terça-feira, 10 de junho de 2014

Recordar o Tour: 2005, o último de uma era

Armstrong a dobrar Ullrich, assim começou o Tour 2005
Depois de Recordar o Tour: 2004, a busca do Hexa, continuamos na nossa jornada pela história da prova francesa, hoje dedicada à edição de 2005.

Desta vez Lance Armstrong chegava ao Tour sem vitórias na temporada e estava próximo de cumprir 34 anos, ameaçando assim o registo de Joop Zoetemelk como mais velho vencedor do Tour no pós-guerra. Depois da estrondosa vitória no ano anterior, era necessário procurar algo que permitisse acreditar numa edição mais equilibrada, ainda que o favoritismo estivesse todo, uma vez mais, do lado do norte-americano.

A T-Mobile representava a maior ameaça, com Jan Ullrich, eterno rival de Armstrong e terceiro na Volta à Suíça, Alexander Vinokourov, terceiro no Tour 2003 e vencedor da Liège-Bastogne-Liège, e Andreas Klöden, segundo no ano anterior. Desta vez não havia espaço para Erik Zabel, o que mostrava que só a camisola amarela interessava para a formação germânica.

Ivan Basso (Team CSC), maior oponente de Armstrong nas montanhas no ano anterior, tinha apostado no Giro, liderou a prova, perdeu todas as possibilidades de vencer a geral quando problemas gastro-intestinais lhe levaram quarenta minutos num só dia, mas depois disso ainda conquistou duas tiradas. Chegava ao Tour com a vitória no pensamento.

Iban Mayo estava a realizar uma temporada apagada, mas de Espanha havia o então trivencedor da Vuelta Roberto Heras (Liberty Seguros), o consistente trepador Francisco Mancebo (Illes Baleares) e Alejandro Valverde (Illes Baleares), que aos 25 anos de idade já era um valor seguro.

O ex-colega de Armstrong Levi Leipheimer (Gerolsteiner), nono no ano anterior, acabara de ser terceiro no Dauphiné Libéré. Na mesma prova foi segundo Santiago Botero (Phonak), quarto no Tour 2002 e vencedor da Volta à Romandia 2005. Havia por isso um bom lote que ansiava o término do reinado de Lance Armstrong e que Jan Ullrich confirmasse o percurso descendente da sua carreira mostrado no ano anterior. O contrarrelógio inicial mostrou que Armstrong estava lá para as curvas.

Eram 19 quilómetros de extensão, muito mais do que um simples prólogo, e a imagem de Lance Armstrong a dobrar Jan Ullrich é uma das mais fortes, não apenas desse Tour, mas da carreira e da rivalidade entre ambos. Logo no primeiro dia, Armstrong estava a ganhar mais de um minuto ao alemão. David Zabriskie (CSC) foi melhor que Armstrong por dois segundos, Vinokourov terceiro e o sexto classificado (Landis) já estava a um minuto de Armstrong. A maioria dos homens com aspirações no Tour estava atrás de Ullrich (12ª na etapa) mas ser dobrado por Armstrong representava muito mais do que os 64 segundos de atraso.

Tom Boonen (Quick Step) vivia uma época de sonho. Tinha vencido a Volta a Flandres e o Paris-Roubaix e abriu o Tour com duas vitórias de etapa, a décima segunda e a décima terceira da sua temporada, entre o contrarrelógio inaugural e o contrarrelógio coletivo. Sem grandes problemas nos dois dias anteriores, os favoritos partiam com a mesma desvantagem face a Armstrong com que saíram do crono.

A CSC do camisola amarela David Zabriskie e Ivan Basso saia mais forte que todas as outras. Ao km 25 (de um total de 67,5) liderava com seis segundos menos que a Liberty Seguros, quinze que a Discovery Channel e a T-Mobile. No segundo ponto intermédio (km 45,8) a Discovery Channel já era segunda classificada mas ainda estava a seis segundos da CSC e apenas com um de vantagem sobre a T-Mobile, deixando Basso, Armstrong, Ullrich, Vinokourov e Klöden muito próximos. A seis quilómetros da meta, a formação norte-americana continuava a aproximar-se e já estava a dois segundos da dinamarquesa, enquanto os alemães perdiam 26'' e pareciam fora da luta pela etapa.

