades físicas que fazem os grandes ciclistas, nem a capacidade de aguentar o desgaste psicológico. Muita ambição, faz parte dos requisitos básicos para se ser um grande ciclista e Rui Costa cumpre esse requisito. A sua Volta a França é excelente, mas mesmo que tivesse sido alcançado na etapa de Super Besse e não tivesse chegado à vitória, o balanço seria muito bom por toda a garra demonstrada.

A subir para o Télégraphe, Voeckler abusou das suas capacidades e tentou durante muito tempo anular os 30 segundos que levava de atraso para Contador e Andy Schleck. Na subida seguinte pagou o esforço e todos vimos que sairia da luta pelo pódio neste etapa, mesmo com todos os principais ciclistas a reagruparem-se antes de entrarem na última dificuldade montanhosa deste Tour.

Pierre Rolland foi audaz e atacou, pensando na vitória na etapa mas também na camisola branca, sendo depois alcançado e descarregado por Contador. Samuel Sánchez, tão amigo de Contador, alcançou o jovem francês, levou-o de novo até um Contador já muito justo de força e ficaram os dois a ver e a pensar em castelhano quando Rolland atacou para a vitória, já dentro dos últimos quilómetros. Ninguém pode criticar Sánchez por ter lutado pela vitória, mas depois de tanta conversa com Contador, não deixa de ser curioso que tenha sido um a retirar a vitória ao outro.

Lá atrás, Andy Schleck foi quem mais tentou manter a distância, que chegou a ser superior a 1’10’’. Evans mantinha-se muito frio, sem dar um único relevo, e Frank Schleck ajudava de vez em quando, quando se sentia capaz. Quando se percebeu que Contador não ganharia mais de um minuto, já não havia perigo e Andy e Evans já só tinham que se preocupar um com o outro. O luxemburguês tinha imposto o ritmo durante vários quilómetros e já não havia força para o ataque demolidor que seria necessário. Dentro do último quilómetro ainda tentou, mas sem sucesso e foi mesmo o australiano a passar a linha de meta à frente, 57 segundos depois de Rolland, o grande vencedor de hoje, 57 segundos como o tempo que o separa da camisola amarela.

Ao ser segundo, Samuel Sánchez venceu a classificação da montanha, uma classificação sem luta, uma classificação que não acrescentou emoção à corrida. Dos 108 pontos que Sánchez somou para vencer, 104 foram feitos em três chegadas ao alto, apenas 4 foram ganhos num ataque de longe, o de hoje no Galibier. Espero sinceramente que para o ano o sistema de pontuação seja diferente. Basta que as chegadas de especial categoria não contem a dobrar para que haja luta por esta classificação durante as etapas e assim surja mais um ponto de interesse, como acontecia nas edições anteriores.

Andy Schleck vs Cadel Evans

A ousadia de Alberto Contador não lhe chegou para entrar na discussão do pódio e só lá entrará se Frank Schleck der um grande tombo amanhã. A determinação de Voeckler também não lhe bastou para chegar ao pódio final de Paris e está agora fora dessa luta. Frank Schleck é segundo, mas quatro segundos de vantagem para Evans não são nada e amanhã desaparecerão rapidamente, devendo o mano mais velho ficar no lugar mais baixo do pódio. Agora, a luta é entre Andy Schleck e Cadel Evans!

Não existe muito por onde especular para amanhã. Andy Schleck poderá dar um grande tombo e perder até dois minutos, tal como Evans poderá estar muito desgastado e não recuperar nada em relação ao luxemburguês. Mas em princípio, estarão muito justos de forças e Evans recuperará entre 40 e 70 segundos. Depois de 19 dias de competição, não é apenas a capacidade de contra-relogista que conta mas também a recuperação diária, como ficou demonstrado no ano passado, com Andy a perder apenas 31 segundos para Contador, o seu rival de então, ou como em 2008, quando Sastre perdeu apenas 39 segundos em 53 km para Evans e se sagrou vencedor.

Percurso do contra-relógio decisivo
Evans foi segundo em 2007 e 2008 e poderá estar diante da sua derradeira possibilidade de ganhar o Tour. Andy Schleck foi segundo em 2009 e 2010 mas não quer fazer a tripla nesse posto. E fica aqui a nota: Andy Schleck perdeu 1’09’’ minutos na etapa de Gap, a descer, o que mostra que não é só a subir e nos contra-relógios que se disputa um Tour. Quem deles vencerá? Eu não arrisco lançar palpita, mas seja quem for, a diferença será curta.

