segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Uma Vuelta de extremos

Começou no domingo uma Volta a Espanha que tem tudo para ter etapas de extremos quanto a espectacularidade: umas de grande espectáculo, outras para dormir a siesta. A luta pela geral começa logo à quarta etapa, com a chegada à Serra Nevada, e o contra-relógio ao décimo (o único contra-relógio) mas os últimos dias são para passeio dos líderes.

Parece que a moda de retirarem contra-relógios às grandes voltas está a tomar força… será para beneficiar os espanhóis?

Um percurso para trepadores

Longe se vai o tempo em que as grandes voltas tinham espaço para os contra-relogistas e, tal como aconteceu com o Giro e o Tour, esta Vuelta é para ser disputada por trepadores, tendo seis chegadas ao alto e apenas um contra-relógio. Sinceramente, não acho que uma prova de três semanas tenha que ter 80 ou 90 quilómetros de contra-relógio para ser equilibrada, mas também não me importo que os tenha.

Apesar de só ter um contra-relógio, o percurso desta Vuelta é significativamente diferente do percurso do último Tour e do último Giro, que também entre eles eram significativamente diferentes. Se o Giro tinha apenas um contra-relógio individual “normal” para contrabalançar com sete chegadas em alto (e a crono-escalada), entre elas algumas com cinco contagens, caminho não alcatroado e/ou mais de 200 km (chegando a 240), o Tour tinha apenas um contra-relógio mas também “apenas” quatro chegadas ao alto (as mais longas delas com 211 e 200 km). Por aí entendo linhas de pensamento diferentes entre as duas organizações: enquanto o Giro queria que a prova fosse o mais animalesca possível, no Tour pareceu-me haver a intenção de aproximar Contador de Andy Schleck. Já que em 2010 o mais novo dos Schlecks foi o único corredor a subir ao nível de Contador mas no contra-relógio estava em desvantagem, a organização optou (ou pelo menos pareceu-me esse o motivo) por fazer com que o contra-relógio perdesse importância relativamente à montanha e assim os dois pudessem manter a corrida em aberto até aos últimos dias. Aconteceu que Contador chegou desgastado do Giro, Andy Schleck não esteve tão forte como em 20110 e a vitória foi para Cadel Evans, que esteve muito melhor do que nos dois anos anteriores. De qualquer forma, a vitória do australiano não deve ter incomodado a ASO, pois o que interessava era ter a corrida em aberto até ao final.

Já na Vuelta, há apenas um contra-relógio, como no Giro e no Tour, e seis chegadas em alto como no Giro… com diferenças significativas. Dessas seis etapas, cinco andam entre os 142 e 183 km, a outra tem 211 quilómetros e é a única etapa nesta Vuelta que ultrapassa a barreira das duas centenas de quilómetros. Por fim, realçar que entre estas etapas que terminam em alto nenhuma é tão dura quanto a etapa do Galibier ou Plateau de Beille no Tour, muito menos que as etapas do Giro. Esta é então uma Vuelta com muitas oportunidades para os melhores trepadores ganharem tempo em relação aos concorrentes mais fortes nos contra-relógios mas sem percursos demasiado duros.

Se a Serra Nevada logo ao quarto dia até é interessante por obrigar os corredores a entrarem na prova logo em forma, o mesmo não se pode dizer do facto das etapas mais importantes para a geral estarem todas tão cedo. Reduz a importância da recuperação diária dos corredores, pois apenas há uma chegada em alto na última semana, e faz com que as restantes cinco etapas da última semana sejam aborrecidas e marcadas por fugas a que o pelotão concede vários minutos de vantagem. Também o contra-relógio está logo à décima etapa, o que incentiva os contra-relogistas a desistirem mais cedo e irem para as suas casas preparar o Campeonato Mundial da especialidade… tal como boa parte dos sprinters, já que há poucas oportunidades para eles.

E o último apontamento sobre este percurso é para o facto de favorecer os espanhóis, de três formas (seja ou não propositadamente). A primeira é que Joaquim Rodríguez e Igor Antón (e mesmo Ezequiel Mosquera se estivesse presente) preferem a montanha ao contra-relógio, pois é nela que podem ganhar tempo à concorrência. A segunda é a existência de poucas etapas para sprinters puros, onde dificilmente os espanhóis poderiam bater os melhores do mundo. E a terceira é a existência de muitas etapas daquelas em que tudo leva a crer que vingará uma fuga, sendo sabido que quem mais investe nessas situações são sempre as equipas da casa, seja em que país for. O que é de lamentar para o ciclismo espanhol é a ausência da Caja Rural, que ficou de fora para no seu lugar participar a Cofidis e… a Skil-Shimano. A empresa organizadora da prova, a Unipublic, é detida em grande parte pela francesa ASO (que organiza o Tour, entre outras provas) mas ainda assim, tratando-se da Volta a Espanha, o mais lógico seria preferir as equipas espanholas. Ok, a Shimano patrocina a prova.

