domingo, 8 de setembro de 2013

Que futuro para a Volta do Futuro?

António Carvalho é o grande vencedor da Volta a Portugal do Futuro 2013
Decorreu de quarta-feira até hoje a 21ª Volta a Portugal do Futuro, que terminou com vitória de António Carvalho, com a LA-Antarte a vencer quatro etapas e a outra a fugir para a Rádio Popular-Onda, duas equipas continentais. Foi uma Volta a Portugal do Futuro dominada por equipa ditas profissionais.

Antes do arrancar da prova, Manuel Correia mostrou o seu desagrado com a forma como esta VPF foi montada, aberta a equipas continentais.


9 minutos dá para dizer muita coisa e, ainda que não concorde com tudo, concordo com a grande maioria, realçando os seguintes pontos:
  1. Os sub-23 correm todo o ano com os elites e não têm oportunidades de discutir provas entre si, o que é desmotivante;
  2. Os ciclistas que correm a Volta a Portugal de elites em 2012, foram os que melhor andaram depois na VPF;
  3. Aqueles que dão pouco à modalidade e mais se servem dela são realmente os que têm mais sucesso.
O Sport Ciclismo de São João de Ver (SCSJV) é um projeto que tem dado muito ao ciclismo nacional, com o Manuel Correia como rosto mais visível pela direção da equipa sub-23 mas com mais gente a trabalhar pelo ciclismo. Porque enquanto alguns diretores buscam o protagonismo próprio, dando prioridade aos ciclistas mais velhos para competir com os sub-23, na equipa de São João de Ver (sempre apoiada pela Câmara Municipal Santa Maria da Feira e agora pela Libery Seguros) sempre preferiram apostar nos sub-23, ainda que isso representasse estar em situação de desvantagem. E isso aconteceu.

De 2004 a 2006 a equipa de São João de Ver venceu três Voltas a Portugal do Futuro, com João Cabreira, André Cardoso e Filipe Cardoso. Depois veio o Benfica e Manuel Correia perdeu Rui Costa, Mário Costa e Edgar Pinto para os euros de João Lagos e o Filipe Cardoso que passou a profissional. Santa Maria da Feira ficou menos forte mas ainda conseguiu um segundo lugar esse ano na VPF, através de César Fonte. Em 2008, os euros do Benfica voltaram a levar ciclistas importantes da equipa de Manuel Correia: César Fonte, Alcides Almeida e Ivo Fernandes. Nesse ano também surgiu uma Casactiva fortíssima (depois Aluvia e agora OFM-Quinta da Lixa).

A equipa de José Barros apostou numa filosofia completamente diferente de São João de Ver, apostando em ciclistas mais velhos e conseguindo um enorme domínio que deixou muita gente no pelotão a olhar de lado e de sobrolho levantado, em sinal de incredibilidade e suspeita. Nas Voltas a Portugal do Futuro de 2008 e 2009, a equipa do Sobrado venceu oito de doze etapas e fez segundo lugar em três das quatro que lhe escaparam, ocupando ainda cinco dos seis lugares de pódio somados dos dois anos, ainda que parte deste domínio avassalador fosse perdido no controlo anti-doping de 2008. Apesar das armas dos seus adversários, Manuel Correia manter-se-ia fiel à sua aposta nos ciclistas sub-23, vencendo ainda as VPF de 2008 (depois da desclassificação de José Martins), 2011 e 2012, com João Benta, Jóni Brandão e Rafael Silva.

Não acredito que se possa agradar a toda a gente, mas nunca ouvi um ciclista falar mal do Manuel Correia (bem pelo contrário) e não me lembro de um ciclista seu que tenha deixado a equipa de costas voltadas. Houve os que deixaram pelo dinheiro do Benfica, com o qual a equipa feirense não podia competir, houve os que deixaram para serem profissionais e os que deixaram porque já não eram sub-23, mas não me lembro de algum que tenha saído de lá apenas porque queria estar numa adversária.