A Discovery Channel passava a linha de meta comandada por Lance Armstrong, 36 segundos melhor que a T-Mobile. Aguardava-se a chegada da CSC, com a etapa e a liderança em aberto. A 1500m da meta, Zabriskie tocou nas barreiras, foi ao chão e perdeu ali a sua camisola amarela. A CSC perdeu o contrarrelógio por dois segundos, mas Zabriskie perdia mais de um minuto e Lance Armstrong assumia a liderança.

A edição de 2005 incluía uma passagem pelos Vosges semelhante à que teremos em 2014, com chegadas a Gérardmer e Mulhouse. Na primeira delas, Lance Armstrong passou um momento de aperto. Uma série de ataques de Alexander Vinokourov e Alejandro Valverde deixou o norte-americano sem colegas de equipa à falta de vinte quilómetros para a meta. Armstrong teve que escolher com quem gastarias as suas energias e optou por deixar escapar-se Klöden para que Vinokourov e Ullrich permanecessem no grupo principal. Pieter Weening bateu ao sprint Klöden e os restantes favoritos chegavam a 27 segundos. Apesar das debilidades mostradas pela Discovery Channel, o líder salvou o dia.


O dia seguinte incluía seis contagens de montanha. Ainda que a última estivesse a sessenta quilómetros da chegada, estavam em disputa muitos pontos para a classificação dos trepadores, o que lançou Christophe Moreau e o líder da montanha Michael Rasmussen para a frente de corrida. Rasmussen fez toda a etapa em fuga, primeiro com Dario Cioni e os últimos 75 quilómetros sozinho para uma grande vitória. Três minutos depois chegaram Moreau e Jens Voigt, que assumia a liderança da prova. A seis o pelotão.

Após o primeiro dia de descanso, os Alpes, e como sempre, o primeiro dia de montanha é dia de desilusões. A Discovey Channel entrou na subida final para o Courchevel com tudo, encabeçada pelo vencedor do Giro Paolo Savoldelli, depois Chechu Rubiera, Hincapie, Azevedo e Popovych. 

A 15 quilómetros do topo, começavam as desilusões. Entre as primeiras, Heras e Menchov, que mais adiante lutariam entre eles pela vitória na Volta a Espanha. Depois Botero, Sastre e Vinokourov a 12 quilómetros, fazendo disparar os alarmes na T-Mobile. Perderia cinco minutos nesse dia, mas não era tudo para a equipa rosa. Armstrong pediu a Popovych que acelerasse e Ullrich e Klöden ficaram a pé, perdendo dois minutos. O texano contou com a colaboração de Rasmussen, Mancebo e o jovem Valverde, que assim ganhariam um minuto a Basso e muito mais a todos os outros adversários na luta pelo pódio. A 400 metros do risco, Armstrong fez um poderoso ataque para a vitória, como era seu costume, mas desta vez estava lá Valverde, estreante no Tour que ficou com a etapa e a camisola branca.
Valverde bateu Armstrong na primeira chegada em alto, no Courchevel
No dia seguinte havia as subidas de La Madeleine, Telegraph e Galibier. Oscar Pereiro fez um grande trabalho para o seu companheiro Botero, que iniciou a subida ao Galibier na dianteira com Vinokourov. Apesar do controlo que a Discovery Channel fazia lá atrás para garantir que não reentrava na luta pela camisola amarela, Vinokourov terminava a subida isolado e com o pelotão a mais de dois minutos, então com cerca de duas dezenas de ciclistas. Ainda que sem o ritmo de 2004, Azevedo impunha o ritmo e Klöden cedia, também ele muito distante do nível que lhe tinha valido a segunda posição um ano antes. Klöden reentrou na descida final e Botero conseguiu recolar a Vinokourov, mas no sprint a vitória seria de Vino, que subia de 16º para 12º e iniciava uma recuperação que o levaria até ao quinto lugar final. O camisola verde Tom Boonen caiu no começo da etapa e não alinhou à partida para o dia seguinte. Meses mais tarde sagrar-se-ia campeão mundial.

Ainda com duas chegadas em alto e um contrarrelógio pela frente, à entrada para os Pirenéus o Tour parecia sentenciado. Armstrong tinha quase três minutos de avanço sobre Basso e o contrarrelógio era-lhe claramente favorável. Ulle e Klodi estava a quatro minutos. Valverde já não estava, abandonando a prova devido a uma lesão no joelho.

