terça-feira, 12 de março de 2013

Paris-Nice e Tirreno-Adriático 2013

Vicenzo Nibali com o Tridente de Neptuno,
símbolo do Tirreno-Adriático
Inicia-se Março e, como já é habitual, as atenções do mundo velocipédico dividem-se entre duas provas de grande tradição: Paris-Nice e Tirreno-Adriático. Sendo organizadas pelas mesmas empresas que organizar Tour e Giro, o P-N e o T-A têm apresentando nos últimos anos percursos de mini-grande-volta, muito variados e atraindo a maior parte dos grandes candidatos à vitória nessas duas provas.

Os percursos

Tanto no Paris-Nice como no Tirreno-Adriático o percurso tem algumas condicionantes. Não existindo subidas suficientemente duras na região de Nice que permitam fazer diferenças irrecuperáveis até ao porto da cidade, onde a prova costumava terminar, a organizadora ASO optou em 2012 por recuperar a crono-escalada ao Col d'Éze, que tinha sido realizada pela última vez em 2001. Tal como no ano passado, esta edição do Paris-Nice tinha como pontos-chave uma chegada ao alto (este ano a Montanha de Lure) e a crono-escalada final ao Col d'Éze, juntando-se-lhe um prólogo, duas etapas para sprinters e três acidentadas, propícias a alguns ataques mas sem espaço para grandes diferenças de tempo.

Já em Itália os pontos-chave seriam a chegada a Prati di Tivo (segundo ano consecutivo), chegada a Chieti (quarto ano consecutivo) e o contra-relógio final de San Benedetto del Tronto, cidade que acolhe o final da prova desde a segunda edição (esta foi a 48º) e desde 2011 em formato de contra-relógio. De resto, um contra-relógio coletivo a abrir, duas etapas para sprinters e um rompe-pernas que parecia indicado para uma fuga entre ciclistas jáfora das contas da geral, até porque estava colocada depois das duas etapas mais difíceis e na véspera do crono da decisão. Assim se esperava.


Os participantes

O Tirreno-Adriático proporcionava o segundo duelo da temporada entre Contador e Chris Froome, quase um mês depois da Volta a Omã e a quatro meses do embate a sério, na Volta a França. Entre a fantástica lista de participantes estavam também os vencedores das duas últimas edição Nibali e Evans, Joaquim Rodríguez, Samuel Sánchez, Peter Sagan, Mark Cavendish, Andre Greipel, Tony Martin e Fabian Cancellara.

No Paris-Nice a lista de inscritos era menos impressionante. Richie Porte tomava o dorsal 1 de Wiggins (a Sky não precisa de ritmo de competição para estar em forma e Wiggins está em estágio) e era um dos principais favoritos, juntamente a Lieuwe Westra (2º no ano passado), o melhor jovem do último Tour Tejay Van Garderen, Denis Menchov, Robert Gesink, Andrew Talansky e Jakob Fuglsang.


A competição

Os franceses iniciaram bem esta que é a primeira grande prova no seu país, com um surpreendente Damien Gaudin (Europcar) a vencer o prólogo de 2,9 km e o campeão nacional Nacer Bouhanni a levar de vencida a primeira etapa em linha, no dia em que Rui Costa desistiu por uma queda, felizmente sem consequências graves. Bouhanni, já aqui referido pelo seu enorme potencial e os seus 32 resultados entre os cinco primeiros lugares em 2012, ex-pugilista e ainda praticante na pré-época, foi ao tapete  na segunda etapa e desistiu, com dois dentes a menos e problemas nas costas que o impedirão de alinhar na Milano-Sanremo. Apesar da sua paixão pelo boxe (nos ringues,  não na estrada), a situação não tem piada alguma, porque gente como este jovem queremos é na estrada a rivalizaram com os melhores do mundo. Marcel Kittel venceria a última das etapas para os sprinters.


