quinta-feira, 27 de setembro de 2012

"Eu... e Agostinho": histórias do Tour 1969 (I)

Retomamos hoje às aventuras de Joaquim Agostinho na Volta a França de 1969, a rubrica começada há duas semanas inspirada no livro "Eu... e Agostinho", de Amadeu José de Freitas, escrito naquele ano em que Agostinho conquistou a primeira vitória de um português no Tour... e a segunda. Tinha-se tornado ciclista no ano anterior e estava a estrear-se no Tour.

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As primeiras pedaladas de Joaquim Agostinho na Volta a França foram dadas numa cidade que quase todos os amantes do ciclismo já ouviram falar: Roubaix. Foi lá, na fronteira com a Bélgica, que começou o Tour 1969, passando rapidamente para território estrangeiro, primeiro com a Bélgica e depois na Holanda.

Em 1962 o Tour voltou a ser disputado por equipas, depois de muitos anos a ser disputado por selecções (muitas delas mistas) e em 69 ainda estávamos muito longe dos contractos pluri-anuais que hoje existem entre ciclistas e equipas. Joaquim Agostinho estava no Tour pela Frimatic-De Gribaldy-Viva-Wolber, mas o seu contrato era válido apenas para essa prova.

A certa altura, AJF conta uma conversa com Joaquim Agostinho:
- O que eles me têm matado o «bichinho» do ouvido para eu não ir à Volta a Portugal: que ia ter contratos «bestiais», mais isto, mais aquilo, que vou perder a melhor altura da época... Mas não posso deixar de ir. Além das saudades tenho um dever a cumprir com o Sporting e o público, não lhe parece? 
Claro que concordamos e o apoiamos - apesar de todos se mostrarem surpreendidos como o rapaz volta as costas a uma data de contos de reis. É simples a razão porque ele faz isto: é honesto.

O discurso de Joaquim Agostinho é de uma simplicidade enorme. Se podia andar mais rápido, tinha que ir mais rápido porque era para isso que estava ali e era isso que o público queria.
- Palavra de honra: se não fosse por dar «barraca», eu tinha desistido. Virava as costas a isto tudo e acabava. Já não podia mais. Mas comecei a lembrar-me de todos, do interesse com que seguem a minha corrida, do entusiasmo que há em Portugal. Há muito, não há?
A questão foi colocada por Agostinho numa das primeiras conversas que teve com o jornalista, já depois da primeira vitória em etapa. Agostinho tinha caído logo na 2ª etapa (já tinha corrido prólogo e a primeira etapa teve dois sectores) as lesões foram várias e estava num país estrangeiro, com um idioma que não entendia e num desporto ao qual tinha chegado  havia pouco tempo. Pensou em desistir mas não podia dar barraca.
- Então, esse moral, está em baixo? 
- Não. 
Aí está ele a rir outra vez. E acrescenta: 
- Foi só ali. Agora já passou. Do moral não me queixo... queixo-me é do braço... 
E acrescenta: 
- O sr. Caput e o sr. Gribaldi já me disseram que muitos dos que por aqui andam, com muito menos do que o que eu tenho tinham ficado pelo caminho. E sempre sabe bem ouvir dizer isto... Nestas condições só quero curar-me depressa, para ver se ainda consigo fazer mais alguma coisa.
A descrição de Agostinho feita logo nos primeiros capítulos ajuda a conhecer este que foi o melhor ciclista português até aos dias de hoje.
Um homem quase só, com os seus músculos, a sua ingenuidade. Talvez com uma força que desconhece totalmente. Uma poesia feita de suor e gemidos - nevoeiro de pó da estrada a roubar-lhe contornos. E a dar também aos recortes um ar de fantasma e irrealidade. 
E o homem só - ou quase só... - lá está, inteiro, firme que nem rocha, sorriso de «Santo Antoninho onde te porei» na face vermelhuça dos ares saloios da terra, um brilho de menino a quem deram o brinquedo apetecido, nos olhos que são escuros e têm, lá no fundo, uma gritante mensagem de fé.(...) 
É ele Joaquim Agostinho, o grande aventureiro do «Tour», o portuguesito rijo e valente que não percebe o que as «vedetas» e dizem e que na sua sã e primária filosofia provinciana, os manda «pentear macacos» e vai, por aí fora, tratar da sua vida...
Agostinho era simples... mas sem abusos.
Depois da sua vitória, quando os jornalistas e locutores o rodearam (em massa) fazendo as mais diferentes perguntas, um homem da rádio quis dar um «tiro» e talvez, também, uma «chazada»: 
- Já que não sabe falar francês cante aí uma moda do seu foclore... 
Quando fizeram a tradução, o rapaz (evidentemente) caiu das nuvens. Mas o moço simples de Brejenjas respondeu: 
- Digam lá a esse tipo que eu não gosto de cantar, nem sei. E que estou aqui para andar de bicicleta, como o Merckx, o Poulidor, todos os outros. Não sou palhaço... Sou ciclista...

Pois era. E dos muito bons.

1 comentário:

  1. Já só me lembro do enorme Joaquim Agostinho quando regressou ao Sporting em 1984.Mas através de artigos,publicações e um documentario em video que foi feito pela RTP á alguns anos foi possivel ver o quanto este SENHOR projetou o nosso ciclismo.É sem sombra de dúvidas uma das grandes figuras do desporto portugues de sempre.Para além disso tinha o condão de fazer com que todos os adeptos se entusiasmassem com as suas prestações nomeadamente no Tour,fossem adeptos do Sporting,Benfica ou Porto.

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