quarta-feira, 22 de julho de 2015

Porque falam tanto de Froome e da Sky?

Muito se tem falado de Chris Froome e da sua performance neste Tour, sobre as quais muitas suspeitas se têm levantado. Mas porque muitas dúvidas se têm levantado, e porque escasseia informação em português, aqui fica alguma coisa que poderá interessar a alguém.

Antes de passar ao tema central, convém explicar que este não é um blog clubístico. Já me apontaram o dedo por ser contra e a favor da Sky, da Tinkoff, da Astana, da Katusha, de Froome, de Contador, de Quintana, de Nibali e até de Zakarin (!), sei lá. Há gente para tudo. Que não consigam perceber as minhas preferências, é um dos melhores elogios que podem fazer, porque deve isso significar que o que escrevo (e é apenas isso que conhecem de mim) não se influencia pelas minhas preferências.

Também já percebi que alguns ainda utilizam a técnica infantil de se esconder na cama, debaixo da manta, para fugir à realidade. Eu pensei que depois da Festina, da Puerto, da Telekom, de Armstrong/US Postal, mais recentemente da CSC/Riis (nunca tive tempo para esse processo mas também muito interessante), e tudo mais, todos tivéssemos aprendido que ela vem, mesmo que demore. Não vale a pena esconder a porcaria debaixo do tapete, porque depois, de cada vez que se destapa um pouco, é uma poeirada que não se pode respirar. Ah, mas se gostam de ciclismo não deviam falar disso... Se gostam de ciclismo, devem fazer para que seja credível, e a credibilidade não se ganha escondendo, mas com transparência.

Feito este prólogo, vamos lá a algumas coisas que me parecem interessantes, ainda que não haja disponibilidade para tudo (como a França, não passa em todas as regiões na mesma edição, mas vai tentando passar).

O vídeo de Froome no Ventoux 2013

Ainda no primeiro dia de descanso, foi lançado o vídeo da subida ao Mont Ventoux de Froome em 2013, o qual já aqui mencionado, com a velocidade, cadência, potência desenvolvida e a frequência cardíaca. A Sky logo protestou dizendo que tinha como objetivo deixar Froome debaixo de suspeita.

Ora, acontece que, quem lançou o vídeo, não diz nada. Não coloca nada em causa. Quis que os números falassem por si só. Se o diretor geral da Sky, Dave Brailsford, acha que há razões para alguém suspeitar, não é por causa do que foi dito, mas por causa dos números.

E não podem os números ser manipulados?, questionam os fãs da Sky. Quem tem capacidade para roubar os dados, também tem capacidade para os manipular, dizem os fãs da Sky, porque as equipas de ciclismo começam a ter fãs acérrimos como no futebol (felizmente os três grandes da bola continuam longe). O pior cego é mesmo o que não quer ver. Isto é ser mais papista que o Papa. Logo que os dados saíram, Dave Brailsford veio protestar e reclamar por terem sido hackeados, mas nem o próprio se lembrou a colocar em causa a veracidade dos números.

Sobre o vídeo, recomendo este artigo, de Shane Stokes, do CyclingTips, jornalista e site igualmente altamente recomendáveis.

Lance Armstrong

Depois do vídeo, foi o tweet de Lance Armstrong, após a exibição de La Pierre-Saint Martin. “Claramente Froome/Porte/Sky estão muito fortes. Demasiado para estarem limpos? Não me perguntem, não tenho pista”.

Lance Armstrong foi sacana. Ele diz para não lhe perguntarem, mas também podia não ter dito nada. Isto é, Armstrong não estava numa entrevista, não estava a comentar nada e podia ter ficado quieto, mas escolheu ir para o Twitter deixar a dúvida no ar.

E agora vêm aqueles que veem Armstrong como O Pai de Todos os Males, dizer que Armstrong é o culpado de tudo (daí a alcunha), que não tem credibilidade. É certo. Armstrong deve estar afastado do ciclismo, como deviam todos os seus companheiros de práticas que estão a trabalhar no Tour (em diferentes cargos), mas isso era outro capítulo. O que falta a Armstrong em credibilidade, sobra-lhe em conhecimento de causa.

Laurent Jalabert

Chris Froome surgiu no final da etapa de Mende na televisão a denunciar que um adepto lhe terá atirado um frasco de urina e lhe gritou “dopé”, um incidente muito triste que ninguém parece ter visto e por isso ninguém pode identificar o alegado adepto. Seja como for, esse adepto será um idiota e é uma pena que as exceções se destaquem mais que a norma, que são os verdadeiros adeptos do ciclismo (e não aqueles que correm bêbados no meio da estrada, colocando os corredores em perigo).

