sábado, 1 de dezembro de 2012

A ilusão do profissionalismo

Nos últimos anos temos assistido a uma constante aproximação entre o profissionalismo das equipas continentais e o amadorismo das equipas de clube e não é por evolução das condições nas equipas de clube. Mais do que um calendário que é praticamente comum, teremos em 2013 várias equipas continentais em que o salário médio ronda os 500€ e parte delas chegará à Volta a Portugal com salários em atraso... tal como aconteceu este ano.

Quando qualquer Governo anuncia a redução das condições de trabalho para atrair investimento estrangeiro, a generalidade dos portugueses revolta-se, porque são reduções que mexem com todos. Mas quando saiu a notícia de que a FPC ia reduzir o número mínimo de profissionais por equipa e permitir que neo-pros corressem por 200€ mensais, poucos terão percebido que a medida era semelhante àquelas que muitas vezes se criticam nos Governos (independentemente das cores políticas). Vi alguns ciclistas a manifestarem descontentamento nas redes sociais mas a generalidade dos adeptos ignorou, porque juntamente ao anúncio dessas medidas saiu a notícia de que haveria cinco equipas continentais em 2013 e poderiam até ser seis, dependendo do Boavista conseguir ou não ter patrocinadores.

Com os planteis cada vez mais próximos de estarem fechados, começa a ser mais fácil ter a real noção das consequências das medidas que foram tomadas. Em modo de resumo, pode dizer-se que as equipas continentais deixaram de ser profissionais.

Efapel-Glassdrive assume o estatuto de equipa mais profissional, com onze profissionais e nenhum neo-pro, enquanto a LA-Antarte tem sete profissionais e três neo-pros, que não tem necessariamente que estar a ganhar apenas 200€/mês. Não deverá chegar aos 1000€, mínimo legal para um profissional, mas acredito que seja superior a esses 200€ que estabelecem o mínimo para os neo-pros. Se os salários dos profissionais forem cumpridos e os dos neo-pro forem razoáveis, teremos equipa uma equipa que utiliza a flexibilidade do novo regulamento de forma correcta, dando oportunidade a Rafael Silva, Luís Afonso e André Mourato para passarem a profissionais.

Da Carmim-Prio não chegam novidades, a não ser saídas, e o cenário não estará nada fácil. De Tavira já saíram Ricardo Mestre (Euskaltel), Nelson Vitorino (termina carreira), Amaro Antunes (Cerâmica Flaminia) e agora Samuel Caldeira e Alejandro Marque para a OFM-Golden Times. O site Biciciclismo publica declarações do agente de Marque, que refere salários em atraso em Tavira. Sei que não é a a única equipa nessa situação, mas não me cabe a mim apontar o dedo... pelo menos de forma tão directa.

À OFM-Golden Times (antiga OFM-Valongo) chegam ainda João Cabreira, Délio Fernández e Hélder Oliveira, provenientes da Onda-Boavista. Juntamente a Caldeira e Marque, mudam-se para a nova equipa na ilusão de ter maior estabilidade do que em 2012 e de que um dia voltarão a ter salários como os de há uns anos atrás.

Da OFM-Valongo transitam Luís Fernandes e Gualter Carvalho e da ASC-Vitória chegam Rui Barros e João Matias. Apenas Luís Fernandes não é sub-25, o que permite antever que os outros três estarão com o estatuto de amadores. Uma vez que são necessários sete profissionais, faltará um para se juntar a Caldeira, Cabreira, Luis Fernandes, Délio Fernández,  Alejandro Marque e Hélder Oliveira com o estatuto de profissional... ou não.

Um dos problemas destas medidas é que o valor dos ciclistas se reduziu drasticamente, independentemente de poderem ou não ser amadores. Tornou-se assim muito mais fácil convencer um ciclista a aceitar um salário reduzido, mesmo que tenha que lhe ser dado o estatuto de profissional. Isto é, há ciclistas a serem inscritos como profissionais para cumprir o mínimo de sete profissionais por equipa, mas a receberem à volta dos 200€. Afinal, se os colegas de equipa estão com esses ordenados, qual é o problema de mais um ciclista estar também?

Relembro aquilo que escrevi à sensivelmente um mês: se a FPC alivia o regulamento a favor das equipas, devemos exigir que seja mais rigorosa a fazê-lo cumprir.

Outra situação em que isto acontece é na Rádio Popular-Onda. No site oficial da equipa, o Jornal Ciclismo, a equipa foi dada como completa com dez ciclistas: Daniel Silva, Célio Sousa, Domingos Gonçalves e David Gutiérrez, Vergílio Santos e os sub-25 Adrián López (ex-Andalucia sub-23, 23 anos em 2013),  Ricardo Ferreira (ex-Maia, 21 anos), Gonçalo Amado, Carlos Carneiro e Nuno Bico, estes três últimos vindos da Gondomar Cultural, equipa júnior montada pelo director desportivo do Boavista. Pelo que sei, já devem estar preparados para o que lhes espera em termos de incumprimento de contracto.

Olhando para o facto da OFM apenas ter seis ciclistas com mais de 25 anos e a Rádio Popular apenas ter cinco, poderíamos pensar que há pelo menos três jovens com contrato profissional (1+2). Sim, há, mas não vão ganhar mil euros mensais. Se estão iludidos... desiludam-se desde já.

