sábado, 9 de março de 2013

Ciclismo de todos-contra-um ou um-contra-todos?

Momento do ataque de Richie Porte
Montagne de Lure, etapa rainha do Paris-Nice 2013, Richie Porte ataca a 1400m do final e vai por ali fora sozinho, com o camisola Andrew Talansky a tentar reduzir as perdas. Tejay Van Garderen, outro norte-americano e outro dos candidatos à vitória na prova, incapaz de atacar no reduzido grupo, opta por se chegar à frente e impor o seu ritmo. Estava ele a colaborar com o seu compatriota ou estava apenas a fazer a sua corrida? É o ciclismo um desporto de todos-contra-um ou um-contra-todos?

Perante a situação anteriormente descrita, o duo do Eurosport português entendeu que Van Garderen estava a colaborar com Talansky porque são compatriotas. Eu acrescento que são   dois jovens da mesma idade e já foram colegas de seleção (nos últimos Mundiais, por exemplo), possivelmente amigos. Mas não me parece que fosse esse o motivo pelo qual Tejay Van Garderen se chegou à frente.

O que motiva esta crónica não é a análise feita durante a transmissão da prova nem este caso concreto mas sim uma forma de pensar o ciclismo que existiu durante muito tempo em Portugal, ainda existe, mas felizmente vem perdendo força.

De 2001 a 2007 a Volta a Portugal (e todo o calendário nacional) foi marcado por uma horrível rivalidade entre a Maia e a LA Alumínios/Liberty Seguros, que se limitavam a fazer uma marcação uma à outra. Ao estilo do futebol, cada ciclista tinha que marcar um dos seus adversários. Se fulano atacasse, era beltrano que tinha que responder. Se beltrano não respondesse, os colegas também não respondiam porque a sua missão era marcar outro ciclista.

O momento mais marcante dessa rivalidade e mais elucidativo do disparate que esta era aconteceu em 2005, com a vitória de Vladimir Efinkim. Como não era do "inimigo", deram-lhe espaço em demasia e acabou por levar a Volta a Portugal vencida nas barbas da Maia e da Liberty Seguros. Outro momento bem elucidativo aconteceu em 2006, numa tirada com chegada à Guarda em que ambas as equipas ficaram a marca-se uma à outra e deixaram David Blanco reentrar na luta da classificação geral (tinha perdido mais de dois minutos na Senhora da Graça para Cabreira e Hector Guerra, não existindo chegada à Torre) e saiu dessa Volta com o primeiro dos seus cinco triunfos. A rivalidade terminou em 2008 quando a equipa da Maia (entretanto mudada para a Póvoa de Varzim) foi deixada de fora da Volta após um escândalo de doping.

Nesse mesmo ano, Vidal Fitas trouxe para a Volta uma nova forma de encarar o ciclismo, simples e eficaz. Em vez da estratégia ser montada com base num adversário concreto, o foco passou a estar na própria equipa. Sempre que a Palmeiras Resort tinha hipóteses de lutar pelo primeiro posto, assumia o controlo da corrida sem esperar pelos adversários ou sem se preocupar com quem fosse na roda. Se entendiam que deviam controlar, simplesmente controlavam.

A mesma forma de estar na corrida foi praticada por Carlos Pereira na Barbot ao longo da temporada 2011 (sobretudo para Sérgio Ribeiro) e depois em 2012 (para Blanco na Volta e Sérgio Ribeiro ou Filipe Cardoso no restante calendário). Tanto Vidal Fitas como Carlos Pereira foram muito mais eficazes centrando a estratégia na sua equipa do que Américo Silva ou Manuel Zeferino centrando a estratégia nos adversários. (Atenção que falo em eficácia na Volta a Portugal. Naturalmente que não se pode comparar à dimensão dos feitos da Maia além-fronteiras, até porque tinham outros recursos).

Não se pense contudo que apenas diretores desportivos portugueses caíram no erro de encarar o ciclismo como um todos-contra-um, deixando toda a pressão num dado adversário. No Dauphiné Libéré 2005, Vinokourov e Landis ficaram à espera que o camisola amarela Leipheimer e a sua equipa controlassem a corrida, mas a Gerolsteiner não tinha capacidade para tal e acabaram por se ver sem vitória e sem pódio devido a uma fuga que deu o primeiro lugar a Íñigo Landaluze. Temos ainda o exemplo do famoso DisneyLandis, quando a CSC e a T-Mobile ficaram à espera que a Caisse d'Epargne assumisse todas as despesas da perseguição a Floyd Landis na Volta a França 2006 e o norte-americano (carregadíssimo) reentrou na luta pelo Tour, perdendo apenas no controlo anti-doping. Enfim, por Portugal e pelo estrangeiro, em provas maiores e menores, não faltam exemplos de ocasiões em que alguns favoritos se concentraram na marcação a um adversário e a vitória acabou na posse de um terceiro.

Conclusão

Como disse no começo, mais do que ser sobre um comentário ou uma situação específica, esta crónica é sobre uma forma de ver o ciclismo. Mas voltemos à etapa rainha do Paris-Nice 2013 para rematar.

Quando Tejay Van Garderen assumiu a dianteira do grupo dos favoritos, não estava a fazê lo para ajudar Talansky mas sim para manter intactas as suas aspirações de vencer a prova. Não podia deixar Porte escapar. E o ciclismo não pode ser visto da forma "todos-contra-um", em que a estratégia é focada num adversário específico, mas sim como "um-contra-todos", em que a estratégia é focada na própria equipa e no seu líder. Pelo menos, é assim que eu o vejo e é essa forma de estar na corrida que mais vezes tem sido premiada nos últimos anos e evitado dissabores, contrariando os Efimkins da vida.

4 comentários:

  1. Simplesmente fantástico!

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  2. Enviar diretamente a crónica para o eurosport Portugal a ver se eles encaram as corridas de outra forma!

    Já agora, será que sou só eu que detesta absolutamente ouvir o Américo Silva?? Ele sabe de certeza muitttttoooo mais que eu de ciclismo, mas falar não é mesmo com ele : /

    Cumprimentos

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  3. Obrigado pelos comentários.

    SR, no ano passado gostei de ouvir o Américo Silva, mas não acompanhei este Tirreno-Adriático na Eurosport (por ser em diferido) e ainda não tive oportunidade de o ouvir este ano.

    Cumprimentos!

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  4. Ele até fala bem, mas a dicção das palavras o discurso, etc etc tem de ser muito treinado, tem muitos "haaaasss e Hummmmm" e fungadelas entre outrosdefeitos no discurso, mas que percebe sem dúvida!

    Cumprimentos

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