sábado, 25 de julho de 2015

Uma etapa para ganhar e 20 para gerir

A vitória do Tour 2015 já estava entregue a Chris Froome quando os corredores entraram nos Alpes. A estratégia foi a mesma de 2013. Froome entrou super no Tour, teve uma equipa que o defendeu e fez ganhar tempo muito importante logo na primeira etapa em linha, esteve muito bem no Mur d'Huy e confirmou a excelente forma nos pavés e no contrarrelógio coletivo, onde rebocou visivelmente a sua equipa durante grande parte do percurso. Depois arrasou na primeira chegada em alto, como fez em 2013, e a partir daí, sempre que os seus adversários olhavam em redor, viam o intimidador comboio azul nas primeiras posições.

Os Alpes tiveram momentos interessantes. Muitos até. Pela negativa, o abandono de Van Garderen quando tinha legítimas aspirações ao pódio, as quedas de Contador e Nibali. Mas pela positiva mais. A luta por lugares no top-10 de Gesink, Mollema, Frank ou Barguil, os ataques de muito longe de Contador e Nibali, e quatro vitórias alpinas que surgem de fantásticas cavalgadas. Simon Geschke, Romain Bardet, Vincenzo Nibali e Thibaut Pinot. Valem todas pelo muito que os corredores fizeram, não apenas nos dias em que venceram, mas ao longo de todo o Tour, hoje coroado com o triunfo da FDJ, uma equipa que constantemente colocou muitos corredores na frente em busca deste objetivo. E no que há combatividade respeita, fica a falar um triunfo de etapa para a Cannondale e a Europcar, esta à procura desesperadamente de um novo patrocinador. Mas também merecia melhor sorte Alberto Contador, que a par de Nibali foi o homem da geral que mais e de mais longe atacou.

Não atacou a Movistar, pelo menos não tanto quanto necessário seria para vencer. Mas como podia Nairo Quintana atacar de longe se olhava em seu redor e via o comboio azul tão bem composto? Por um lado, Quintana precisava de atacar de longe, mas por outro, quando nas penúltimas subidas olhava em redor, Froome ainda tinha vários colegas por perto, e seria uma luta do colombiano contra 3 ou 4 corredores, com descidas e terreno plano pelo meio.

Das quatro jornadas alpinas, as mais propícias a diferenças eram as duas últimas, pois apesar da menor extensão, tinham final em duas montanhas muito duras. Ainda assim, eram 3'10'' de vantagem de Froome para duas chegadas em alto, algo que apenas seria perdido num dia muito mau de Froome.

Na ascensão para La Toussuire, Nairo Quintana atacou pela primeira vez neste Tour de forma confiante e determinada, mas fê-lo a seis quilómetros do final, tarde demais para o tempo que necessitava de recuperar. Ganhou quinze segundos, durante muito tempo Froome segurou esse atraso e depois deixou o colombiano ganhar mais alguns. Como diria no final, Froome tentou não ir ao limite para o dia seguinte. E essa foi a ideia que me ficou em direto: Froome vai durante muitos quilómetros a quinze segundos, o que não representava nada considerando que tinha mais de três minutos para gerir, e somente já muito próximo do final cedeu mais alguma coisa. Tal como Contador nos últimos quilómetros da derradeira etapa do Giro, ao perceber que ia perder tempo para Aru mas nada de preocupante para quem tinha quatro minutos para gerir. Froome não teve um dia mau. Subiu melhor que toda a gente, exceto Quintana.

Na última etapa, a vitória no Tour estava tão entregue a Chris Froome como há vários dias: apenas um desfalecimento do britânico poderia tirar-lhe a amarela. Ainda assim, cabia à Movistar atacar mais do que tinha feito até então mas para isso necessitava de deixar Froome desamparado. Valverde atacou para preparar a movimentação decisiva de Quintana, contou ainda com o seu compatriota José Serpa (ciclistas de equipas diferentes não deviam fazer isto), mas ainda assim apenas conseguiu ganhar dez segundos a Froome, contando com a colaboração do chefe-de-fila da Sky para o Giro, Richie Porte, capaz de descarregar quase toda a gente: Contador, Gesink, Mollema, Bardet, Rolland.

