sexta-feira, 10 de maio de 2013

Giro d'Itália, Giro del Mondo

O próximo Giro terá início no Reino Unido, em Belfast
O Giro d'Itália 2014 terá início em Belfast, na Irlanda do Norte, e será a terceira ocasião em cinco anos que a prova arranca fora do seu país de origem, depois de Amesterdão (Holanda) em 2010 e Herning (Dinamarca) em 2012. O Tour 2014 também começará no Reino Unido e a Vuelta 2015 na Holanda. O tema é controverso.


O Giro é a prova que mais vezes tem partido fora do seu país ao longo das últimas duas décadas. Depois de mais de 40 anos com o mesmo diretor, a chegada de Carmine Castellano ao cargo veio dar grande frequência a estas viagens do Giro pela Europa. Em 1996, numa altura em que a crise estava longe e era candidata a sede dos Jogos Olímpicos de 2004, Atenas recebeu a partida do Giro. Seguiu-se Nice (França) em 98, Groningen (Holanda) em 2002, Seraing (Bélgica) em 2006 já com Angelo Zomegnan como diretor da prova, Amsterdão em 2010, Herning em 2012 e a próxima será Belfast em 2014, num contrato já negociado por Michele Acquarone.

Quanto ao Tour, em 1992 saiu de San Sebastian (Espanha), em 98 partiu de Dublin (Republica da Irlanda), em 2002 Luxemburgo, 2004 Liège (Bélgica), 2007 Londres (Inglaterra), 2010 Roterdão, 2012 novamente Liège e seguir-se-á Leeds em 2014.

Já na Vuelta as partidas externas apenas foram duas até ao momento: Lisboa em 1997 para promover a Expo 98 e Assen (Holanda) em 2009. A Vuelta regressará à Holanda em 2015, com partida novamente na província de Drenthe (província de Assen).

A maioria dos adeptos não gostará que as provas comecem fora do país de origem. Julgo ser consensual que isso lhes tira um pouco da sua essência. Os ciclistas também não gostarão dos percursos urbanos em que por vezes são colocados nestas deslocações ao estrangeiro ou das longas viagens que são obrigados a fazer, geralmente com um dia de descanso (que acaba por não ser de descanso) logo aí gasto. Ainda assim, os organizadores têm que encontrar um equilíbrio entre a tradição, a saúde financeira das provas e o lucro. Como profissional de Marketing, compreendo que o façam e até aprecio o trabalho que estes organizadores têm desempenhado na busca de novas receitas.

O lucro não é apenas para enriquecer os proprietários das empresas que organizam as grandes voltas. Muitas vezes o lucro de uma edição também serve para construir uma almofada que permita manter os sonos relativamente tranquilos em tempos de crise. Na atual situação de crise espanhola e italiana, os lucros acumulados em edições anteriores têm um papel importante em que a prova não se ressinta em termos de qualidade.

Em 2005 e 2006 a Volta a Portugal não teve chegada à Torre porque nem o Município de Seia nem o da Covilhã pagavam a quantia pedida pela PAD. Durante os últimos 15 anos (pelo menos) a Volta tem andado em torno da Serra da Estrela (com a exceção desses dois anos) e a Senhora da Graça, com o argumento de que não existem mais municípios dispostos a pagar para ter uma chegada da Volta a Portugal.

Claro que para ter uma partida ou uma chegada é necessário que a Câmara Municipal pague para isso. Ainda assim, alguém imagina o Tour, Giro ou Vuelta sem três ou quatro etapas de montanha e sempre diferente? Se o Tour do ano passado foi pouco montanhoso não foi por falta de interesse das autarquias (que em França tem outra denominação) mas por opção. As grandes voltas nunca ficam sem montanha e sem etapas interessantes por falta de verbas, porque se um município tiver interesse mas não conseguir chegar ao "preço estabelecido" a organização tem receitas de outras fontes e de outros anos que permitem preencher o montante em falta (desde que a diferença não seja muito grande, claro).

