quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O Mundial de Rui Costa?

Estamos a uma semana e meio do início dos Campeonatos do Mundo de estrada e a duas e meia da corrida rainha, a prova de fundo dos elites, onde se encontrará o sucessor de Mark Cavendish. Favoritos? Há muitos, como Gilbert, Rodríguez, Valverde, Boasson Hagen ou Peter Sagan, mas numa lista mais alargada, até 10-15 nomes, há que incluir Rui Costa. O português encaixa-se no perfil da prova como há muito tempo nenhum luso se encaixava. Acredito que tem condições para estar na luta pelas medalhas.

Nas clássicas como Milano-Sanremo, Paris-Roubaix, Amstel Gold Race ou Liège-Bastogne-Liège é relativamente fácil prever o que vai acontecer. Basta olhar para as últimas edições e consegue-se encontrar um padrão. Na Milano-Sanremo, por vezes forma-se uma fuga nas últimas colinas, mas a regra é um sprint numeroso; o Paris-Roubaix resolve-se com os mais fortes a imporem a sua lei nos sectores de pavé (O'Grady e Vansummeren, escapados desde cedo, foram as excepções nos últimos anos); a Amstel Gold Race decide-se geralmente na subida final (ou na anterior, mas é menos frequente); e a Liège-Bastogne-Liège costuma decidir-se nas subidas dos últimos 50 quilómetros (menor quantidade mas mais longas comparativamente à AGR).

Obviamente que tratam-se de generalizações, mas é com base nelas que se pode apontar quem são os maiores candidatos à vitória e as equipas montam estratégias para auxiliar os seus principais trunfos. Em Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo, a situação é diferente.

Devido às selecções serem reduzidas, os Jogos Olímpicos são extremamente abertos e prova disso é que ainda não houve uma medalha conseguida pelo pelotão desde que a corrida é disputada por profissionais (1996). Nos Mundiais existem muitas selecções de 6 corredores e algumas de 9, o que permite que a corrida seja mais controlada (mais gregários por equipa), mas há quatro factores que deixam os Mundiais na zona cinzenta, onde não se sabe muito bem o que vai acontecer:
  1. O percurso muda todos os anos e as edições anteriores pouco servem para análise;
  2. Os percursos costumam ter alguma sobe-e-desce mas nunca demasiado, não se sabendo até que ponto as subidas farão estragos;
  3. As selecções costumam ser menos unidas do que as equipas (salvo excepções);
  4. As melhores selecções (Itália, Espanha, Bélgica, Holanda...) costumam ter mais alternativas para vencer do que as melhores equipas
Os primeiros dois factores são anulados em edições como a do ano passado, que era extremamente plana e motivou a Grã-Bretanha e outras selecções com velocistas a trabalharem afincadamente para o muito provável final ao sprint.

Campeonatos do Mundo 2012 (Limburgo)


Esses dois primeiros factores poderão também ser anulados em boa parte este ano, pois os Mundiais serão disputados na província holandesa de Limburgo, onde se disputa a Amstel Gold Race, percorrendo estradas conhecidas da clássica cervejeira.

Fase inicial da prova (clicar para ampliar)
Os ciclistas partirão da capital da província Maastricht (tal como a AGR) a menos de cinco quilómetros da fronteira com a Bélgica e menos de quarenta quilómetros da fronteira com a Alemanha, esperando-se muito público destes dois países. Depois disso pedalarão 106 quilómetros até Valkenburg, onde iniciarão o circuito final de 16,5 quilómetros (10 voltas). Esse circuito contará com duas colinas: o Bemelerberg a meio, com 900 metros a 5% de inclinação, e o Cauberg já muito próximo da meta, com 1200 metros a 5,8%. No total serão 7 colinas nos 106 quilómetros inicias e 20 no circuito final.

Valkenburg é um pequeno município de apenas 17 mil habitantes mas é um sonho para quem gosta de ciclismo. Recebe os Campeonatos do Mundo pela quinta vez, depois de 1938, 48, 79 e 98, desde 2003 é local de chegada da Amstel Gold Race e recebeu chegadas do Tour em 92 e 2006. Estando a região tão ligada ao ciclismo, há "pistas" que ajudam a prever estes Mundiais.

Circuito final, 15 voltas para os elites masculinos
(clicar para ampliar)
Na Amstel Gold Race o Bemelerberg está localizado a meio da prova e por isso apenas serve para fazer desgaste, não servido como grande indicador para este circuito. Porém, o circuito de 1998 era praticamente igual a este, apenas se diferenciando por mais 700 metros percorridos em Maastricht e porque a prova era composta por 15 voltas ao circuito, enquanto este ano o formato é outro.

