quinta-feira, 21 de julho de 2011

Um enorme Galibier, um enorme Andy Schleck

Andy Schleck foi o grande herói do dia, sem temer o Col d’Izoard, o Col du Galibier ou os adversários! Com um ataque de muito longe, Andy Schleck revolucionou a classificação geral, deixando apenas quatro ciclistas na luta pela vitória: ele próprio, o irmão, Cadel Evans e Thomas Voeckler, que segurou a camisola amarela.

Alberto Contador e Samuel Sánchez, depois de tantas ganas a descer, não tiveram pernas para subir com os melhores e ficaram fora da luta pelo pódio. Falta a chegada ao Alpe d’Huez e o contra-relógio. Quem sairá vencedor? 

Uma poderosa e corajosa cartada de Andy

Tal como eu tinha dito ontem, todas as equipas com ambições para a geral deveriam tentar colocar ciclistas na principal fuga do dia e a Leopard deveria atacar com um dos irmãos logo na subida para o Col d’Izoard. Colocar um homem em fuga é das estratégias mais básicas do ciclismo e todos sabemos que o objectivo passa por ajudar os líderes na fase decisiva da corrida (já o expliquei após a etapa de Plateau de Beille, 4º parágrafo). Ver um favorito atacar de longe, não tem sido prática comum nos Tours dos últimos anos, mas também é algo simples e na situação em que os dois irmãos estavam era o que teriam que fazer.

Apesar de ter antecipado o ataque de um dos Schlecks (neste caso foi o Andy que atacou), nunca pensei que chegasse ao Col d’Izoard com dois minutos de avanço e muito menos com mais de três minutos ao início da subida final. A BMC, a Saxo Bank e a Euskaltel demoraram demasiado a tempo a reagir e pagaram-no caro. Foram todos demasiado inocentes, tanto os líderes como os directores desportivos que não indicaram aos seus ciclistas (os gregários) que assumissem logo o controlo do mini-pelotão. As três equipas tinham lá ciclistas que se poderiam sacrificar pelos seus líderes mas demoraram a perceber que Andy Schleck estava a atacar para ganhar o máximo de tempo possível. Fosse qual fosse o Schleck que atacasse, não seria apenas para desgastar os adversários e poupar o irmão. Seria para tentar ganhar o máximo de tempo possível e, se fosse alcançado, aí sim, teria servido para o irmão.

A Leopard voltou a mostrar inteligência na gestão de forças de Maxime Monfort, o colega de Andy mais adiantado. Em vez de darem instruções ao belga para dar tudo enquanto pudesse e poupar Andy, os directores desportivos (ou o próprio Andy) decidiram que o trabalho seria dividido entre eles durante os primeiros quilómetros de subida, para que Schleck tivesse a companhia de Monfort até o mais próximo possível da meta.

À falta de 14 quilómetros, e já sem gregários, Alberto Contador assumiu timidamente o controlo do grupo, depois com a ajuda de Cadel Evans. Inconformado pela falta de ajuda, o australiano atacou quando Schleck já estava nos últimos dez quilómetros e levava 4’30’’ de vantagem. A partir daí foi sempre Evans a puxar, a encurtar distância e a eliminar adversários. As duas primeiras vítimas relevantes foram Rigoberto Urán, camisola branca, e Samuel Sánchez, candidato ao pódio que se fartou de atacar nas descidas dos dois últimos dias mas para subir não teve força.

Evans parecia andar mais rápido que Schleck, naturalmente mais desgastado por tantos quilómetros na frente de corrida. No entanto, a diferença de tempo estava teimosa. 3’50’’ a 8 km do final, 3’25’’ a 6 km, 3’10’’ a 3 km. Por essa altura, já Alberto Contador parecia demasiado justo, sempre na cauda do grupo, com Frank Schleck na sua roda mas a parecer muito mais fresco.

A prova de que o ritmo de Evans era muito forte era a forma como os outros ciclistas iam cedendo, um após outro, até Contador quebrar, a dois mil metros do término. A partir daí, Frank Schleck ficou mais solto e até atacou no último quilómetro. Com uma enorme frieza, soube aguentar na roda de Evans enquanto Voeckler e Basso eram eliminados e soube escolher qual o momento certo para atacar com a certeza de que ninguém o conseguiria seguir e não prejudicaria o irmão.