Porte a caminho da vitória na Montanha de Lure
Terceira etapa, uma contagem de segunda categoria a quinze quilómetros da meta e os primeiros ataques com vista a classificação geral, com Andrew Talansky a impor-se num grupo se sete corredores onde também estava Richie Porte. Foram apenas sete segundos ganhos ao primeiro grupo perseguidor mas alguns dos candidatos perderam logo aí mais de um minuto. Pela subida, pela descida, pela chuva, pelas estradas estreitas.

A quarta etapa, mais montanhosa e com uma contagem de 2ª categoria já nos últimos 10 km, acabou por ser menos decisiva, terminando com vitória do helvético Michael Albasini, ele que no ano passado venceu duas etapas e geral da Volta à Catalunha e uma tirada da Volta à Suíça. Há muitas estrelas que durante toda a carreira não conseguem tantas vitórias World Tour.

Na sexta-feira havia a já referida chegada à Montanha de Lure com 13,8 km de extensão a 6,6% de inclinação média. A Sky assumiu a cabeça do pelotão e foi fazendo a seleção no seu ciclismo tecnológico, com os medidores de potencia a indicarem quanto ainda têm para dar. David López, vindo da Movistar, impôs o ritmo até 2,8 km do final, altura em que o camisola amarela Talansky atacou. Porte seguiu na roda, depois Quintana e formou-se ali um grupo de uma dezena de corredores. Denis Menchov foi o seguinte a provar a sorte, ganhou vantagem, mas Richie Porte passaria por ele à falta de 1,2 km, embalado para a vitória na etapa e na classificação geral. O grupo perseguidor chegaria a 33s, com Menchov intermédio.

O mesmo ciclismo de calculadora foi imposto no dia seguinte em Itália, na chegada à Prati di Tivo. A Omega Pharma (Tony Martin, Kwiatkowski...) tinha vencido o contra-relógio coletivo e entregou a liderança a Mark Cavendish, incapaz de vencer uma das etapas em linha. A primeira delas foi para Matthew Goss, o rei das quase-vitórias que desta vez foi além do quase, e a segunda para Peter Sagan, que continua a dar forma a uma lenda, a sua.

Na ascensão para Prati di Tivo, a Sky assumiu o controlo da corrida tal como tinha assumido na etapa rainha do Paris-Nice, mas aqui com soldados: Dario Cataldo, Sergio Henao e Rigoberto Uran para auxiliar Chris Froome.

A 6 km da meta, Contador fez uma Contadozice, termo aqui criado para descrever os seus ataques sem sentido. E habituessem à palavra porque vai ser usada em mais ocasiões até final do ano. Froome.

O ataque de Contador faria sentido se o espanhol estivesse atrasado na geral e obrigado a arriscar para recuperar tempo. Não sendo esse o caso, era tão desnecessário como o seu ataque em descida na primeira semana da última Vuelta, por exemplo. O que esperava ele não sei, mas o ataque foi tão sem-sentido que nenhum favorito sequer se levantou da bicicleta. Como era de esperar, deixaram Contador de cara ao vento, enquanto Cataldo controlava o grupo. E se Cataldo cedesse, estavam lá os dois colombianos, dois extraordinários trepadores (por aqui se vê que, além da componente científica, o dinheiro também tem uma grande importância no sucesso da Sky. Dario Cataldo, de apenas 27 anos, 12º nas duas últimas Voltas a Itália, certamente com várias equipas interessadas nele para chefe-de-fila no Giro, está agora no papel de gregário)


Vitória de Froome em Prati di Tivo
Contudo, ter um comboio na montanha não torna ninguém imbatível, porque o comboio impõe o ritmo para toda a gente. A diferença é que uns sabem correr com ele, outros não. E quando uma equipa está tão forte quanto estava a Sky naquele momento e não há um atraso significativo para recuperar, a melhor solução é esperar que se acabem os gregários e seja cada um por si, cada um a dar a sua cara ao vento.