Em 98 um grupo de 13 ciclistas formou-se no final da 12ª volta e aí ficaram as medalhas. Entre os 13 estavam três das figuras mais marcantes da década de 90 e início do novo século, os italianos Michele Bartoli e Andrea Tafi e o belga Peter Van Petegem, a então promessa da casa Michael Boogerd, o campeão mundial de 93 Lance Armstrong (que nesse ano tinha voltado à competir e sido 4º na Vuelta), o futuro campeão de 2000 Romans Vainsteins e o suíço Oscar Camenzind que se sagraria campeão mundial em Valkenburg. Antes tinha estado um outro italiano, jovem, que se sacrificou a trabalhar para Bartoli e Tafi. Um italiano de 24 chamado Paolo Bettini e que viria a sagrar-se campeão olímpico em 2004 e mundial em 2006 e 2007.

Perante o cenário chuvoso e com as principais selecções presentes na frente, o pelotão abdicou da perseguição e chegou com quase um quarto de hora de atraso para Camenzind, vencedor isolado. Van Petegem levou a prata, Bartoli o bronze, Armstrong foi 4º e Boogerd 6º, com o suíço Niki Aebersold pelo meio.

A chuva marcou o seu desenrolar, mas a corrida de 98 comprova que, mesmo disputados em circuito, estes Mundiais poderão ser discutidos pelos especialistas nas clássicas das Ardenas.

As hipóteses de Rui Costa


Ainda assim, deveremos ter uma prova relativamente aberta. A Itália deverá alinhar com Nibali, Moreno Moser, Nocentini e Ulissi, a Espanha com Rodríguez, Valverde, Samuel Sánchez e Freire, a Bélgica com Gilbert e Jelle Vanendert, a Holanda com Gesink e Bauke Mollema, a Austrália com Simon Gerrans e Allan Davis e a Colombia com Rigoberto Uran e Sergio Henao. Por aqui dá para ver que há várias selecções com vários trunfos, em vez de uma BMC focada em Gilbert, uma Katusha focada em Rodríguez, uma Movistar para Valverde, uma Lotto para Vanendert ou uma Euskaltel para Samuel Sánchez. 

Rui Costa não é o principal favorito ao ouro mas é um dos principais favoritos à luta pelas medalhas. De resto, há muitos anos que Portugal não tinha um ciclista tão forte para o tipo de percurso em que se disputam os Mundiais.

O português tem vindo a mostrar que se adapta bastante bem a clássicas acidentadas. Foi 11º no GP de Québec do ano passado, venceu depois o GP de Montréal e este ano terminou nos 20 primeiros da Amstel Gold Race, Flèche Wallone e Liège-Bastogne-Liège, mesmo não parecendo na sua melhor forma. Aliás, o Rui tem feito uma temporada espectacular que o coloca em 9º do Ranking World Tour da temporada até ao momento, 10º no CQ Ranking11º no IG Pro Cycling Index, dois rankings que avaliam as prestações de cada ciclista ao longo da temporada em todas as provas. O 3º lugar na Volta à Romandia e a vitória na Volta à Suíça mostram uma evolução notória desde o ano passado (em que já rendeu a um nível excelente) e o recente segundo lugar no GP Ouest France (World Tour) reforça a sua candidatura às medalhas em Limburgo.
Rui Costa a vencer o GP de Montreal 2011

No recente GP Ouest France, o Rui Costa voltou a demonstrar a inteligência e sentido de corrida que já lhe tinha valido a vitória em Montreal do ano passado e serão características fundamentais para os Mundiais que se avizinham. Mesmo nos Jogos Olímpicos, em que estava desgastado pela constante combatividade na última semana de Volta a França (18º final), "acertou" na fuga certa que discutiu as medalhas (foi 13º).

A aposta tem que ser Rui Costa e a escolha dos restantes seleccionados deve ter em conta isso. (Na crónica Mundiais: 3 elites portugueses, 0 sub-23. ZERO! foi acrescentada uma nota de rodapé a explicar o porquê de serem 4 portugueses e não 3 como dito anteriormente)

É importante levar homens que estejam dispostos a trabalhar para um colega e que tenham capacidade para aguentar até o mais longe possível. Há ainda duas variáveis importantes: (1) se Portugal leva dois homens ao contra-relógio ou opta por levar apenas um; e (2) se o(s) homem(s) do contra-relógio vão há prova em linha ou não. 