Apesar de quebrar no último quilómetro, Andy Schleck ganhou importantíssimo tempo para a concorrência, tendo agora quase um minuto para Cadel Evans e apenas 15 segundos de atraso para Thomas Voeckler. Entre os quatro, tudo está em aberto.

O que fazer no Alpe d’Huez?

À partida para a etapa de amanhã, Voecker e Evans estão separados por 1’12’’, com os dois Schlecks pelo meio. A etapa é muito curta, apenas 109,5 quilómetros, mas com o Col du Télégraphe (11.9 km a 7,1%), o Col du Galibier (16.7 a 6.8%, subido pelo lado contrário a hoje) e chegada a Alpe d’Huez (13.8 km a 7.9%). 

Atendendo ao que cada um vale no contra-relógio, em termos de tempo a vantagem ainda está do lado de Evans, mas os Leopard são dois e amanhã terão que jogar com essa regalia. Tal como fizeram no dia de Plateau de Beille e de hoje, poderão lançar ciclistas seus para a fuga do dia mas o mais importante será passarem o Galibier com o maior número possível de ciclistas no grupo dianteiro. A partir daí, há que endurecer o ritmo desde os primeiros quilómetros da ascensão para o Alpe d’Huez para reduzir o grupo e para que os irmãos possam começar a atacar à vez… mas atacar a sério! Enquanto o grupo principal tiver 9 ou 10 ciclistas, haverá muita gente para impor o ritmo de perseguição, mas se o grupo ficar reduzido, então terá que ser Evans a responder, ora a Frank, ora a Andy.

Outra hipótese (que me parece melhor), e uma vez que há quase um minuto entre Andy e Frank, passará por utilizar Frank para lançar um ataque decisivo de Andy Schleck. Seja como for, com ataques à vez ou apostar tudo num ataque de Andy, quando atacarem os luxemburgueses não poderão faze-lo a olhar para trás e ver quem vai. Será tudo ou nada, para ampliar a vantagem antes do contra-relógio de Grenoble.

Andy deu tudo hoje, mas todos o fizeram, com excepção de Frank Schleck. Andy deu tudo para ganhar tempo, Evans deu tudo para encurtar a diferença e os outros deram tudo para aguentar o ritmo de Evans e não o conseguiram. O único que aguentou foi Frank, que no final até se deu ao “luxo” de atacar.

A Cadel Evans e Thomas Voeckler resta-lhes defenderem-se amanhã, um para atacar a camisola amarela no sábado e outro para se manter no pódio. Damiano Cunego e Ivan Basso estão com o mesmo tempo e lutarão amanhã pelo quinto lugar, tendo para isso que ampliar a vantagem em relação a Alberto Contador, mais dotado para o contra-relógio. Contador e Samuel Sánchez já estão fora da luta pela vitória final e terão que pensar noutros objectivos. Alberto Contador ainda não venceu nenhuma etapa e poderá virar-se para isso, seja com um ataque no Alpe d’Huez ou logo nas primeiras dificuldades. Já Samuel Sánchez, que já tem uma etapa, deverá virar-se para a classificação da montanha, onde Andy Schleck já está muito próximo da liderança de Vanendert e talvez seja mesmo o maior favorito à vitória. Sánchez e Vanendert deram hoje más indicações e não será fácil que amanhã terminem à frente de Andy Schleck, tendo ambos que amealhar pontos no Col du Télégraphe e Col du Galibier.

Tom Danielson, Jean-Christophe Peraud e Taaramae continuam a batalha por um lugar nos dez primeiros, podendo também Rolland lá chegar mesmo com a “obrigação” de trabalhar para Voeckler. Com o mau dia de Urán, a camisola branca é agora de Taaramäe com 33 segundos menos que Rolland, por equipas a Garmin já tem dez minutos de avanço para as concorrentes mais próximas e a vitória quase assegurada e Mark Cavendish, um dos 89 ciclistas que chegaram fora de controlo, perdeu 20 pontos para a camisola verde, tend agora 15 de avanço para José Joaquin Rojas. Amanhã é outro dia em que provavelmente chegará fora de controlo.

