sábado, 19 de maio de 2012

Depois da tempestade, a bonança de Andrey Amador

Quando a temporada termina, o que nos vem à memória são os vencedores das grandes voltas e das mais mediáticas clássicas, os grande duelos de trepadores e as grandes lutas nos pavês de Flandres ou Roubaix, mas a magia do desporto também se faz de histórias como a de Andrey Amador, o jovem costa-riquenho que venceu hoje a primeira etapa de alta montanha deste Giro. É dele que vos venho falar hoje um pouco. 


A 29 de Agosto de 1986, em San José, Costa Rica, onde a expressão do ciclismo é muito diminuta, nasceu Andrey Amador Bikkazakova, filho de mãe russa e pai costa-riquenho, com avó espanhol. Desde cedo começou a competir, influenciado pelo seu irmão Ivan, quatro anos mais velho, e “patrocinado” pelos pais, que faziam tudo o que podiam para levar os filhos onde existisse uma prova para correrem.

Ainda como júnior começou a mostrar-se como um dos melhores ciclista do seu país, tanto na estrada como em BTT, e em 2007 veio para a Europa, correr na espanhola Lizarte, pela qual se mostrou uma das maiores promessas do pelotão sub-23 do país vizinho. Em 2008 teve uma oportunidade muito importante para a sua carreira: correr a Volta a França do Futuro pela selecção mista UCI. Venceu o prólogo e foi quinto na classificação geral, atrás de Jan Bakelandts (agora na Radioshack), Rui Costa, Arnold Jeannesson (FDJ) e Jérôme Coppel (Saur-Sojasun), sendo contratado pela Caisse d’Epargne no ano seguinte.

Com 22 anos estava no pelotão profissional europeu, a correr provas Pro Tour muito longe da sua San José natal. Mostrou-se empenhado em aproveitar a oportunidade que lhe estavam a dar e cumpria o que a equipa lhe pedia: trabalhar para os seus colegas. Foram dois anos para ganhar experiência, nos quais até teve a oportunidade para correr a Volta a Itália 2010 (41º), dois anos em que passou discreto para a maioria do público, mas não para os responsáveis da Caisse d’Epargne, que no ano seguinte seria Movistar e onde deveria ter as suas primeiras oportunidades. Ainda antes do ano civil de 2010 terminar, Andrey Amador teria um acontecimento marcante.

No último treino de Dezembro, na Costa Rica, um grupo de assaltantes atacou Amador para lhe roubar a bicicleta, deixando-o inconsciente na berma da estrada. Dias depois, ainda internado no hospital de San José, Amador descreveu como “o mais assustador da minha vida”, aquele dia em que um grupo de assaltantes saiu de dois carros para roubar a sua Pinarello e o deixou na berma da estrada para morrer.

Bastaram três meses e meio para que, no Tirreno-Adriático, se evidenciasse pela sua combatividade (sendo inclusive 5º numa etapa) e em Abril foi quarto no GP Llodio e na Volta a Rioja. Ganhou um bilhete para cumprir um sonho: correr a Volta a França.

Assim estava o tornozelo de Amador à partida para
a segunda etapa... e foi até Paris.
A 2 de Julho de 2011, na Passage du Gois, tornou-se no primeiro costarriquenho a correr a Volta a França. Antes disso, o irmão Ivan enviou esta cartapública que merece ser lida. Porém, logo nesse dia, o Tour ficaria ainda mais duro para Andrey Amador. Uma queda já na fase final da etapa deixou-o com o tornozelo inflamado e muito inchado, como se vê na foto ao lado. Estava em tão mal estado que no contra-relógio colectivo do dia seguinte o objectivo da Movistar passava por aguenta-lo a ele e a Intxausti de modo a que não chegassem fora de controlo. Foram 19º de 22 equipas mas conseguiram que todos ficassem em prova.

Foi recuperando, até entrou em algumas fugas e deu nas vistas. Apesar de terminar “apenas” no 165º lugar, o balanço era muito positivo: mostrou ter a garra e o querer necessários para vingar no ciclismo de elite.

Depois de Paris, voltou à competição em Janeiro seguinte, no Tour de San Luís, com um nono lugar na geral. O seu primeiro objectivo era este Giro, não para lutar por um lugar na geral, mas para, com toda a sua combatividade, lutar por etapas. Na oitava etapa atacou a mais de 200 quilómetros do final, num quarteto que chegou a ter onze minutos de avanço para o pelotão mas foi neutralizado a 17 da meta. Dias depois, na 12ª etapa, voltou a fugir e desta vez numa fuga com sucesso, de onde sairia a vitória de Lars Bak (Lotto) com Amador em terceiro. Foi na quinta-feira.

Hoje, sábado, pela terceira vez em menos de uma semana, esteve na fuga do dia, desta vez composto por oito corredores, incluindo o português Nelson Oliveira (Radioshack). No início da primeira de duas subidas de 1ª categoria, chegaram a ter treze minutos de avanço para o pelotão. Logo nessa dificuldade o grupo ficou reduzido a cinco e na descida seguinte Amador fez a diferença. Com um ritmo endiabrado e trajectórias que certamente fizeram arrepiar muitos telespectadores, Amador conseguiu nessa descida uma minuto de vantagem para o quarteto que o perseguia, de onde Alessandro de Marchi e Jan Barta sairiam para se juntar à frente de corrida. Num final a três e com os favoritos a aproximarem-se, Andrey Amador foi o mais rápido! A sua primeira vitória como profissional foi a 2000 metros de altitude, na Volta a Itália, depois de ter deixado a Costa Rica em busca do sonho do ciclismo, depois de ser deixado inconsciente na berma da estrada para morrer há ano e meio, depois do que lhe aconteceu na Volta a França do ano passado… depois da tempestade, chegou a bonança pelo qual tanto lutou. Parabéns a ele, Andrey Amador!

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