terça-feira, 30 de agosto de 2016

O Tour não é o Giro, a Vuelta não é o Tour

As comparações entre as três grandes voltas são frequentes porque de facto é muito o que lhes une. Além da duração, as três são decididas sobretudo entre as montanhas, os contrarrelógios, a capacidade de evitar quedas e a regularidade. Por isso, os grandes voltistas conseguem andar bem em qualquer uma delas. No entanto, se é muito o que as une, também há muito que as separa.

Ainda que frequentemente o Giro tenha um percurso mais duro que o Tour, a mais difícil de vencer é sempre a prova francesa. O percurso do Giro, aliado às condições climatéricas adversas com que muitas vezes se depara, pode, em alguns anos, fazer desta a prova mais difícil de completar, mas o Tour será sempre a mais difícil de vencer por ser aquela que reúne a melhor participação: ou seja, os adversários mais difíceis de superar. Saltemos esse ponto.

Se no parágrafo de introdução não ficou suficientemente explícito, antes de continuar, explicitemos. Quanto se fala de Froome, Quintana, Contador ou Nibali, estamos a falar da elite da elite, ciclistas que podem disputar a vitória em qualquer uma das três grandes voltas. O mesmo se pode dizer de Aru, Chaves, Pinot, Valverde e companhia, todos eles ciclistas de excelente nível que podem lutar pelas primeiras posições e qualquer um dos três. Esse não é o ponto. Mas não quer dizer que se adaptem da mesma forma a cada uma das três - esse é o ponto. E isso adapta-se a qualquer ciclista.

Vamos então ao que separa Giro, Tour e Vuelta.

Fase da época e planificação da temporada

Estando o Giro em maio e o Tour em julho, são os primeiros objetivos de 95% dos melhores voltistas do mundo. Geralmente, quem quer disputar a classificação geral do Giro, disputa algumas provas importantes entre março e abril, pode estar a bom nível, pode vencer, mas apenas chegará ao pico de forma em maio. De forma algo semelhante, quem quer disputar a classificação geral do Tour, disputa provas importantes em março (Paris-Nice ou Tirreno-Adriático e Catalunha, por exemplo) e entre abril e maio (Ardenas ou Romandia), mas apenas procura atingir o pico de forma em julho.

Para a Vuelta, em condições normais, ninguém se pode poupar. Assim, quem esteve no Giro e no Tour, bem ou mal, pode tentar disputar a Vuelta, seja para terminar em grande uma temporada de sucesso ou para salvar aquilo que está a ser uma má temporada. Mas ninguém pode aguentar os oito primeiros meses da temporada à espera da Vuelta, porque depois disso, se correr mal, não há mais nada a fazer.

Se olharmos para os últimos anos, vemos que chegar fresco à Vuelta é importante.

Denis Menchov venceu a Vuelta em dois anos que esteve aquém no Tour (em 2005 passou ao lado, em 2007 abandonou a meio, em 2006 Alexander Vinokourov venceu a Vuelta depois da sua equipa ter sido impedida de disputar o Tour, Alberto Contador venceu a Vuelta 2008 sem ter corrido o Tour, a de 2012 vindo de suspensão (portanto sem Giro nem Tour) e a de 2014 tendo abandonado o Tour muito cedo (tal como o 2º, Froome), Nibali fez as suas melhores Vueltas quando não disputou o Tour (1º em 2010, 2º em 2013), Juanjo Cobo não tinha nenhuma grande volta disputada em 2011 antes de vencer a Vuelta, tal como Horner em 2013 e em 2015 Joaquim Rodriguez fez a sua melhor classificação na Vuelta depois de no Tour ter lutado por etapas em vez de geral (o que significa um menor desgaste). Também relativamente a 2015, as duas revelações foram Chaves (que tinha estado no Giro sem disputar geral) e Dumoulin (que abandonou o Tour ao terceiro dia). O próprio Valverde, que parece o super-homem, apenas venceu uma Vuelta, em 2009... único ano em que não participou no Tour.

Último ciclista que esteve no seu melhor no Tour e na Vuelta (durante as 3 semanas, visando a geral)? Carlos Sastre em 2008, vencendo o Tour e sendo 3º na Vuelta.

Então, existe uma vantagem óbvia em chegar à Vuelta mais fresco, sem o desgaste de nenhum grande volta ou, pelo menos, sem o desgaste do Tour. No entanto, nenhuma equipa pode pagar a um ciclista de topo para apostar todas as fichas em setembro.

Fase da época, preparação e contratempos

Ainda devido às datas em que se disputam e um pouco no seguimento do ponto anterior, controlar um pico de forma para o Giro e o Tour é mais fácil do que para a Vuelta. Ou, para ser mais correto, menos difícil.