Outro aspeto que admiro nesta equipa é a tranquilidade transmitida aos jovens para se formarem ao seu ritmo. Para discutir as provas estão lá os mais velhos e os mais novos podem evoluir com maior tranquilidade, sem queimar etapas. Por exemplo, quando Fábio Silvestre passou a sub-23 foi para a equipa de Santa Maria da Feira, mas como havia pouco espaço para ele, mudou-se a meio da temporada para a Gessical-Fonotel, uma equipa mais fraca onde poderia correr mais, desenvolvendo-se enquanto ciclista com a garantia de regressar a Stª Mª da Feira no ano seguinte, sendo melhor ciclista e com mais espaço para mostrar a sua qualidade. Depois de mais dois anos no SCSJV, foi para a Leopard Continental.

Tudo isto para dizer que, se há pessoas que têm trabalhado em prol do ciclismo de formação, o Manuel Correia e os seus colegas do Sport Ciclismo de São João de Ver estão nesse grupo.


Volta a Portugal do Futuro 2013

A atual direção da Federação Portuguesa de Ciclismo tomou posse há menos de um ano e tinha vários problemas para resolver. Um deles, que haja mais ciclistas ditos profissionais do que em equipas de clube.

No ciclismo, ao contrário de outros desportos como o futebol, o basquetebol ou o andebol, não há várias divisões, de vários escalões em vários países. Até se chegar a elites, a única divisão feita é em função da idade. Os mais talentosos e os mais espremidos andam à frente, os menos talentosos andam atrás, mas todos pertencem ao mesmo pelotão. Por isso deve existir uma pirâmide muito bem traçada, em que os escalões de formação estão na base e os elites estão no topo, apenas lá chegando os melhores (ou não). Este ano vive-se em Portugal uma situação tão estranha como preocupante. Existir menos equipas de clube que "profissionais" significa que não existe espaço para todos os melhores juniores fazerem a transição até ao topo da pirâmide. Outro problema a enfrentar (e que resulta do anterior) passava pela montagem da Volta a Portugal do Futuro.

Uma Volta a Portugal do Futuro apenas para as equipas de clube estava fora de hipótese, pois não teria interesse desportivo nem interessaria aos patrocinadores. A organização optou por permitir a participação de equipas continentais, uma decisão injusta aos olhos da maioria (ou da totalidade) dos ciclistas e dos diretores desportivos do ciclismo de formação.

Há dois motivos para isso. (1) A maioria dos ciclistas continentais, apesar de não receberem o salário mínimo e enfrentarem outros problemas tantas vezes ditos e repetidos, durante todo o ano têm melhores condições que os ciclistas de equipas de clube. (2) A participação na Volta a Portugal de elites têm-se revelado como uma excelente preparação para a Volta a Portugal do Futuro, pois esta tem apenas cinco dias e a maioria deles de baixa dificuldade. Foi assim com Jóni Brandão, Domingos Gonçalves e António Carvalho em 2011 e Rafael Silva, Luís Afonso e Ricardo Ferreira em 2012, ciclistas que estiveram na Volta de elites e depois apresentaram-se na VPF em grande forma. Este ano, com mais ciclistas a disputar as duas provas, há ainda mais casos, como António Carvalho, Rafael Silva, Pedro Paulinho, Domingos Gonçalves, António Bárbio ou João Pereira. O David Rodrigues esteve na fuga certa e foi segundo na geral, o Frederico Figueiredo foi muito regular e esteve sempre entre os melhores, o Daniel Freitas, Carlos Ribeiro e Rui Rodrigues também conseguiram aproveitar fugas para estar no top-10 final, mas os grandes dominadores e aqueles que deram realmente nas vistas foram os ciclistas das equipas continentais.

Todos os que se evidenciaram são ciclistas de grande valor e que merecem fazer carreira profissional. Merecem também mais condições do que aquelas que hoje o pelotão português lhes pode oferecer. Porém, se hoje estão em equipas continentais foi porque tiveram oportunidades de mostrar o seu valor.

Se a Federação Portuguesa de Ciclismo e a Podium (sucessores da PAD) optarem por este modelo, aberto a equipas continentais, os jovens não terão oportunidade de lutarem por vitórias antes dos 23/24 anos, com exceção dos Campeonatos Nacionais e do Prémio de Mortágua. Além de ser desmotivante andarem toda a temporada com dez ou vinte profissionais à sua frente, não conseguem demonstrar de forma tão clara o seu valor.