Nelson Oliveira, Tiago Machado e Rui Costa são os melhores contra-relogistas portuguesas mas, para poupar o Rui, as duas vagas do crono deverão ser para o Nelson e o Tiago... isto caso a Federação opte por levar dois homens ao contra-relógio. Depois para a prova em linha, Sérgio Paulinho e André Cardoso parecem-me os melhores equipiers que Rui Costa pode ter, mas dependerá da forma como terminarem a Volta a Espanha e da vontade que tiverem em correr o Mundial (já aconteceu o Sérgio e o Tiago Machado não quererem, alegando cansaço). Podendo levar os 5 para Limburgo, eu optaria por ter o Nelson e o Tiago no crono, o Rui, o André, o Sérgio e um dos contra-relogistas na prova em linha. Tendo que abdicar de um (para reduzir os custos), abdicaria de um contra-relogista, a menos que algum deles tenha problemas físicos (o Nelson não corre há quase um mês) ou alguém se auto-exclua por cansaço.

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Curiosidade: "Berg" significa "montanha" ou "colina" em holandês e é por isso que quase todas as colinas holandesas e de Flandres têm esta terminação. Se as marcas Berg Cycles e Berg Outdoor foi inspirada na palavra holandesa, é que já não sei dizer.

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Acrescentei uma votação sobre quem deveriam ser os seleccionados. Escolham 4.

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Na sexta-feira corre-se o GP de Québec e no domingo o GP de Montreal, ambos com transmissão na Eurosport 2 a partir das 18h15 e das 19h respectivamente. Serão os últimos testes do Rui Costa antes do Mundial. A pensar em quem não tem Eurosport 2, tentarei depois disponibilizar links para verem a prova na internet na página do Carro Vassousa no Facebook.


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Este ano haverá Campeonato do Mundo por equipas, sobre o qual falarei futuramente. Entre as equipas qualificadas estão a Movistar de Rui Costa, a RadioShack de Machado e Nelson Oliveira, a Saxo Bank de Paulinho e Pires, a Caja Rural de André Cardoso, Manuel Cardoso e Hernâni Brôco e a Leopard-Trek de Fábio Silvestre. Falta anunciarem quais os seus seleccionados, disputando-se a prova no dia 16.

Confirmada está a presença do argentino Jorge Montenegro (Louletano) na prova em linha de elites.

6 comentários:

  1. primeiro que tudo, parabéns pelo blog sobre este desporto fantástico.

    conheci à pouco tempo, mas vou seguir sempre, porque só acompanho as provas mais importantes do world tour e aqui aparecem textos sobre quase tudo.

    por curiosidade, em que consiste o campeonato do mundo por equipas?

    eu levaria ao campeonato do mundo o rui costa, o sabido, o andré cardoso e o paulinho, para o contra-relógio optava pelo machado em vez do nélson ele que no contra relógio atípico da vuelta portou-se bem.

    o rui costa é dos ciclistas mais inteligentes a correr, se tiver bem fisicamente não tenho dúvidas que pelo menos o top 10 consegue.

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  2. Obrigado pelo comentário e bem-vindo sejas a este espaço, LBJ!

    O Campeonato do Mundo de contra-relógio por equipas será disputado por equipas de 6 e as equipas vencedoras (masculina e feminina) terão direito a usar um distintivo no seu equipamento na temporada seguinte (de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro). Por exemplo, se a Sky ganhar este ano (e é a maior favorita) e todos os seus ciclistas mudarem de equipa, o distintivo continua a ser da Sky e não dos ciclistas. Em traços gerais, é isso.

    Cumprimentos

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  3. mais uma excelente crónica que me deu muito gosto ler.
    Quanto à corrida à anos que não havia terrenos, e sem duvida que é uma excelente oportunidade para o rui triunfar...
    Ainda no ano passado com um terreno plano teve a coragem de atacar o que é de louvar!
    Um link para verem os Gp de Quebeq e Montreal, sei este. (tvdez.com)

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  4. obrigado pelo esclarecimento,

    se as equipas levaram os melhores ciclistas a sky, a garmin, a rabbobank e se calhar a movistar que fez um bom contra relógio colectivo na vuelta são as favoritas, mas a sky é um bocadinho mais favorita que as outras.


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  5. Entretanto já foi revelada a pré-convocatória que apenas conta com "estrangeiros" são eles Rui Costa (Movistar), André Cardoso e Manuel Cardoso (Caja Rural), Tiago Machado (Radioshack-Nissan Trek), Sérgio Paulinho e Bruno Pires (Saxo Bank). A federação tomou também a decisão de não participar na prova de contra-relógio quer de elites quer de júniores.

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