Frank Schleck deverá ficar com o terceiro lugar do pódio e o quarto será disputado entre Thomas Voeckler, Damiano Cunego e Alberto Contador. Olhando para as diferenças entre eles, Contador é o mais provável ocupante desse posto, mas é sempre difícil antever como estarão em termos de força no penúltimo dia de uma grande volta. Samuel Sánchez, Ivan Basso e Tom Danielson parecem ter os seus lugares no top-10 assegurados, faltando uma última vaga, agora ocupada por Pierre Rolland mas que após o contra-relógio poderá ser de Jean-Christophe Peraud ou Rein Taaramae, estónio que está agora a 1.33 da camisola branca do mesmo Rolland.

Amanhã, Fábio Sabatini será o primeiro a partir, logo às 9h26, e Andy Schleck partirá às 15h18. A transmissão na RTP N começará às 13h20 e na RTP 2 às 14h. Depois disso, dará também o resumo do Troféu Joaquim Agostinho. A transmissão estará disponível no site do canal.

*****
Com o Volta a França a terminar e faltando apenas os balanços finais, fica aqui o agradecimento aos muitos leitores (cada vez mais e mais) que o blog teve durante estes dias e a todos aqueles que deixaram a sua opinião aqui, no Facebook ou nos vários fóruns sobre a modalidade. Afinal de contas, são os leitores que alimentam quem escreve. Merci beaucoup!

4 comentários:

  1. Este Tour não pecou pela falta de um Contador a grande nível, pecou sim pela falta de vários ciclistas a grande nível. A luta na geral estava limitada a dois ou três corredores - Frank, Andy e Cadel - sendo dois deles da mesma equipa.

    Foi, de facto, pena Contador não estar ao seu nível. Tal como foi pena Basso e Gesink não terem estado também a grande nível. Tal como foi pena ver homens como Leipheimer, Wiggins ou Kloden fora da luta ainda muito cedo. Já nem falo de Tony Martin ou Cunego, que deles já nem se espera grande coisa. E ainda assim houve surpresas! Cunego, de quem, como disse, não havia grande coisa a esperar. De Samuel Sanchéz que foi dos melhores do Tour. E claro, Thomas Voeckler. Mas desse então não há nada que se possa dizer, e ao mesmo tempo há tudo.

    Olhando um bocadinho mais atentamente a estes nomes, Basso - uma decepção, como disse - está no 8º lugar. Não é assim tão mau. Mas há que ver que há ciclistas sobre os quais recaem expectivas. Eu, no início da prova, trocaria Basso com Frank Schleck, facilmente. Mas hoje, na véspera da etapa decisiva, é Frank quem está em 2º.

    Com Tom Danielson ou Jean-Christophe Peraud a história é parecida. É verdade que estão à beira de terminar num top10 do Tour, mas e o espectáculo? Deles pouco se viu. Gosto de ver nomes novos (em idade) como Taaramae, Uran, Jeannesson, Weert ou Coppel, mas a bom da verdade, de toda esta juventude, o mais ousado foi Rolland. Mais ousado e mais capaz. Eles estão ali no top20, e se estão é porque mereceram, porque correram os 3 mil e tal kms em menos tempo que os outros, mas homens, coragem! Façam o que o Schleck fez! Ataquem de longe! Arrisquem!

    E por falar em Schleck, um dado curioso, esse, o dos segundos lugares. Eu confesso que não tenho grande preferência. Por um lado, o Andy diz-me mais pessoalmente que o Cadel, mas o australiano tem tido tanto azar... não só neste Tour, ele já tem uma panóplia de azares que não lembram ao menino Jesus que é a tal conta.
    Ainda hoje, quando teve aquela... coisa, quando ia com Contador, Voeckler e Andy, perdeu imenso tempo. E Depois foi, praticamente a custo próprio, atrás deles! Evans tem sido enorme. Tem é pouco jeito para atacar, para dar nas vistas e para, consequentemente, cativar.