*****
Havendo tantas expectativas sobre esta etapa, e uma vez que não abdico de acompanhar a transmissão pela equipa da RTP (neste caso, na RTP N), decidi gravar a transmissão da Eurosport para depois ver como seria comentada a prestação de Contador e Andy Schleck, já que os comentadores são dois grandes fãs do espanhol. Paulo Martins diz mesmo, desde os primeiros dias, que Andy Schleck não é ciclista para o pódio deste Tour.

Depois de três horas de transmissão na RTP N sem nenhuma falha que eu tenha detectado, é demasiado mau ouvir a Eurosport, uma experiência para não repetir até ao final deste Tour.

No mesmo sítio em que Marco Chagas antevia o ataque de Andy Schleck, por este estar na frente do grupo principal e ter colegas em posição adiantada, Paulo Martins elogiava o posicionamento de Contador e criticava a suposta divisão da Leopard ao colocar dois ciclistas em fuga para tentar vencer a etapa. Não era evidente que Posthuma e Monfort estavam em fuga para ajudar os Schlecks? Depois de dizer isso, dizer que o ataque de Andy tão cedo já era esperado por todos, além de uma contradição, é gozar com os telespectadores. E também não serve de nada dizerem que são imparciais e não torcem por ninguém em particular, depois de 17 dias a rejubilar por cada vez que Contador se aproximava da frente do pelotão… não engana ninguém.

Apesar disso, a Eurosport consegue sempre uma emissão bastante engraçada. Enquanto a RTP aposta na seriedade e profissionalismo, a Eurosport criou um programa que mistura bicicletas, ciclistas e brincadeiras para concorrer com os programas da tarde do canal Panda. Enquanto a RTP tem como convidados Joaquim Gomes, Vítor Gamito ou Joaquim Andrade, a Eurosport convida um actor de séries e novelas para adolescentes só porque fez BTT nos seus tempos de adolescência. Até pode ser muito bom actor e eu não tenho nada contra… mas não arranjam ninguém mais credenciado para comentar a Volta a França?

5 comentários:

  1. Isto amanha será curioso ver a táctica da Leopard, ver se o Voeckler consegue seguir na roda. Acredito que amanha o Rojas tem grande possibilidade de vestir verde porque tem apenas 15 pontos de desvantagem para o Cavendish, Rojas passa melhor as dificuldades, e pode ir lá buscar uns pontinhos, depende de quem tiver na fuga.
    Boa Crónica, Parabéns pelo bom trabalho

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  2. Eu acho que o Andy não precisa de ampliar a vantagem que tem, visto que tem melhorado a olhos vistos nos contra-relogios, e os cronos do Evans no final do Tour já não são o que eram, devido à menor capacidade de recuperação causada pela idade. Mas vamos ver.
    By the way, muito boa crónica.

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  3. Excelente análise. Acho que o Andy Schleck merece muito a vitória, desde o ano passado inclusive ....

    Net Esportes - http://netesporte.blogspot.com

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  4. Obrigado pelos comentários.

    Francisco, é verdade que em 2008 ele não conseguiu passar o Sastre, mas até foi 6º no último CRI. Em 2007 tinha sido 2º, em 2009 (com a 2ª metade do Tour toda ela mal) é que esteve pior e foi 12º, mas depois no crono final da Vuelta foi 3º. No ano passado foi 4º no CRI final do Giro. Com o atraso que tem agora, penso que poderá vencer o Tour mas ainda falta um dia de montanha e, de qualquer forma, no crono não estará sozinho. Os seus adversários também darão tudo.

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  5. Esta foi a etapa que mais gostei de ver, pois até então ainda não tinha havido practimente acção.A estatégia da Leopard-Trek foi muito boa, ao colocar 2 homens na fuga para ajudar o Andy schleck (mas foi só practimente o Monfort). As equipas reagiram tarde demais, a Euskatel com 2 ou 3 homens nada fez para combater a fuga. Gostei muito do trabalho do Cadel Evans,está em bom forma, já Contador e Samuel Sanchez perderam muito tempo.
    O que esperar da etapa de hoje?
    Penso que vai ser uma bela etapa e hoje será para o Frank schleck.O Andy Schleck assim como o Cadel Evans hoje estarão um pouco mais contidos.
    E acredito este ano que a amarela será para o Andy...
    ;)

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