As três etapas pirenaicas foram para fugitivos bem conhecidos. Georg Totsching levou a primeira, George Hincapie a segunda, Oscar Pereiro a terceira. A liderança de Armstrong saia reforçada, com 2'46'' de vantagem sobre Ivan Basso, mas continuava a faltar-lhe uma vitória de etapa e as hipóteses eram cada vez menores. A Discovery Channel tinha o contrarrelógio coletivo, tinha uma etapa de Hincapie e outra de Savoldelli, a camisola amarela estava segura mas faltava uma vitória de etapa do líder e o contrarrelógio era a oportunidade que restava.

Ivan Basso aproveitou as chegadas a Ax-3 Domaines e Pla d'Adet para solidificar o seu segundo lugar. Com um minuto sobre Rasmussen e três sobre Ullrich, desta vez ninguém lhe retiraria o segundo posto como Klöden fizera um ano antes. Em aberto permanecia a disputa pelo último lugar do pódio, com 2'12'' entre Rasmussen e Ullrich, favoráveis na tabela ao dinamarquês mas num terreno muito favorável ao alemão. E tudo correu mal a Rasmussen nesse dia.
Vinokourov em Paris
Rasmussen caiu, mudou de bicicleta, mudou outra vez, mudou mais uma e, já com o pódio fora das suas mãos caiu novamentez. Foi dobrado por Basso e Armstrong e caiu de terceiro para sétimo, ainda que fossem apenas oito segundos que o separavam do quinto posto. Lance Armstrong vencia a etapa por 23s face a Ullrich. O alemão estava novamente no pódio.

Para o último dia ainda estava reservada uma surpresa. Vinokourov partia em sexto mas apenas a dois segundos do quinto posto de Leipheimer. Sempre combativo, Vinokourov não podia ficar quieto enquanto os restantes festejavam, atacou a três quilómetros da meta e surpreendeu o pelotão, vencendo na chegada a Paris e subindo um lugar na classificação geral.

Lance Armstrong despediu-se do Tour de France e do ciclismo de amarelo. Apesar de três vitórias de etapa, Robbie McEwen perdia a camisola verde para Thor Hushovd (Crédit Agricole). Uma cabeçada em Stuart O'Grady no sprint da terceira etapa valeu-lhe a desclassificação e custou-lhe cara. A classificação da montanha ficou para Michael Rasmussen e a da juventude para Yaroslav Popovych.
Pódio final da Volta a França 2005: Ivan Basso, Lance Armstrong, Jan Ullrich
Resumo
1ª etapa: Fromentine - Noirmoutier-en-l'Ile (CRI): David Zabriskie
2ª etapa: Callans - Les Essarts: Tom Boonen
3ª etapa: La Châtaigneraie - Tour: Tom Boonen
4ª etapa: Tours - Blois (CRE): Discovery Channel
5ª etapa: Chambord - Montargis: Robbie McEwen
6ª etapa: Troyes - Nancy: Lorenzo Bernucci
7ª etapa: Lunéville - Karlsruhe: Robbie McEwen
8ª etapa: Pforzheim - Gérardmer: Pieter Weening
9ª etapa: Gérardmer - Mulhouse: Michael Rasmussen
10ª etapa: Grenoble - Courchevel: Alejandro Valverde
11ª etapa: Courchevel - Briançon: Alexander Vinokourov
12ª etapa: Briançon - Digne-les-Bains: David Moncoutie
13ª etapa: Miramas - Montpellier: Robbie McEwen
14ª etapa: Agde - Ax-3 Domaines: Georg Totschnig
15ª etapa: Lézat-sur-Lèze - Pla d'Adet: Geoerge Hincapie
16ª etapa: Mourenx - Pau: Oscar Pereiro
17ª etapa: Pau - Revel: Paolo Savoldelli
18ª etapa: Albi - Mende: Marcos Serrano
19ª etapa: Issoire - Le Puy-en-Velay: Giuseppe Guerini
20ª etapa: Saint-Étienne - Saint-Étienne (CRI): Lance Armstrong
21ª etapa: Corbeil-Essonnes - Paris: Alexander Vinokourov


Classificação Geral: Lance Armstrong
Classificação por pontos: Thor Hushovd
Classificação da montanha: Michael Rasmussen
Classificação da Juventude: Yaroslav Popovych

Sem comentários:

Enviar um comentário

Share