Por exemplo a ida da Vuelta à Holanda em 2009, que gerou maior polémica pela distância entre os dois países, foi suficiente para cobrir 50% dos gastos dessa edição da Vuelta. Se em apenas quatro dias a organização cobriu metade dos custos que tinha, nas restantes 17 não só cumpriu a outra metade dos custos como conseguir gerar um grande lucro. E segundo o que se diz (os valores nunca são muito claros e raramente são oficiais), a província de de Drenthe pagou 2,5 milhões de euros em 2009 e gerou consumo de 5,3 milhões de euros na região durante aqueles dias, pelo que ainda teve grande lucro imediato. Também na Holanda, Roterdão terá gasto 5,5 milhões de euros para receber Tour e Giro em 2010, com previsões entre 10 e 15 milhões de euros gerados em impostos sobre o consumo.

Mas as idas ao estrangeiro não são apenas para vender partidas e chegadas. É importante perceber que os dois principais produtos que o ciclismo tem para vender são publicidade e entretenimento. Para explicar de forma simples, os municípios pagam para ter partidas e chegadas porque a prova gera entretenimento, que por sua vez atrai público e é esse público que vai às cidades deixar milhões de euros em consumo. Mas os municípios também estão interessados na publicidade do local que é feita para todo o mundo através da comunicação social. E essa publicidade (que é o principal motivo de interesse dos restantes patrocinadores) quantifica-se em pessoas, audiência. Se quisermos ser ainda mais exatos, essa publicidade também se mede pelo poder de compra das pessoas a quem a publicidade chega, porque promover o iPhone na Etiópia para 500 pessoas que lutam diariamente por comida e água não é o mesmo que promover para 500 pessoas que estão num campo de golfe sem saber o que fazer ao dinheiro.

Levar o Tour, Vuelta ou Giro a países como a Holanda, Bélgica, Dinamarca ou ao Reino Unido é também uma forma de conquistar novos adeptos... adeptos com poder de compra. Quanto mais adeptos a prova tiver (medidos sobretudo em audiência televisiva), mais argumentos os organizadores têm para a negociação dos seus contratos com todos os outros patrocinadores. Desta forma, com uma ida ao estrangeiro os organizadores ganham pelos dois lados: dinheiro imediato e adeptos, um bem a longo prazo.

Este mesmo interesse ficou evidente quanto a RCS Sport decidiu deixar a Acqua & Sapone fora do Giro 2012 e convidar a NetApp. A NetApp não tinha uma equipa que merecesse mais o convite do que a Acqua & Sapone, mas é alemã e a RCS pretendia aumentar o interesse dos alemães no Giro. O Tour não precisa dessa estratégia e pode dar-se ao luxo de entregar todos os seus convites a equipas francesas porque a sua marca (nome) é suficiente para gerar interesse em todo o mundo.

Conclusão

Ainda que estas incursões pela Europa roubem parte da identidade das provas, vieram para ficar e são um escape à crise económica que se vive em Espanha e Itália. Uma vez que são na primeira semana, não substituem nem roubam espaço às etapas de montanha, essas sim as mais caraterísticas de cada grande volta.

Mas apesar de Giro, Tour e Vuelta se espalharem pela Europa, é altamente improvável que alguma venha a Portugal nos próximos anos. Tal só poderá acontecer se existir algum grande evento para promover. E mesmo que fosse o caso, o mais provável seria os seus responsáveis optarem por outras formas de o fazer.

3 comentários:

  1. Muito esclarecedor! Carro Vassoura TOP!

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  2. Em jeito de curiosidade e na sequência de mais um belo texto, é de realçar no que à nossa Volta a Portugal diz respeito, esta também já se iniciou fora de portas..que eu me lembre foi em 1998 em Espanha, mais precisamente na cidade de Sevilha que se iniciou a 60ª edição da Volta a Portugal que viria a ser ganha pelo italiano Marco Serpellini, não sei se foi a primeira vez que tal aconteceu mas sei que depois disso nunca mais se iniciou no estrangeiro.

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  3. Caro Pengo, tanto quanto sei, ao longo da Volta a Portugal existiram partidas/chegadas em Vigo, La Toja, Santiago de Compostela e Badajoz. Esta última cidade teve uma partida em 2002. Quanto ao texto é atual, e é bom que rapidamente se perceba em todo o lado que, apesar da paixão que o ciclismo gera e gerará, para sobreviver, terá de ser cada vez mais um negócio. A UCI e alguns países já o perceberam. Outros, ainda não.

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