domingo, 28 de julho de 2013

Porque vem estes ciclistas para Portugal?

Conhece? São as novidades de OFM, Boavista e Louletano para a Volta
Com a chegada ao pelotão português nos últimos meses de Jesús Rosendo (OFM), Javier Ramírez (Rádio Popular) e Raúl Garcia de Mateos (Louletano), reabre-se o recorrente debate. Porque vêm estes ciclistas para cá, se não serviram para o país deles?

Espanha é o país de onde é mais fácil contratar ciclistas. Estão já aqui ao lado, as deslocações são mais baratas e a língua também não é problema. A vinda de espanhóis com talento confirmado, como David Blanco, Xavier Tondo, Ruben Plaza ou Javier Benítez não gera polémica e outros que vêm jovens acabam por conquistar os adeptos portugueses, como Francisco Pacheco. Depois há uma outra categoria que nos deixa a pensar porque raio vem para cá se não serviram para as equipas do seu país, dúvida que se instala quando chega e permanece até à hora da partida.

Há bem pouco tempo tivemos muitos ciclistas espanhóis de qualidade a migrar para este lado da fronteira. Das 14 equipas espanholas em 2006 às 8 de 2009, muita gente ficou desempregada e muitos outros ciclistas ficaram marcados pela Operação Puerto, alguns deles rejeitados na Vuelta e por isso sem interesse para as equipas espanholas.

Muitos vieram para Portugal, onde os ordenados ainda eram bons e existiam contratos plurianuais, esperando um dia poder regressar às equipas de primeira e segunda divisão mundial. Aceitavam diminuir o seu vencimento durante um ano ou dois mas continuar a correr a bom nível, porque em Portugal existiam mais provas internacionais do que existem agora.

À parte destes, sempre vieram outros por razões muito pouco desportivas. O ciclista que vem para impulsionar outras áreas de negócio do diretor desportivo (porque é amigo de possíveis clientes), o ciclista que vem de favor para pagar a dívida que a equipa tem para com outro ciclista amigo ou o ciclista que vem apenas porque o empresário disse ao diretor desportivo que seria bom. E o diretor acreditou.

Quase como vender pentes a carecas, há empresários que vendem ciclistas a equipas que deles não precisam mas que fazem os diretores desportivos sentirem-se algo que não são. O careca compra o pente que momentaneamente lhe permite pensar que tem cabelo. O diretor desportivo nacional contrata um ciclista que já correu a Vuelta e que durante algum tempo faz-lhe sentir que está ao comando de uma equipa da Vuelta. Preenche-lhe o ego.

Vemos assim chegar os tais ciclista de qualidade muito duvidosa de quem os adeptos reclamam e mais ainda todos aqueles ex-ciclistas que colecionavam taças nos juniores e sub-23 mas nunca chegaram a profissionais.

Os diretores desportivos que contratam ciclistas de qualidade duvidosa a meio da temporada dizem que precisavam de experiência para a Volta e que os ciclistas que tinham não lhes ofereciam garantias. Dizem que as equipas de clube não deixam sair os seus melhores ciclistas agora. É tudo verdade. Porém, é apenas meia verdade. O que os diretores desportivos não dizem é que estas contratações feitas em junho estão pensadas desde janeiro, como aqui já tinham sido antecipadas.

Desde há muitos anos a esta parte, sempre houve equipas "profissionais" portuguesas sem condições para o serem e por isso o profissionalismo é tantas vezes colocado entre aspas. Se é necessário 200.000€ para formar uma equipa continental, existem equipas montadas com 100.000€. E onde é que é feito o corte? Nos salários.

Esta situação era mais evidente há alguns anos. O Benfica dizia que tinha um orçamento de dois milhões, a Liberty Seguros de oitocentos mil a um milhão, a Palmeiras Resort  e a LA-Póvoa entre seiscentos e oitocentos mil. Outras equipas, tentando desde logo mostrar a diferença que depois teriam na estrada, admitiam também elas os seus orçamentos de trezentos ou duzentos mil euros. O recorde da falta de noção ainda hoje pertence a uma equipa que, tendo 14 ciclistas, declarou que tinha um orçamento de 150.000€. Ora, se o salário mínimo permitido é de mil euros, basta um minuto para ver que algo não bate certo (1000€ por ciclista x 14 ciclistas x 12 meses = 168.000€). Ou seja, o orçamento da equipa não chegavam sequer para pagar os salários dos ciclistas conforme manda a lei (que raras vezes é cumprida), quanto mais para pagar o restante staff e demais despesas.