Chris Froome arrancou a um quilómetro para a meta, imperial, imbatível! Atrás dele chegariam um surpreendente Mauro Santambrogio, Nibali, Kwiatkowski e Horner, com Contador a ser sexto. Apesar de não estar no topo da sua forma (como no Tour 2009), penso que nenhum destes quatro terminaria à frente de Contador se o madrileno tivesse uma leitura de corrida que fizesse justiça à sua capacidade física. Santambrogio, Nibali, Kwiatkowski e Horner foram menos espetaculares durante a subida, menos vistosos, mais melhor sucedidos.

Kwiatkowski assumiu a liderança mas era Froome quem assumiu o papel de máximo favorito e perspetivava-se uma dobradinha de Paris-Nice e Tirreno-Adriático para a Sky, com Richie Porte a defender a sua camisola amarela no sábado (vitória de Sylvain Chavanel ao sprint num grupo reduzido) e a confirmar a vitória no contra-relógio do Col d'Éze (etapa+geral). Froome falhou.

Nas íngremes rampas da chegada a Chieti (1 km a mais de 12%), o queniano naturalizado britânico vacilou mas conseguiu recuperar na parte final e arrebatou a liderança de Kwiatkwoski. Porém, para a etapa de segunda-feira estava programada uma grande surpresa.


Segunda das duas vitórias de Sagan no T-A,
com Nibali a chegar à liderança
Depois de 200 km debaixo de chuva, com 52 desistências ao longo do dia, Vicenzo Nibali atacou, acompanhado de Peter Sagan e mais adiante com a companhia de Joaquim Rodríguez, vencer do dia anterior. A subida era curta mas tinha rampas muito inclinadas, piso escorregadio e apanhou os favoritos desprevenidos, sem capacidade para anular a distância enquanto as suas rodas patinavam no alcatrão molhado. O mesmo piso molhado, as curvas apertadas e a estrada estreita ao longo da descida assustavam... e os dois melhores descedores estavam na frente: Sagan e Nibali, sem que Rodríguez seja muito pior.

Sagan foi o mais forte no sprint a três, Nibali foi segundo e ganhou mais de 40 segundos a Contador e Froome, chegando assim à liderança com uma margem relativamente confortável para garantir o seu segundo triunfo consecutivo na prova. Tony Martin foi o melhor no contra-relógio, seis segundos mais veloz que Adriano Malori, dez para Andrey Amador, doze para Fabian Cancellara.

Chris Froome foi segundo no Tirreno-Adriático e Alberto Contador terceiro, um pódio de enorme qualidade. Kwiatkowski, a jovem revelação deste início de temporada, ficou a um segundo do pódio e Joaquim Rodríguez a dois. José Mendes foi 23º e Sérgio Paulinho 80º.

No Paris-Nice, o segundo foi Andrew Talansky e o terceiro Jean-Christophe Peraud. Mas uma nota também para Nairo Quintana, que perdeu dois minutos por uma queda numa etapa acessível e sem esse atraso teria sido para ele o terceiro posto, graças a um extraordinário contra-relógio.


Balanço Final

A Sky mostrou, tanto em França como em Itália um fantástico poderio enquanto coletivo, mesmo sem Wiggins e sem Edvald Boasson Hagen, que na Volta a França 2012 se revelou uma peça muito importante na estratégia da equipa. Ainda assim, a formação britânica só levou vencida uma das provas, porque na outra Nibali mostrou como se defende de um comboio afinando na montanha e como atacar o seu líder quando este está mais desprotegido.

O frio, a chuva e as estradas estreitas também foram fundamentais. São fatores que mudam completamente o desempenho de muitos ciclistas, enfraquecem os comboios e deixam os líderes mais vulneráveis.

Foi nestas condições que Talansky chegou à camisola amarela, venceu a etapa e ganhou tempo num dia teoricamente mais tranquilo, e foi nestas condições que Nibali sacou o seu trunfo para conquistar pela segunda ocasião a corrida dos Dois Mares. Os medidores de potência dão informação muito importante mas não dizem o quanto um ciclista se deve abrigar ou onde deve estar colocado para se defender de ataques. E a descer também se ataca. Essa é uma das grandes armas de Nibali e certamente tentará usa-la novamente no Giro frente a Wiggins.