Chris Froome criticou alguns jornalistas por estarem a levantar suspeitas sobre Froome e depois no Twitter disparou contra Laurent Jalabert, que está no Tour como comentador (como Rasmussen, Virenque, Riis e um dia estará Armstrong). A sua esposa teve autorização para regressar ao Twitter, ainda que por apenas meia hora. Não pode ter autorização para muito mais porque foi lá que após uma vitória de Contador no País Basco (e antes no Tirreno-Adriático) disse que «talvez um “ex” dopado possa vencer o Tour este ano» (as aspas são dela, não me perguntem o que significa). Inclusive Froome publicou um vídeo com algumas declarações que Laurent Jalabert deu a uma rádio e que Froome viu como insinuações. E Jalabert, ao contrário de Armstrong, está lá para comentar. Portanto, perguntaram-lhe o que achava, e ele respondeu.

É uma pena que o vídeo (publicado pela Srª Froome) tenha sido removido do Youtube, mas se alguém encontrar novamente o vídeo das declarações de Jalabert, que mo envie e terei todo o gosto em aprofundar/editar este parágrafo. Mas do que me recordo, o que Jalabert diz é que Froome tem um estilo desconfortável de ver, que Sky esteve poderosíssima, que Froome ganhou demasiado tempo a toda a concorrência, que nunca tinha visto uma cadência assim, que foi uma prestação super, que é uma grande surpresa ganhar mais de quatro minutos ao campeão em título, que ganhou muito tempo a Contador, que por usa vez não é um ciclista qualquer, e coisas desse género (se alguém o arranjar, que me envie o vídeo). Portanto, o que Jalabert diz é verdade e qualquer pessoa pôde ver. Se Froome ou qualquer pessoa viu insinuações nos comentários de Jalabert, o problema não é do francês (nem meu!) é dos fantasmas que cada um tem na sua cabeça, só porque uma equipa arrasa tudo e um pistard dá caça a trepadores. Chegamos a um ponto em que dizer que Froome arrasou toda a concorrência é visto como insinuação. Não foi isso que fez? Não é a realidade? Então não são os comentadores que o estão a fazer. A realidade é que está a levantar suspeitas nas cabeças de muita gente.

Michael Rasmussen

Rasmussen, que viu as suas bolsas de sangue para o Tour de 2006 atiradas ao Rio Danúbio porque o médico se assustou com a Operação Puerto. Rasmussen, que tinha o Tour 2007 ganho quando foi expulso pela própria equipa, é outro comentador a quem falta em credibilidade o que sobra em conhecimento. Disse que Geraint Thomas era um pistard a ir buscar um trepador como Quintana e por isso foi alertado por Peter Kennaugh no dia seguinte para ter muito cuidado com oque diz. Thomas não vem da pista? Quintana não é trepador desde sempre? Não é verdade que Thomas foi buscar os ataques de Quintana? Então, se algo aqui está a levantar suspeitas, é a realidade.

À parte da conversa deste Tour, há algum tempo (talvez no Giro), Rasmussen disse que a única coisa que queria era uma luta justa. Questionaram-lhe por uma luta limpa e ele disse que isso era outra coisa. Apenas queria que todos tivessem as mesmas armas. No fundo, talvez esse seja um dos principais motivos para este alarido quando uma equipa esmaga a concorrência.

"Pseudociência"

Algo que incomodou muito Antonie Vayer, o ex-preparador físico da Festina, Ross Tucker, fisiologista sul-africano, e muitos outros, foi que Dave Brailsford chamou às estimativas feitas de watts por kg “pseudociência”.

Toda a gente deve ser questionada (toda) e Vayer também, mas Antoine Vayer deve ser dos poucos que tem a credibilidade e o conhecimento e com o qual devemos tentar aprender. Durante anos foi o parvinho que estava dentro da Festina sem querer doping (dizem os próprios ciclistas e toda a gente que por lá passou), o parvinho que acreditava que iria vencer a Volta a França com um ciclista seu limpo, que os seus conhecimentos físicos tornariam desnecessária a química dos médicos. Mas quando os ciclistas queriam aumentar o rendimento, iam ao consultório médico, não ao do preparador. E Vayer, que fazia os testes, ia comparando as performances da pré-época limpa com os meses de junho carregados. Então, sabe bem os efeitos. Outros também sabem mas não vão dizer porque têm algo a ganhar em guardar os conhecimentos.

Ross Tucker (Ph.D.) é professor universitário de Fisiologia do Exercício e tem o site SportsCientists.com, que vale muito a pena, ainda que esteja em inglês.