Desde então perdeu-se o hábito de comunicar os orçamentos, quase todos eles abaixo do que seriam necessário. Devido a esse défice, os diretores desportivos optam por outras estratégias. Queriam ter nove ciclistas com qualidade para a Volta a Portugal mas não conseguem mais do que quatro ou cinco. Para preencher as restantes vagas, contratam alguns ciclistas de salário muito baixo ou até de borla. Ser ciclista é muito duro mas há quem o aceite fazer de borla, sustentado por uma família que se pode dar a esse luxo. 

Os diretores dizem-lhes que terão a oportunidade de ser profissionais, que irão correr a Volta ao Algarve com as estrelas e cumprir o sonho da Volta a Portugal. Na cabeça de quem lhes diz isto, o planeamento é outro. Os jovens servem para fazer número até junho, nas provas do calendário nacional. Em junho contratam um espanhol de trinta anos que um empresário lhes disse que era bom. O jovem que andou desde janeiro a correr de borla fica de fora da Volta e o veterano a quem só se pagou dois salários (ou um, ou nenhum), corre a Volta.

E não se pense que estes ciclistas que agora chegam ao nosso pelotão veem para um grande trabalho coletivo e para se sacrificar pelos novos colegas. Veem para relançar a sua carreira, andar em fugas à procura de uma vitória de etapa. Fazer a sua corrida.

Além disto, os jovens portugueses servem para cumprir o artigo que obriga a que a maioria dos ciclista das equipas continentais seja sub-28, e brevemente será contratado mais um jovem para cumprir esta norma. É que o Louletano perdeu este estatuto e está obrigado a encontrar um jovem (que poderá nem correr). O espanhol só poderá ser inscrito quando a situação estiver resolvida.

Basta olhar para os planteis das equipas que recentemente se "reforçaram" para perceber que a estratégia estava montada desde o começo da temporada. Porque os sub-23 de primeiro ano não estão autorizados a correr a Volta ao Algarve e a Volta a Portugal, uma equipa esteve no Algarve apenas com sete corredores, situação que obviamente não se iria repetir na Volta a Portugal. Por isso já foi buscar mais um.

Era possível nesta fase da temporada recrutar portugueses às equipas amadoras? Muito dificilmente. Tal só seria possível com o consentimento das equipas às quais estão ligados, o que é difícil. Depois de apoiarem os ciclistas durante vários anos e de os apoiarem até meio da temporada, as equipas de formação não estão dispostas a abdicar das suas mais-valias, sobretudo num ano em que algumas equipas continentais pretendem correr a Volta a Portugal do Futuro.

Outra situação bem diferente é a de Tavira, onde os angolanos Igor Silva e Walter Silva chegaram e vão correr a Volta a Portugal. Ainda que seja frustrante para outros dois ciclistas ficarem de fora da prova rainha, facilmente se compreende a importância destes ciclistas para o futuro a curto e longo prazo da equipa. É por eles que o Banco BIC apoia a equipa e é através deles que é possível melhorar as condições para todos os outros. Mais do que se aproveitarem, poderão ser a salvação da equipa depois de dois anos e meio muito difíceis.

Conclusão

A culpa não é dos ciclistas. A responsabilidade é de quem os contrata.

Não sendo possível as equipas nacionais reforçarem-se com portugueses amadores, qual seria a solução? Não é necessária solução quando não há problema e nos casos da OFM e no Louletano não há. Para levarem estes trintões à Volta, as equipas portuguesas deixam de fora jovens que andaram lá o ano todo. São de grande qualidade? Não, nem os jovens, nem as recentes contratações, mas quem é que andou lá o ano todo por tostões?

No caso da Rádio Popular, aí sim havia o problema da falta de ciclistas que podem correr a Volta, mas trata-se de um problema que poderia ter sido evitado em dezembro quando estavam a formar o plantel. Não havia ninguém disposto a correr pelas mesmas condições que os jovens de 18 anos? Pois quando não há dinheiro...

23 comentários:

  1. Outra vez arroz???

    Existem jovens portugueses talentosos mas não é certo que estes jovens ciclistas dêem garantias porque uma coisa é correr o ano todo praticamente na roda dos profissionais e tentar fazer o melhor, outra é ter que perseguir e estar sempre a arrancar para as fugas...e vejam os ciclistas da seleção nos últimos anos que fizeram a volta tentando fazer o melhor sem assumirem nada e os resultados saírem à quem do esperado e do que foram fazendo durante a época...é claro que estes espanhóis enquadram-se então bem melhor no trabalho que é necessário fazer para que as suas respectivas equipas vençam a Volta.