Uma vez que os sub-23 de primeiro ano não poderão correr a Volta ao Algarve e a Volta a Portugal, a Rádio Popular deve entrar na Algarvia com menos um ciclista e deve depois contratar dois estagiários para a Volta a Portugal. Isto, se não contratar mais ninguém.

Quanto ao Louletano, também não houve grandes novidades ultimamente, sendo que neste caso o plantel já deve estar muito próximo de ser fechado. Em termos de qualidade global está ao nível da OFM, mas enquanto os do Norte têm mais opções (quantidade), os do Sul têm melhores opções (qualidade), com o Sérgio Ribeiro e o Jorge Montenegro.

Conclusão


De 2012 para 2013, o número de equipas continentais aumenta de 4 para 6, mas o número de profissionais não acompanha esse aumento. Além disso, o salário médio diminui e andará em torno dos 500€ por mês... nos primeiros meses da temporada. Perante isto e as situações de salários em atraso (algumas delas são conhecimento público), seria de bom tom a Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais pronunciar-se.

As equipas continentais portuguesas, mais do que alimentadas por dinheiro, são alimentadas por ilusão. A ilusão de jovens que trabalharam durante anos para ser profissionais e agora estão nas provas com que sonhavam mas que entretanto deram vários passos atrás; e a ilusão de outros menos jovens que esperam um dia voltar a ter as condições a que se habituaram.

O crescimento do número de equipas continentais fez-se através do desaparecimento de equipas de clube. Não só do "salto" da OFM e do Louletano mas também do provável final da ASC-Vitória. No total, o pelotão nacional perde uma equipa e vê significativamente reduzida a aposta na juventude. Sim, o número de equipas continentais aumentou, mas o ciclismo português não resolveu os seus problemas para o futuro.

*****
Podem ver um esboço das equipas portuguesas para 2013 aqui.

5 comentários:

  1. Este trabalho foi excelente, somente faltando uma parte da verdade, porque razão devem as equipas aos seus atletas? Pois sendo eu uma pessoa bem informada ou melhor sócio de um dos clubes referenciados e do qual nunca falto a uma assembleia do meu Clube sim do Clube de Ciclismo de Tavira, vou lhe dizer se devem salários aos atletas , deve ser somente por deverem a esse Clube de acordo com os documentos exibidos na ultima assembleia as seguintes empresas: Azurambiente 60 Mil euros de cheques devolvidos, Promovalor 100 Mil euros, Região de Turismo 50 Mil euros, Município 140 Mil euros, agora pergunto são as pessoas que dão a cara e o seu nome diariamente aos problemas de um clube sem dele nada receberem que são os culpados dos incumprimentos!! De os que devem são quem deviam vocês que falar e escrever !! Porque as pessoas que estão a frente deste clube são pais de família e que passam dias, semanas, meses, ausentes da própria família em favor do desporto. Estas pessoas merecem respeito!!!

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  2. Obrigado pelo comentário,

    Caro anónimo, quem apontou o dedo não fui eu, mas sim o agente de um ciclista, para um órgão de comunicação social. O que disseste no teu comentário não é novidade para mim, mas deve se alguém tem que o tornar público, deve ser a equipa.

    Cumprimentos

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  3. Plantel do Louletano para 2013:

    Sérgio Ribeiro
    Jorge Montenegro
    Raúl Alarcon
    Rui Vinhas
    Micael Isidoro
    Luís Silva
    António Olmo
    Victor Valinho
    Dominic Mestre
    Eujeni Cozonac
    Fábio Leaça

    Nota: Já só falta oficialmente conhecer-se o plantel do Tavira.

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  4. Concordo com o que dizes, nomeadamente na parte do que aos salários em atraso diz respeito, e ao incumprimento dos contratos.

    Quanto ás decisões de alterar os regulamentos, por parte da FPC, penso que foi uma decisão que já devia ter sido tomada há mais tempo. O ciclismo acompanha sempre as tendências económicas, e neste caso, esta é a única alternativa. Uma forma de as equipas poderem dar esperança aos jovens.

    Claro que irão correr em condições pouco dignas alguns deles, mas, em boa verdade, entre isso, e não correr, vai uma grande distância.

    Além de que, opinião pessoal e sincera, vejo ser perfeitamente possível, alguns destes novos neo-prós, rápidamente dar o salto para o estrangeiro, Não digo esta época, porque não terão visibilidade nas provas 2.1. Mas na época seguinte terão condições para mostrar o seu real valor.

    Falo por exemplo do Gonçalo Amado, ou do Rafael Silva...

    Repara que, se a federação não fizesse esta alteração, não só não haveriam tantas equipas na estrada, como ainda por cima, haveria mais sub23 a abandonar o ciclismo.

    Temos de aprender a viver com menos, isso é uma verdade. Agora, dou-te razão numa coisa. Uma coisa é viver com menos possibilidades, outra bem diferente é não honrar compromissos contratuais, e aí sim, é de lamentar.

    Abraço

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  5. Se não fosse a enorme dedicação e paixão pela modalidade que os ciclistas possuem,ultrapassando muitos óbstáculos,para além da enorme qualidade que muitos demonstram sobretudo quando vão para o estrangeiro,o nosso ciclismo se calhar ainda estava pior.Que se ajustem os salários e orçamentos á realidade económica do nosso pais é justificado,agora não pagar o que é estipulado contratualmente é que é lamentável.

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