Feita a junção, reentrou muita gente, entre eles Geraint Thomas e Wout Poels, que viria a dar o seu contributo na subida final. Aí Alejando Valverde voltou a atacar, Quintana acelerou para ir ter com o seu companheiro, enquanto lá atrás Chris Froome ficava com Richie Porte e Wout Poels. Entre os cinco melhores da subida (descontando quem estava na fuga do dia), estavam dois Movistar e três Sky, ainda que as suas trajetórias profissionais sejam muito distintas, e essa é a grande diferença. Poels descarregou Contador, Gesink, Mollema, Bardet, Purito. Os domestiques que descarregam chefes-de-fila.

Geraint Thomas ficou para trás. Não é que tenha tido dois dias maus. Teve dois dias perfeitamente normais para aquilo que era há meses atrás, um corredor de clássicas que costumava ver a discussão das etapas de montanha mais tarde pela televisão. Apareceu Wout Poels, tal como aqui previsto há uma semana (o mais provável é que Richie Porte ou Geraint Thomas, um deles, "quebre" nos Alpes mas em sua substituição surja algum substituto (Wout Poels)). Porquê Poels? Porque foi ele o escolhido para acompanhar Froome nas suas longas estâncias em Tenerife, nas suas jornadas de preparação, e como dizem os adeptos da equipa britânica, "a Sky ganha mais porque treinam mais" (...).

Enquanto Thibaut Pinot e a FDJ iam para uma das mais merecidas vitórias da temporada, Quintana ganhava tempo, mas muito longe do suficiente. Talvez tenha perdido esta Volta  a França na Zelândia, mas acredito que se Froome saísse da La Pierre-Saint-Martin com apenas um minuto e meio de vantagem para Quintana, a sua equipa teria voltado a carregar ainda nos Pirenéus, sobretudo em Plateau de Beille, onde Thomas ia buscar os trepadores.

Primeiro lugar para Froome, segundo para Quintana, o melhor e o segundo melhor deste Tour. A diferença? Aos 25 anos Quintana tem um triunfo no Giro e dois segundos postos no Tour; aos 25 anos Froome estava a ser expulso do Giro por subir montanhas agarrado a uma mota. Trajetórias profissionais muito distintas, as suas e dos seus colegas. Terceiro para Alejandro Valverde, que quebrou a sua sina. Não deixa de ser curioso que Valverde, tantas vezes azarado no Tour e na Vuelta, outras vezes a perder tempo por falta de inteligência, chegue ao pódio do Tour num ano em que Van Garderen abandonou, Contador caiu numa fase decisiva e Nibali teve dois problemas mecânicos em fases decisivas (etapa da Holanda e Alpe d'Huez). Ainda assim, seria extremamente injusto tirar mérito a Valverde. Foi claramente o terceiro melhor nas montanhas deste Tour, o que esteve menos distante de Froome e Quintana. Nove anos depois de encontrarem o seu sangue no congelador de Eufemiano Fuentes, mas isso foi no antigo ciclismo, porque agora é o novo ciclismo, tudo diferente. Aos 35 anos, Valverde está melhor do que nunca e a continuar assim poderá um candidato à vitória no Tour 2017 ou 2018.

Alberto Contador atacou muito, mas estava atrás do prejuízo. Valverde respondeu sempre, mas não deixa de ser curioso que em todas as vezes o homem da Movistar tenha demorado tanto a responder.

Pior é a leitura tática da Sky, que é zero. De cada vez que Contador atacava, o homem da Sky que estava na frente do grupo tinha que perguntar ao carro de apoio o que era para fazer, porque não sabiam, como se fossem cadetes. Mas os cadetes, por não terem rádios, mal ou bem, têm que decidir no momento.

Antes de Contador, na geral, Vincenzo Nibali, com a tal vitória de etapa, para a qual a sua equipa tanto trabalhou. E depois de Contador, muitos outros corredores que deram nas vistas. Fica para outro balanço.

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