    Outra coisa ainda, Frank, quando ficou para trás, se foi opção táctica, foi bem feito, porque, com todo aquele contexto, era perigoso ter os dois líderes da frente, podia a iniciativa de Alberto correr mal e ficarem os dois queimados, não havendo necessidade.
    Acho que a Leopard apenas esteve mal na subida final, onde foram desplicientes com Cadel Evans.

    Voeckler já fez mais do que qualquer um estava à espera, mas agora, bem, que não se fique por aqui. Se não for a Paris subir ao pódio, epá, que fosse receber o prémio da combatividade.

    Enquanto fã do ciclismo francês, só faltou Chavanel molhar sopa. Quer dizer, não foi só isso... Mas pronto, já fico contente. Que para o ano Rolland lhe dê forte!

    Para finalizar sobre hoje, David Millar foi último. Que senhor xD

    Ahh! E grande Rui! Não só por hoje, mas pelas últimas semanas. Muito bem!

    Uma aposta minha para o top10 final:

    1- Andy Schleck
    2- Cadel Evans
    3- Frank Schleck
    4- Alberto Contador
    5- Thomas Voeckler
    6- Samuel Sanchéz
    7- Damiano Cunego
    8- Ivan Basso
    9- Tom Danielson
    10- Pierre Rolland (ou Taaramae)

    Zé Duarte ;)

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  2. Zé, sem dúvida faltou gente, como o Gesink ao melhor nível, o Van Den Brouck ou o Vinokourov, que certamente atacariam logo nos Pirenéus. Foi um Tour muito bom mas ficamos com a clara ideia de que poderia ter sido bem melhor se o azar não afastasse tantos dos que tinham uma palavra a dizer. Mas ainda assim tivemos espectáculo, que é o que se quer ;)

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  3. "Cadel Evans ficou a queixar-se da roda traseira mas ela funcionava bem" LOL, por isso é que quando o Evans pega no pelotão contador e andy estavam a 1e50 e acabam a subida ao gabilier ou como raio se chama a 36s sem dúvida deve ter sido desculpa.

    "E fica aqui a nota: Andy Schleck perdeu 1’09’’ minutos na etapa de Gap, a descer", e ainda bem para o Andy deu-lhe maior margem para aquele ataque a 60km que lhe pode ter valido o Tour por isso não é por aí que deva entrar.

    Um bocado menos de insenção não ficava mal a ninguém ;)

    De resto mais um bom artigo se bem que um bocado curto, gostei de ler, ah e na parte do Samu apesar de concordar acho que foi o merecido vencedor desta classificação agora pela interpretação penso que não é azia sua pelo Andy não ter ganho a camisola das bolinhas mas já nem sei xD.

    Sabes o que o Evans diz para os 57 segundos de amanhã?

    "Puto o medo é uma cena que a mim não me assiste"

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  4. Caro... "Reyes", obrigado pelo comentário. Ainda bem que alguém crítica para que se possa ver que aqui não têm lugar apenas os elogios.

    Quanto à citação que faz sobre o Andy, quero destacar que, tal como diz no parágrafo (o que está ao lado do perfil do crono), é apenas uma nota para demonstrar que "não é só a subir e nos contra-relógios que se disputa um Tour". Quem quiser ganhar um Tour, não se pode preocupar apenas com subidas e contra-relógios. Tem que pensar também nas descidas, treina-las e encara-las como os seus adversário. Andy Schleck não o fez, um erro que pode sair muito caro. Como vê, não é uma desculpa para uma possível derrota do luxemburguês, mas sim uma crítica ao mesmo.

    Quanto à classificação da montanha, a minha primeira crítica foi logo no dia 14, após a etapa da Luz Ardiden (http://carrovassoura.blogspot.com/2011/07/samuel-sanchez-e-frank-schleck-vencem.html). A meu ver, as classificações secundárias (todas elas) devem existir para criar mais pontos de interesse e com este formato a classificação da montanha não teve nenhuma disputa. Samuel Sánchez venceu-a sem pensar nela. Em cada um dos seus ataques, pensava apenas na vitória da etapa e esta camisola veio como um bónus. Nada tenho contra o Samuel Sánchez, um ciclista que até já tive o prazer de entrevistar, mas gostava que a classificação da montanha tivesse um formato que animasse a corrida, independentemente de quem a vencesse. Apenas isso. Ah, e por mim, o vencedor deste ano teria sido o Roy ou o Hoogerland, que bem tentaram contrariar as expectativas enquanto puderam ;)

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