6 comentários:

  1. Para quem critica tão frequentemente os comentadores da eurosport espero que estejas disposto a aceitar as criticas justificadas que te vou fazer agora.

    primeiro: sabendo eu que tu lês o forum do cyclingnews, devias saber que a etapa que acabou em nice to PN, foi largamente discutida lá e a noção de que é dificil criar um percurso selectivo a acabar em nice é completamente errada.

    segundo: gostei da tua critica ao contador sobre o seu ataque sem sentido, no entanto sabias que o contador fez aquele ataque para passar em primeiro num sprint intermédio que lhe deu 3 segundos de bonificação? sera que foi assim tão sem sentido quando ele estava apenas alguns segundos atrás do froome?

    quanto à força da sky é bastante obvio o que se está a passar. até parece que estamos outra vez no inicio dos anos 2000

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  2. Se atacou para ganhar 3 segundos, e perdeu 22, naturalmente que se mantém a lógica do comentário.

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  3. Obrigado pelos comentários.

    Parrulo, quem segue o blog há mais tempo sabe que sou crítico de muita coisa e é pena, porque gostava de não ter nada para criticar. Aliás, vou ter muito mais prazer na próxima crónica, que é um elogio a uma prova e um organizador que já várias vezes critiquei mas agora está de parabéns.
    Relativamente ao fórum do CyclingNews, enganas-te. Apesar de ter intervenções de grande qualidade, infelizmente (ou felizmente) não tenho tempo para ler tudo o que gostaria e esse fórum fica fora das prioridades. No entanto, se quiseres apresentar aqui a que "conclusões" chegaram, terei todo o gosto em ler. Só peço que não coloques links que obriguem a meia hora de leitura em inglês. Por respeito a todos os leitores que não estão à-vontade com o inglês, peço-te que o expliques em português, se quiseres aprofundar esse tema.
    Quanto ao Contador, por lapso não referi que ganhou 3 segundos numa meta volantes... mas no final perdeu 15. Será que, sem esse ataque, não teria poupado energias e sido 3 segundos (ou mais) mais rápido na meta? Mas pronto, isto já são suposições.

    Anónimo, foram 15s na meta, mas a lógica é realmente a mesma. Ganhou 3, perdeu 15... será que não teria perdido só 12 e ficado na mesma? Ou 10?

    Cumprimentos!

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  4. se tivesses visto a etepa tinhas visto que o ataque não durou mais de 50 metros mas tudo bem, certamente foi esse esforço que fez com que ele perdesse tempo no fim da etapa . . .

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  5. eu vou procurar os links para os prefis das etapas a acabar em nice que já foram usadas, assim não é necessário ler nada em ingles

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  6. a etapa a acabar em nice em 2008:
    http://www.letour.fr/PHOTOS/PNC/2008/700/PROFIL.gif

    2009:
    http://www.letour.fr/PHOTOS/PNC/2009/800/PROFIL.gif

    2010:
    http://www.steephill.tv/2010/paris-nice/PROFIL7.gif

    2007 o perfil foi semelhante e foi nessa etapa que o contador ganhou o paris nice deixando para trás o rebellin na subida e ganhando a etapa + bonus.

    e isto tudo sem aproveitar completamente o terreno disponivel, o que é tipico por parte da ASO.

    já agora só para comparação fica a vergonha que foi usada este ano:

    http://www.steephill.tv/players/profile/?race=paris-nice&stage=06&year=2013&src=http://www.grassyknolltv.com/2013/paris-nice/PROFIL-06.png

    o Paris nice foi completamente suplantado pelo tirreno adriatico e com o tipo de percursos que tem tido nos ultimos anos nunca mais vai recuperar.

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