Disse Tucker algo que me parece muito elucidativo e pertinente“Que  Sky não queira que se revelem os dados de performance é como Justin Gatlin pedir para tapar o relógio dos 100m para os adversários não saber quão rápido ele está a ir (…) todas as equipas sabem qual a potência necessária. A transparência não magoa ninguém. Excepto aqueles que não querem que as performances sejam conhecidas.”

Também muito recomendável no que toca à estimativa de performances físicas é a conta @ammattipyöräily, que em finlandês significa “ciclismo profissional” e dedica-se a estimar performances, deixando que os números se comparem entre si, sem fazer análises.

Mas as estimativas desta gente têm algum valor? As fórmulas ignoram a velocidade e a direção do vento, a pressão do ar e se o corredor vai sozinho ou na roda. Ainda assim, sim. Os dados de Chris Froome no Mont Ventoux vão de encontro às estimativas. Mais, na edição de agosto de 2014 da revista Pro Cycling abordou este tema. Marco Pinotti, ex-ciclista e atual preparador na BMC, diz que @ammattipyöräily lhe pediu os dados do Giro 2010 para comparar com as suas estimativas. Segundo as palavras de Pinotti “a sua precisão é incrível. Eles nunca falharam por mais de 5 watts.” (5 watts em 400w é 1%).

Os dados que a Sky lançou de Froome


Os dados que a Sky lançou de Froome parecem uma tentativa desesperada de qualquer coisa, que apenas servirá mesmo para os seus adeptos. Segundo os dados da Sky, Froome desenvolve 5.78 watts por cada kg de peso corporal na subida final para La Pierre-Saint Martin. Os dados de Froome surgem como resposta às suspeitas lançadas por muita gente, mas há ciclistas que disponibilizam sempre os seus dados no Strava, logo após a etapa, fazendo upload do ficheiro. Um deles é Robert Gesink, que foi quarto na etapa, mas ficou a um minuto e meio de Froome, porque nesse dia toda a gente ficou muito distante de Froome. Outro é Adam Yates, 7º nesse dia, a dois minutos de Froome, ambos a produzirem mais do que 5.80 w/kg.

Sobre este assunto, recomendo o artigo de Ross Tucker. Basicamente, e ainda que não tenha tempo de traduzir tudo, Tucker mostra-se demasiado cético à veracidade dos números dados pela Sky. É possível que um ciclista produza menos w/kg e chegue ligeiramente na frente, mas bastante pouco provável que produza menos watts e ganhe tanto tempo a estes dois. Nada como ler o artigo.

Paul Kimmage

Kimmage, irlandês, foi um ciclista de segunda linha nos anos oitenta e desde os noventa jornalista, tendo sido um dos que mais questionou o domínio de Armstrong.

Ontem, em entrevista, Kimmage apontou a transparência e ética como uma das razões pelas quais tantas questões se levantam em torno da Sky. Diz também que, devido ao passado do desporto, é normal que as pessoas estejam céticas relativamente a prestações como as que se viram no Mont Ventoux em 2013 e questiona porque os responsáveis da Sky não deixam os jornalistas entrarem, mostrando transparência. Diz também que é normal que as pessoas questionem porque nunca viram ninguém andar de bicicleta como Froome, a quem descreve como um ciclista sem pedigree que se transformou num dos melhores do mundo. Que se sente muito desapontado por ver que quase nada mudou depois de Armstrong e porque pensava que ia ter uma corrida muito equilibrada e num dia ficou decidida, com companheiros que rendem como superhomens e que já vimos isto antes.

O que pode fazer Froome?

Sinceramente, nada. Cabe às agências anti-doping caçarem quem é culpado e ninguém tem que provas a sua inocência. Por outro lado, é jogar areia para os olhos dos adeptos dizer que o controlo funciona.

O máximo que Froome pode fazer é dizer que nunca acusou positivo. Mas era o mesmo que Armstrong dizia.

O que pode fazer o ciclismo?

Ser mais transparente. Não é saudável para o ciclismo ter a trabalhar nele quem tem um passado comprovadamente ligado ao doping, quem se dopou, quem incentivou. Não podemos saber todos os que se infringem as leis, porque o controlo é e será sempre ineficaz. Mas aqueles que comprovadamente já as desrespeitaram, deviam ser banidos.

Alejandro Valverde está a caminho do pódio do Tour nove anos depois de deixar bolsas de sangue no consultório de Dr. Eufemiano Fuentes. Se subir ao pódio de Paris, não há como evitar a lembrança, porque não há como apagar o passado.

Em suma

Froome vai ganhar este Tour por ser muito melhor que os outros. Como o fez, não sei. Mas entrem nos links, leiam, oiçam (é pena não haver mais em português), procurem mais e sobretudo questionem. Questionem sempre a informação que vos chega. E obrigado por ter lido isto tudo.

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