    E já agora o Nuno Bico é sub 23 de 1º ano e vai correr a Volta a Portugal portanto as equipas só não colocam corredores de 1º ano a correr a Volta se não quiserem. As regras da UCI sobrepoem-se às da Federação Portuguesa de Ciclisma portanto tudo está nas mãos dos directores desportivios nacionais...Nuno Bico vai à Volta, se os outros não vão é porque os seus directores desportivos não querem.

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    1. Obrigado pelo comentário, Amândio, mas já agora, nada como ler os regulamentos.
      http://www.uvp-fpc.pt/pagina_file_ver.php?ficheiro=15112012162945.pdf

      Art. 2.17.005: "... Os corredores da categoria Sub-23 podem-se inscrever contudo, no primeiro ano, não podem participar em provas da classe 2.1, superiores e HC"

      Se o Nuno Bico participar na Volta, será um atropelo aos regulamentos estabelecidos pela FPC. Por vezes os regulamentos específicos da FPC são diferentes dos UCI. Não se pode usar uns quando mais convém e outros quando menos convém.

      Cumprimentos!

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    2. Pois é...o prólogo por equipas de 5 Km também não se podia realizar e vai realizar-se (situação idêntica não aconteceu na Volta à Roménia deste ano em que um comissário português impediu que o prólogo se disputasse como tal, teve que contar como 1ª etapa!!)...de atropelo em atropelo o Nuno Bico vai participar na Volta você vai ver.

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    3. Compreendo a sua opinião, mas veja-se o exemplo do Luis Afonso e do João Correia, fizeram na minha opinião uma excelente volta, o clube libertou-os em favor da LA para a volta, e ainda andaram a bom nivel após a volta e outra vez ao serviço da equipa de clube, o Luis Afonso inclusive ficou na LA! Seria tão dificil repetir isto? E não esquecer, os espanhois vem e tal como o rui disse, fazer a sua corrida, não vem cá para trabalhar para ninguem, ao menos os jovens lusos ajudavam e davam o maximo por estar na prova rainha, era bom para todos na minha opinião.

      Cumprimentos

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    4. SR esses são 2 excepções num oceano de jovens portugueses que não dão as mesmas garantias que esses...e mesmo o João Correia já acabou a carreira.

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    5. Eu não sei o porque de ele ter acabado a carreira, mas pelo desempenho na Volta não deve ter sido de certeza, mas pronto, é uma questão de tentarem, os espanhois também não dão garantias de nada, eu acho que o risco era praticamente o mesmo!

      Cumprimentos

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    6. E o Luís Afonso este ano nem está na convocatória da LA para a Volta a Portugal..........

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    7. E felizmente nao esta nenhum espanhol de qualidade duvidosa no lugar dele, e estão quatro portugueses no primeiro ano de profissionalismo na convocatória" dá que pensar! Mais, a LA pode muito bem estar a pensar correr a Volta do Futuro, e o Luis Afonso até pode ter ficado guardado para isso. Mais, nem sabemos se ele esta com algum problema fisico para ter ficado de fora!

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    8. Não está com nenhum problema físico porque integrou o estagio que a equipa recentemente fez de preparação para a Volta e até é o 1º suplente em caso de acontecer algum problema físico com os 9 selecionados...

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  2. Deixando de parte por uns momentos a triste situação em o ciclismo a nivel nacional se encontra, o José Gonçalves ganhou um prova da taça francesa hoje, a Poly Normande.

    Deixo aqui um video que encontrei no youtube com um pequeno resumo da prova.

    http://www.youtube.com/watch?v=2ivSKyxThFY

    A La Pomme vai correr a volta? Seria interessante ver o que o José Gonçalves conseguiria nos contra relógios. Tal como vai ser interessante ver o Fabio Silvestre em acção.

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    1. Respondendo à pergunta, a LA Pomme não vai correr a Volta a Portugal este ano.

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  3. É preciso alguém que traga as compras da merceria espanhola...

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  4. Amandio, nunca deve ver poucas corridas, o ano passado quando um ciclsta da Maia fez top10 na geral e outro teve na 1a etapa a liderança da montanha e andavam em fugas em outras provas profissionais, aliás um deles chegava muitas vezes em grupetos por.andar.em.fugas ou andar arrancar pras fugas. Onde estao eles agr sabe me dizer? Deixaram a modalide pq simplesmente ganhar300€ mês nao é vida pra ninguém e acha q n tinham valor estes jovens e outros mais? Houve um ano q o campeao nacional.sub23 nem tinha equipa pro e deixou o.ciclismo, há valor nos sub23, aliás a prova disso é q todas as equipas sub23 colocam costantemente ciclistas em fugas e.por vezes levam a melhor.que os pros

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    1. Vi as suficientes para saber que nenhum corredor das equipas de csub 23 venceu alguma corrida com profissionais...fazer Top 10 é uma coisa, obter vitórias é outra...é muito difícil para eles baterem os pros o que é normal.

