domingo, 10 de abril de 2016

Hayman escreveu a sua história sobre a História de Roubaix

Mesmo as histórias centenárias são escritas em cada um dos dias que as compõem e hoje Tom Boonen partiu de Compiègne para reescrever a história do Paris-Roubaix e colocar-se como único e absoluto recordista do Paris-Roubaix, mas a história de Boonen esbarrou com Mathew Hayman, um desses homens que está sempre lá a tirar para os seus companheiros, um desses que, de vez em quando, sai premiado de Roubaix.

Mathew Hayman é do tipo de ciclista que lidera, não pelos resultados, mas pela sua personalidade e experiência, com dezassete anos de carreira entre Rabobank, Sky e agora na Orica-GreenEdge. Quando assinou com a equipa do seu país, em 2014, assinou um contrato de dois anos mas avisou que seria a última vez que fazia um contrato tão longo e que a partir daí iria ano a ano, pois não queria sentir-se um peso para ninguém - se não se sentisse útil, queria simplesmente terminar carreira. Contudo, a experiência nos dois primeiros anos correu tão satisfatoriamente que, no término de 2015, a equipa o convenceu a assinar por mais duas temporadas, 2016 e 2017, mas sabiam que se nesta temporada não se sentisse com condições físicas se retiraria e não ficaria lá a chular ninguém. E não estamos a falar de alguém que cative pelos resultados nem que ande à boleia de nenhum amigo, mas sim pela forma de estar.

A caminho dos 38 anos, esta é apenas a sua quinta vitória. Em 2001 venceu o Trofeo Manacor (Challenge Maiorca) em fuga. Em 2005 venceu a Volta à Saxónia (Alemanha) sem vencer nenhuma etapa - esteve na fuga do primeiro dia, foi estando sempre entre os primeiros, bonificou e chegou à liderança na penúltima etapa. Na última partiu a clavícula com uma queda no último quilómetro mas ficou com o mesmo tempo de vencedor e segurou o triunfo. Em 2006 venceu os Jogos da Commonwealth. Em 2011 meteu-se na fuga do dia do Paris-Bourges, quando foi apanhado manteve-se no grupo e venceu ao sprint. E foi com este histórico de apenas quatro vitórias, tão discretas quanto estas, que partiu para o seu décimo quinto Paris-Roubaix.

Mathew Hayman esteve na fuga do dia juntamente a outros desses ciclistas sem hipóteses de vencer que sabem que no ciclismo há sempre hipóteses, maiores ou menores em função da capacidade física mas também maiores ou menores em função da ousadia.

A crónica deste Paris-Roubaix também poderia ser escrita de outra forma, por ordem cronológica em que foram aparecendo os protagonistas. Nesse caso, Hayman apenas apareceria no final.

A Etixx-Quick Step foi a melhor e mais inteligente equipa e tirou vantagem da boa colocação, dos pavés, das quedas, do estica-encolhe do pelotão para romper a corrida. Faltando ainda mais de cem quilómetros, não hesitaram e a partir daí tiraram partido de ter Tony Martin, um dos melhores do mundo fisicamente mas também na entrega que tem para os companheiros. Para conquistar uma equipa não basta ter o dorsal 1. Perguntem aos seus colegas o que acham de Tony Martin e vejam como se deliciam.

A LottoNL-Jumbo e a Sky, sobretudo elas, estavam bem representadas na frente mas demoraram a assumir-se e ajudar a Etixx, enquanto atrás Fabian Cancellara e Peter Sagan sabiam que tinham que fazer pela vida para recuperar do prejuízo provocado pelo corte. Cancellara teve um enorme Jasper Stuyven e Peter Sagan, como em quase toda a carreira, esteve sozinho. Os dois perderam como perdem os campeões, lutando.

Tudo estava em aberto, o desfecho quanto à junção dos dois grupos era imprevisível, mas a perseguição ficou sentenciada com uma queda que eliminou Cancellara. Muitas quedas devem-se ao azar, claro, mas a forma como Peter Sagan esquivou a queda é muito mais que sorte. Roger De Vlaeminck, tetravencedor do Paris-Roubaix, que tinha fama de nunca cair nem furar, dizia que não tinha nada a ver com sorte, mas com condição física: se estivesse bem fisicamente, estava mais fresco mentalmente e cometia menos erros. Claro que não é tão simples, mas a forma como Sagan evitou a queda que envolveu Cancellara e como Tom Boonen safou duas à sua frente é muito mais que sorte.

Tom Boonen correu para a história. Era ele contra todos, depois cada vez contra menos à medida que os quilómetros iam fazendo a sua seleção, mas sempre contra a história e contra De Vlaeminck. Contra a barreira que separa do penta.

Ian Stannard, Edvald Boasson Hagen e Sep Vanmarcke fizeram pela vida, atacando onde conseguiram, nos setores de pavé mas também no asfalto, e Mathew Hayman fez pela vida resistindo. No Carrefour de l'Arbre, o último grande teste, quebrou. Depois recuperou. Todos atacaram sem força, todos responderam sem forças. Foi um dos Paris-Roubaix mais duros dos últimos anos, com a luta pela vitória a realizar-se entre ciclistas que estavam desabrigados havia quase três horas.

Seis meses depois da queda em Abu Dhabi, seis meses depois dos médicos lhe dizerem que não iam andar de bicicleta durante seis meses, Boonen entrou na frente no Velódromo onde tinha quatro vitórias, com Hayman que tinha quatro vitórias em toda a carreira. Quando os demais lhes chegaram à roda era evidente a exaustão e a falta de capacidade de qualquer um deles para arrancar. Mathew Hayman venceu! A maior surpresa desde o sueco Magnus Bäckstedt, não apenas por não ser um favorito, mas porque nem sequer era um chefe-de-fila, nem costuma estar na discussão de resultados e nem ele acreditou. O choque era enorme!

O australiano sabia que tinha vencido, sabia onde, mas em choque não tinha noção da importância do que fez. Seis semanas depois de partir o braço no Omloop Het Nieuwsblad, fez as suas chances na fuga daqueles que não têm chances a nada, depois soube resguardar-se porque não era dele o favoritismo e conquistou a mais mediática das clássicas.

Roger De Vlaeminck chocou com Francesco Moser duas vezes e Bernard Hinault uma para não conquistar o penta, Tom Boonen chocou com Mathew Hayman. Boonen não reescreveu a história de Roubaix no que ao recorde diz respeito, porque Hayman reescreveu a sua história pessoal. E a de Roubaix, como todos os que lá já venceram.



Quando agora se diz que Hayman tem quinze participações no Paris-Roubaix, falta dizer que tem apenas oito grandes voltas disputadas em dezassete temporadas e apenas em 2014, com 36 anos, o levaram pela primeira vez ao Tour. Toda a carreira voltado para clássicas e a passar ao lado de grandes voltas. Dele diz-se no meio que é do mais limpo que há e por isso não oferecia nenhumas garantias para ajudar os seus colegas em três semanas, nem nos melhores anos da sua carreira.

Ian Stannard foi terceiro, repetindo para a Sky o posto de Juan Antonio Flecha em 2010. 4º Vanmarcke, 5º Boasson Hagen. 6º Haussler, 7º Sieberg, 8º Saramotins, 9º Erviti, 10º Adrien Petit. Muitos ciclistas que nunca estão entre os primeiros de outras provas, mas o Paris-Roubaix é uma prova única.

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