Não há condições para separar o calendário de profissionais e de amadores como poucos anos atrás, quando havia Taças de Portugal separadas, provas por etapas, Troféu RTP apenas para equipas de clube... tempos que parecem tão distantes. Porém, parece-me de grande importância para o futuro do ciclismo português e a sua natural renovação que a Volta a Portugal do Futuro seja mantida como uma prova para amadores. Jovens que treinam e sofrem como profissionais mas fazem-no em condições inferiores.

O futuro

Não existindo equipas amadores suficientes para isso, a solução passará por convidar equipas amadoras espanholas, como já várias vezes aconteceu. Apesar do custo superior para a Volta a Portugal do Futuro, poderá ser suportável retirando uma equipa à Volta ao Alentejo e outra à Volta a Portugal. Não será por ter menos uma equipa que estas provas ficam mais pobres, mas tal permitiria ter mais duas ou três equipas na Volta a Portugal do Futuro. É que as equipas da Alentejana e da VaP vêm de mais longe e a VaP têm o dobro dos dias em relação à VPF, sendo por isso de esperar um custo por equipa superior (ainda que nem sempre aconteça). Três equipas de oito ciclistas seria o suficiente para colmatar a ausência dos 24 ciclistas de equipas continentais aqui presentes. Ou, e essa é a minha sugestão, três equipas de oito seria o suficiente para colmatar a ausência dos treze ciclistas que fizeram as duas Voltas, permitindo que os outros onze de equipas continentais mas ausentes na Volta a Portugal disputassem a VPF contado com o apoio do staff da FPC, o que não seria nada de muito surpreendente, visto que os ciclistas da Ceramica Flaminia também têm corrido juntamente aos da Seleção Nacional de Pista.

Não é um percurso perfeito (que esse nunca existiria) mas julgo que a atual direção da Federação Portuguesa de Ciclismo tem feito, no global, um bom trabalho e espero que assim continue. Corrigindo o que há para corrigir e mantendo o que de bom tem sido feito.

Terminada esta experiência da Volta a Portugal do Futuro, é hora dos dirigentes federativos analisarem a mesma, talvez dando mais atenção às muitas pessoas que têm trabalhado e servido o ciclismo de formação, talvez colocando de fora da discussão os homens dos tachos que se têm servido do ciclismo nacional, e começar a preparar 2014.

9 comentários:

  1. Convidar equipas espanholas amadoras, pode ser uma solução, mas pessoalmente prefiro as continentais portuguesas.. Tudo bem que estas estão em vantagem mas os seus sub-23 também não têm propriamente muitas oportunidades de brilhar nas outras provas. Se formos a ver os que estiveram na VaP não tiveram nenhum destaque. Na na VaP do futuro ao menos conseguem brilhar
    Cumprimentos e continuação de boas crónicas!

    ResponderEliminar
  2. Sou cada vez mais adepto deste espaço e, pelos vistos, o autor está a ter o reconhecimento merecido. Foi bonito ouvir o Hernâni Broco a elogiá-lo durante a transmissão da Vuelta. É muito complicado, se não impossível, seguir tantos aspectos do ciclismo sem nunca esquecer o desenvolvimento da modalidade em Portugal. Parabéns!

    Agora a minha crítica :) Será mesmo assim tão errado que os Sub-23 (amadores) passem a época a correr contra os elites? É certo que equipas como a de São João de Ver terão menos vitórias mas não será menos verdade que os corredores dessas equipas enfrentam uma competitividade e são sujeitos a um esforço que, lutando entre si, nunca teriam. O reverso da medalha será a velha questão dos "espremidos" mas não será melhor sujeitar os nossos jovens a esse esforço extra para ver se não temos o próximo Michael Matthews ou Warren Barguil? Duvido que esses tenham desenvolvido as suas capacidades a lutar apenas contra corredores do "seu nível". A questão da motivação depende apenas da estrutura de cada um e de quem o acompanha, de explicar aos corredores que ser o primeiro a seguir aos profissionais é melhor que ser o primeiro entre os amadores.

    ResponderEliminar
  3. Um aspecto que considero intrigante é o facto de ter havido uma classificação para os sub-23 de 1º ano (Esperança de Portugal) e não darem o devido destaque aos sub-23 no geral, relegando-os para uma classificação da juventude.
    Considero que seria mais interessante classificar a VPF como uma volta para sub-23, com uma classificação "extra" para que os Elites sub-25 pudessem ter um pouco mais de competição.

