Conhece? São as novidades de OFM, Boavista e Louletano para a Volta |
Espanha é o país de onde é mais fácil contratar ciclistas. Estão já aqui ao lado, as deslocações são mais baratas e a língua também não é problema. A vinda de espanhóis com talento confirmado, como David Blanco, Xavier Tondo, Ruben Plaza ou Javier Benítez não gera polémica e outros que vêm jovens acabam por conquistar os adeptos portugueses, como Francisco Pacheco. Depois há uma outra categoria que nos deixa a pensar porque raio vem para cá se não serviram para as equipas do seu país, dúvida que se instala quando chega e permanece até à hora da partida.
Há bem pouco tempo tivemos muitos ciclistas espanhóis de qualidade a migrar para este lado da fronteira. Das 14 equipas espanholas em 2006 às 8 de 2009, muita gente ficou desempregada e muitos outros ciclistas ficaram marcados pela Operação Puerto, alguns deles rejeitados na Vuelta e por isso sem interesse para as equipas espanholas.
Muitos vieram para Portugal, onde os ordenados ainda eram bons e existiam contratos plurianuais, esperando um dia poder regressar às equipas de primeira e segunda divisão mundial. Aceitavam diminuir o seu vencimento durante um ano ou dois mas continuar a correr a bom nível, porque em Portugal existiam mais provas internacionais do que existem agora.
À parte destes, sempre vieram outros por razões muito pouco desportivas. O ciclista que vem para impulsionar outras áreas de negócio do diretor desportivo (porque é amigo de possíveis clientes), o ciclista que vem de favor para pagar a dívida que a equipa tem para com outro ciclista amigo ou o ciclista que vem apenas porque o empresário disse ao diretor desportivo que seria bom. E o diretor acreditou.
Quase como vender pentes a carecas, há empresários que vendem ciclistas a equipas que deles não precisam mas que fazem os diretores desportivos sentirem-se algo que não são. O careca compra o pente que momentaneamente lhe permite pensar que tem cabelo. O diretor desportivo nacional contrata um ciclista que já correu a Vuelta e que durante algum tempo faz-lhe sentir que está ao comando de uma equipa da Vuelta. Preenche-lhe o ego.
Vemos assim chegar os tais ciclista de qualidade muito duvidosa de quem os adeptos reclamam e mais ainda todos aqueles ex-ciclistas que colecionavam taças nos juniores e sub-23 mas nunca chegaram a profissionais.
Os diretores desportivos que contratam ciclistas de qualidade duvidosa a meio da temporada dizem que precisavam de experiência para a Volta e que os ciclistas que tinham não lhes ofereciam garantias. Dizem que as equipas de clube não deixam sair os seus melhores ciclistas agora. É tudo verdade. Porém, é apenas meia verdade. O que os diretores desportivos não dizem é que estas contratações feitas em junho estão pensadas desde janeiro, como aqui já tinham sido antecipadas.
Desde há muitos anos a esta parte, sempre houve equipas "profissionais" portuguesas sem condições para o serem e por isso o profissionalismo é tantas vezes colocado entre aspas. Se é necessário 200.000€ para formar uma equipa continental, existem equipas montadas com 100.000€. E onde é que é feito o corte? Nos salários.
Esta situação era mais evidente há alguns anos. O Benfica dizia que tinha um orçamento de dois milhões, a Liberty Seguros de oitocentos mil a um milhão, a Palmeiras Resort e a LA-Póvoa entre seiscentos e oitocentos mil. Outras equipas, tentando desde logo mostrar a diferença que depois teriam na estrada, admitiam também elas os seus orçamentos de trezentos ou duzentos mil euros. O recorde da falta de noção ainda hoje pertence a uma equipa que, tendo 14 ciclistas, declarou que tinha um orçamento de 150.000€. Ora, se o salário mínimo permitido é de mil euros, basta um minuto para ver que algo não bate certo (1000€ por ciclista x 14 ciclistas x 12 meses = 168.000€). Ou seja, o orçamento da equipa não chegavam sequer para pagar os salários dos ciclistas conforme manda a lei (que raras vezes é cumprida), quanto mais para pagar o restante staff e demais despesas.