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  5. Falava do top.10 e da camisola do gp liberty seguros, q n era um premio a rolar

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  6. Rui,noutro dia num fórum lusófono de ciclismo (sabes ao que me refiro) fui criticado por partilhar da mesma opinião que tu.Como tal decidi partilhar esta crónica,para que percebam a minha opinião e para demonstrar o quão errado isto é!
    Cumprimentos

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  7. Amandio, como foi dito nesta cronica estes espanhois nao querem saber da equipa e so querem relançar a carreira e andar nas fugas ;)

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  8. Qual a equipa dos 150000e de orçamento e 14 atletas ?!!!!
    xDD

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  9. Obrigado pelos comentários!

    Pedro Gomes, certamente existem opiniões diferentes. Felizmente existe ciclismo português além da Volta a Portugal mas infelizmente não é o glamour que se vê na Volta, onde as raparigas do pódio ganham mais que muitos ciclistas.

    Anónimo (29/07, 00:06), curiosamente neste Tour tivemos o exemplo do Plaza, que fez um grande trabalho para o Valverde. Mas quando estava em Portugal corria apenas para si, como mostrou na chegada a Santo Tirso (2009) em que atacou em vez de defender a camisola amarela do Nuno Ribeiro. E nesse mesmo ano bem vimos o Eladio Jimenez a puxar na Torre para descarregar o João Cabreira, apesar de correrem com o mesmo equipamento.

    Anónimo (29/07, 11:53), obrigado por me fazer pesquisar. Afinal chegaram a ser 15 ciclistas. http://www.barlavento.pt/index.php/noticia?id=30727

    Cumprimentos

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  10. O que está aqui escrito, é bem verdade...só não acredita quem é um verdadeiro velho do restelo!!!!

    Vejam as apostas em Quintana (23 anos) Sagan (23 anos) só para citar dois nomes mais conhecidos pelo pessoal que vê as corridas... A malta nova tem sangue na guerla.

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  11. Hoje veio no jornal expresso uma entrevista ao Hugo Sabido. Disse que o ornado dele eram 1000€. Como é que é possivel??
    Um dos melhores ciclistas de Portugal só ganha o ordenado mínimo permitido, nunca pensei que as coisas estivessem assim tão mas

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  12. Obrigado pelos comentários.

    Anónimo, obrigado por chamar à atenção, pois não tinha conhecimento da entrevista. Sei que muitas vezes parece que estou a dramatizar, mas é a dura realidade. Atualmente não haverá mais do que cinco ou seis ciclistas a ganhar o mínimo estipulado (mil euros). Mas pior do que isso, são os contratos não cumpridos. Os ciclistas que na hora de assinar são confrontados com corte e obrigados a assinar ou ficar no desemprego à última hora, os ciclistas que a meio do ano levam um corte porque a equipa não tinha condições ou os ciclistas que em Maio/Junho deixam de receber. Uma boa parte do pelotão não vai receber de Setembro a Janeiro. Isto não é invenção. Talvez um dia um ciclista aceite dizer publicamente o que se sabem em privado.

    Cumprimentos

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  13. O problema do ciclismo Português está na qualidade dos diretores desportivos... São muito fracos... Não são capazes de formar ciclistas...Quantos ciclistas portugueses se perderam por culpa destes diretores desportivos... Eles simplesmente querem é ganhar o tacho deles, aparecerem na tv e mostrarem uns aos outros quem é o melhor... Aposto que com um bom diretor desportivo e com uma equipa de jovens valores portugueses, o que se traduziria num baixo orçamento, conseguiria facilmente discutir a volta... Um atleta se não tem a confiança do diretor desportivo, se não tem condições de trabalho como querem que evolua... os nossos atletas jovens não são em nada inferiores aos estrangeiros... o problema esta sim numa formação deficiente... a seleção portuguesa de sub23 em 2008(vencedora do ranking mundial) tinha uma enorme qualidade e mesmo assim quantos desses ciclistas se tornaram profissionais... e preferível espanhóis de qualidade muito inferior aos sub23 portugueses... São os diretores desportivos que estão a estragar a modalidade, são o cancro do nosso ciclismo... Não me parece que isto tão cedo vá mudar, infelizmente...

    Cumprimentos

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