    ResponderEliminar
  4. Se hoje em dia temos bastantes valores em equipas de topo, na minha opinião deve-se a um trabalho de base e a um planeamento de um grande nome da formação reconhecido internacionalmente que é o Prof. Algarra. O projeto implementado na formação há cerca de 15 anos que agora está a dar os seus frutos, infelizmente está a voltar a ser desvirtuado e a voltar aos tempos antigos, onde é preciso ter campeões pequenitos e não querer preparar campeões para o futuro sem saberem dominar uma bicicleta e fartos de serem "espremidos" de pequenos.
    Acho que serve de exemplo também a equipa de Sub23 e do Manuel Correia, onde cada atleta precisa de tempo para conquistar o seu lugar e não queimar etapas de formação. Não acho normal um atleta que vem na formação habituado a discutir lugares da frente até júnior e passe 5 ou 6 anos sem ganhar nada ou discutir lugares cimeiros e se já era difícil passar para sub23 e aguentar o pelotão no primeiro ou eventualmente no segundo ano, conforme os moldes anteriores, não será certamente mais fácil passar de júnior e correr com profissionais ou até mesmo fazer uma Volta a Portugal, muitos bons atletas se perderão pelo caminho, e só vejo o interesse de serem integrados em equipas profissionais no facto de baixar média de idades ou reduzir custos.
    Mais uma vez reafirmo, é mesmo uma pena que o trabalho do Prof. Algarra esteja a ser desperdiçado, olhem que a Federação Espanhola reconheceu o erro de o ter deixado vir para Portugal e agora está a aproveitá-lo.

    ResponderEliminar
  5. Carro vassoura pode-me indicar outros bloges ou saites teus cocorrentes.

    ResponderEliminar
  6. Obrigado pelos comentários!

    Rui Tavares, temos visões diferentes, mas os comentários estão cá é para isso mesmo, para que a "discussão" não fique limitada à minha opinião. Aliás, se ficasse limitada a uma pessoa, não seria discussão/debate.

    José, a questão dos "espremidos" não tem tanto a ver com o nível em que compete, mas normalmente ao nível que treinam. Um júnior que alinha numa prova de elites e fica para trás, não coloca o seu futuro em causa. Um júnior que treina durante toda a semana como um elite, constantemente a passar as 5 horas de treino, muitas vezes a treinar duas vezes por dia... esses sim estão a espremerem-se, e conheço vários. Por isso temos muitos casos de ciclistas que nos juniores pareciam os futuros Merckx's, mas chegam a elites e não andam nada demais. No fundo era tudo uma miragem. Tinham 18 anos mas estavam muito onde deveriam estar aos 22/23. Não leve isto como uma contradição ao comentário, mas como um acrescento.

    Anónimo de 9 de Setembro, se bem entendo, está a sugerir que apenas os sub-23 contem para a classificação geral e os restantes numa classificação secundária? Se é isso, não é possível excluir nenhum ciclista da classificação geral.

    Vítor Pedreira, concordo com o teor do comentário. Infelizmente, o processo de formação depende de muita gente que não pode ser controlada. Há treinadores de formação a quer implementar nos seus cadetes e juniores os processos que usam nas suas corridas de masters.

    Anónimo de 11 de Setembro, blogs ou sites concorrentes não há. Escrever não é uma competição. Blogs e sites (sobretudo os blogs) que recomendo estão nos menus do lado direito.

    Cumprimentos!

    ResponderEliminar
  7. Rui, o Paulo Martins, ontem durante a etapa da Vuelta, mencionou que o André Cardoso vai para a Garmin???? já está mesmo certo??? Se assim for é uma excelente noticia pro ciclismo português...Assim poderá participar naquelas provas de uma semana lá nos EUA bem ao seu jeito :))
    Falta apenas resolver a situação do Tiago e do Nelson, em relação á Trek

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E o Rafael Silva vai para a La Pomme.

      Eliminar
    2. Nuno, falta oficializar, mas muito provavelmente o André irá para a Garmim.

      Eliminar

Share