Até ao Giro ou ao Tour, pode haver contratempos, como quedas ou problemas de saúde, mas quanto mais se avança na temporada, mais tempo existe para contratempos que afetam a preparação. Por isso os candidatos ao Giro têm planificações tão semelhantes entre si, os candidatos ao Tour têm planificações tão semelhantes entre si, mas quando olhamos para os calendários dos candidatos à Vuelta parece não haver qualquer padrão. 

Antes de regressar à Vuelta, olhemos para os casos recentes de Aru e Quintana.

Fábio Aru fez um excelente Giro em 2014 e 2015 (também Vuelta) mas este ano falhou redondamente na preparação para o Tour, nunca estando na sua melhor forma. Cabe-lhe agora, junto ao seu preparador, perceber o que correu mal este ano para tentar corrigir num próximo ataque ao Tour.

Já Nairo Quintana fez este ano um calendário competitivo muito semelhante ao de 2015 mas com resultados díspares. Em 2015 chegou ao Tour muito solto, capaz de atacar nas montanhas, e depois um pouco "pesado" na Vuelta, sem mostrar a sua melhor face. Este ano chegou muito "pesado" ao Tour, sem conseguir arrancar, tentando apenas resistir, mas tem estado no seu melhor na Vuelta.

Se existem muitas variáveis até chegar ao Giro e ao Tour, para a Vuelta existe mais uma: ninguém sabe como vai sair do Giro ou do Tour. Entre os que vão à prova espanhola, uns acabaram o Giro e depois disso descansaram, outros aproveitaram a forma final do Giro para ir ao Dauphiné ou Suíça, uns saíram do Tour em crescendo, outros em decrescendo, uns passaram pela Polónia em julho, outros por Burgos um pouco depois. 

Apenas nas declarações antes da Vuelta todos coincidem: diziam que iriam "dia-a-dia". Precisamente porque tem um grau de imprevisibilidade muito grande.

Condições climatéricas

Devido mais uma vez ao calendário mas também à geografia, as condições climatéricas são outro fator de diferenciação.

Não é linear, porque existem anos atípicos, mas geralmente o Giro d'Itália tem temperaturas muito baixas e hipótese de neve (até devido à altitude). O Tour de France tem temperatura mais amenas, pode ter alguma chuva e tem alguns dias de calor - ocasionalmente, temperaturas demasiado altas. A Vuelta a España é quem tem as temperaturas mais elevadas, sobretudo nos anos em que se concentra na Andaluzia.

Nunca faz grande sentido queixar-se das condições climatéricas porque são iguais para todos. Mas ainda faz menos alguém apostar no Giro e queixar-se do frio ou alguém apostar no Tour ou Vuelta e queixar-se do calor.

Montanhas: distância e altitude

Se os contrarrelógios dependem quase exclusivamente da vontade do organizador, relativamente às montanhas existem muitas condicionantes.

No caso de Itália têm os Apeninos que permitem fazer belas chegadas em alto, mas o que faz a diferença são os Alpes, com muitas subidas longas (em que o esforço se aproxima ou ultrapassa a uma hora) e com muito tempo passado sobre os 1700 metros de altitude, onde o ar é mais rarefeito. Já no Tour, as etapas mais duras dividem-se entre Alpes e Pirenéus. E em Espanha estão as montanhas das Astúrias, País Basco, Pirenéus (as subidas mais interessantes estão do lado francês) ou Serra Nevada, que permitem fazer belas chegadas em alto, mas faltam montanhas que permitam fazer o mesmo que os Alpes no Giro e no Tour.

As subidas decisivas são mais curtas e menos elevadas, diminuindo a dificuldade respiratória. Os Lagos de Covadonga estão a 1110m sobre o mar. E apenas por duas ocasiões (Aubisque, em França, e Aitana) esta Vuelta ultrapassa os 1700m de altitude. Já o Giro teve 12 contagens de montanha sobre os 1700m de altitude. Sempre nos Alpes.

Por fim...

Com isto, longe de querer relevar ou desprezar alguma das três grandes voltas ou os seus vencedores. Para vencer, há que bater todos os rivais presentes. Mas nas comparações entre a forma como se desenrolam Giro, Tour e Vuelta e como rendem os diferentes protagonistas, há que ter presente que todos os confrontos acontecem em circunstâncias muito diferentes. Os ciclistas mais completos conseguem estar na frente em qualquer uma das grandes voltas (por isso são os mais completos). Mas é perfeitamente normal que alguns ciclistas apenas consigam tirar toda a sua vantagem quando a extensão e altitude das montanha são fatores e outros apenas consigam estar na discussão quando estas não entram nas contas. E juntamente a isso, existem tantos outros fatores. Assim é o ciclismo.

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