Desde então perdeu-se o hábito de comunicar os orçamentos, quase todos eles abaixo do que seriam necessário. Devido a esse défice, os diretores desportivos optam por outras estratégias. Queriam ter nove ciclistas com qualidade para a Volta a Portugal mas não conseguem mais do que quatro ou cinco. Para preencher as restantes vagas, contratam alguns ciclistas de salário muito baixo ou até de borla. Ser ciclista é muito duro mas há quem o aceite fazer de borla, sustentado por uma família que se pode dar a esse luxo.
Os diretores dizem-lhes que terão a oportunidade de ser profissionais, que irão correr a Volta ao Algarve com as estrelas e cumprir o sonho da Volta a Portugal. Na cabeça de quem lhes diz isto, o planeamento é outro. Os jovens servem para fazer número até junho, nas provas do calendário nacional. Em junho contratam um espanhol de trinta anos que um empresário lhes disse que era bom. O jovem que andou desde janeiro a correr de borla fica de fora da Volta e o veterano a quem só se pagou dois salários (ou um, ou nenhum), corre a Volta.
E não se pense que estes ciclistas que agora chegam ao nosso pelotão veem para um grande trabalho coletivo e para se sacrificar pelos novos colegas. Veem para relançar a sua carreira, andar em fugas à procura de uma vitória de etapa. Fazer a sua corrida.
Além disto, os jovens portugueses servem para cumprir o artigo que obriga a que a maioria dos ciclista das equipas continentais seja sub-28, e brevemente será contratado mais um jovem para cumprir esta norma. É que o Louletano perdeu este estatuto e está obrigado a encontrar um jovem (que poderá nem correr). O espanhol só poderá ser inscrito quando a situação estiver resolvida.
Basta olhar para os planteis das equipas que recentemente se "reforçaram" para perceber que a estratégia estava montada desde o começo da temporada. Porque os sub-23 de primeiro ano não estão autorizados a correr a Volta ao Algarve e a Volta a Portugal, uma equipa esteve no Algarve apenas com sete corredores, situação que obviamente não se iria repetir na Volta a Portugal. Por isso já foi buscar mais um.
Era possível nesta fase da temporada recrutar portugueses às equipas amadoras? Muito dificilmente. Tal só seria possível com o consentimento das equipas às quais estão ligados, o que é difícil. Depois de apoiarem os ciclistas durante vários anos e de os apoiarem até meio da temporada, as equipas de formação não estão dispostas a abdicar das suas mais-valias, sobretudo num ano em que algumas equipas continentais pretendem correr a Volta a Portugal do Futuro.
Outra situação bem diferente é a de Tavira, onde os angolanos Igor Silva e Walter Silva chegaram e vão correr a Volta a Portugal. Ainda que seja frustrante para outros dois ciclistas ficarem de fora da prova rainha, facilmente se compreende a importância destes ciclistas para o futuro a curto e longo prazo da equipa. É por eles que o Banco BIC apoia a equipa e é através deles que é possível melhorar as condições para todos os outros. Mais do que se aproveitarem, poderão ser a salvação da equipa depois de dois anos e meio muito difíceis.
Conclusão
A culpa não é dos ciclistas. A responsabilidade é de quem os contrata.Não sendo possível as equipas nacionais reforçarem-se com portugueses amadores, qual seria a solução? Não é necessária solução quando não há problema e nos casos da OFM e no Louletano não há. Para levarem estes trintões à Volta, as equipas portuguesas deixam de fora jovens que andaram lá o ano todo. São de grande qualidade? Não, nem os jovens, nem as recentes contratações, mas quem é que andou lá o ano todo por tostões?
No caso da Rádio Popular, aí sim havia o problema da falta de ciclistas que podem correr a Volta, mas trata-se de um problema que poderia ter sido evitado em dezembro quando estavam a formar o plantel. Não havia ninguém disposto a correr pelas mesmas condições que os jovens de 18 anos? Pois quando não há dinheiro...