Os mesmos homens do Giro

Olhando para os maiores favoritos à vitória nesta Vuelta (ou, pelo menos, para aqueles que o eram à partida de Benidorm), é de salientar que todos eles estiveram no Giro. Vicenzo Nibali, que em 2010 foi 3º no Giro e venceu a Vuelta, decidiu colocar os seus objectivos nessas duas corridas, até porque a Liquigas tinha Ivan Basso para o Tour. Igor Antón, que no ano passado liderava a Vuelta e já tinha vencido duas etapas quando foi obrigado a desistir por queda, também decidiu fazer Giro-Vuelta, sendo a Euskaltel liderada no Tour por Samuel Sánchez. Quanto a Joaquim Rodríguez, oitavo no Tour do ano passado, como já tem 32 anos decidiu fazer Giro-Tour, preferindo conquistar uma grande volta enquanto pode em vez de tentar coleccionar tops-10 no Tour. Denis Menchov nem teve opção de escolha, pois a Geox ficou de fora da Volta a França. Michele Scarponi também optou por Giro-Vuelta, talvez pelo mesmo motivo de Joaquim Rodríguez ou por apenas gostar de correr nestes dois países e serem raras as vezes que participa em provas fora deles. Estes eram, à partida, os cinco principais favoritos, não sendo de descuidar Jurgen Van Den Broeck e Bradley Wiggins, que apontavam baterias para o Tour mas tiveram que abandonar por queda.

Disse “à partida” porque hoje, numa terceira categoria a 13 quilómetros da meta, Denis Menchov já perdeu tempo e Igor Antón mostrou algumas debilidades. Por isso, por agora, coloco Nibali, Joaquim ‘Purito’ Rodríguez e Scarponi como os principais candidatos à vitória final, seguidos de Jurgen Van Den Broeck se estiver totalmente recuperado das mazelas do Tour e Igor Antón se a partir de amanhã estiver na forma que demonstrava na Vuelta do ano passado, o que me parece muito difícil. Não acredito que Bradley Wiggins consiga vencer uma prova de três semanas, apesar de ser um forte candidato ao pódio (dependendo também ele da forma como tiver recuperado do Tour) e o mesmo digo para Janez Brajkovic.

Menchov não se mostrou particularmente bem hoje e poderá hipotecar as suas hipóteses de lutar pelo pódio já nos próximos dias. Para a luta pelo top-10 há que mencionar os espanhóis Juanjo Cobo (que parece de regresso aos seus melhores tempos), Carlos Sastre, Mikel Nieve, Daniel Moreno, Haimar Zubeldia, Beñat Intxausti e Sérgio Pardilla, os holandeses Steven Kruijswijk e Bauke Mollema, os irlandeses Nicolas Roche e Daniel Martin, e ainda Rein Taaramae, Jakob Fuglsang (primeiro líder da prova) ou o nosso português Tiago Machado, sem qualquer ordem específica entre estes. E não excluo a possibilidade de uma grande surpresa, como Peter Velits no ano passado, pois os voltistas de topo à partida não eram muitos e alguns já começaram a mostrar problemas.

Quanto à Radioshak de Machado, Sérgio Paulinho e Nelson Oliveira, parece o caos. Johan Bruyneel dizia que Janez Brajkovic e Andreas Klöden eram os líderes, Andreas Klöden dizia que não estava recuperado da queda do Tour mas que na equipa tinha Brajkovic e Haimar Zubeldia, Tiago Machado e José Azevedo davam a entender que os líderes eram Klöden e Brajkovic mas Machado começaria com alguma liberdade e poderia tornar-se um líder se as primeiras montanhas corressem bem, e Zubeldia apontava para o top-10. Caro leitor, perdeu-se? Caso se tenha perdido nesta embrulhada, leia de novo e veja lá se não faz lembrar a história dos quatro líderes no Tour?

Passados três dias, já está visto que Klöden não entra nas contas e esperemos que corra bem aos portugueses. Tiago Machado poderá terminar nos dez primeiros, Sérgio Paulinho poderá entrar em fugas e procurar vitórias em etapas (como fez o seu colega Irizar hoje) e Nelson Oliveira deverá, em primeiro lugar, concentrar-se no contra-relógio para depois se dedicar às fugas e à busca por uma etapa.

*****
Agora que não há transmissão na RTP e a Eurosport é a única alternativa, nem me vou preocupar em apontar a quantidade de erros que dão, mas irrita-me tanto que sejam incapazes de corrigi-los… Andar 20 minutos a fazer contas à classificação da montanha e não conseguir dizer que Pablo Lastras é o líder (os critérios de desempate são sempre os mesmos) é incompetência. Dizer que a Garmin não pode ter 30 corredores, sabendo que os tem desde Janeiro é o cúmulo (só faltou dizer que era uma equipa clandestina).

4 comentários:

  1. Outro bom artigo :)
    Só acho que naquele lote de candidatos a Top 10, te falte o Sivtsov que tem estado bem e já fez um excelente Giro.
    Na questão da RadioShack, estou completamente de acordo contigo. Uma equipa que tem intenção de fazer um bom resultado na geral não pode levar metade da equipa como líder e depois ver como estão cada um deles. Uma equipa "normal" leva 1/2 ciclistas para a geral e o resto são gregários. E sinceramente não percebi a convocatória do Kloden dado que ele se sente mal fisicamente. Mais valia ele ter ficado em casa e terem trazido um gregário ou então um sprinter.

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  2. Nunca o vi, mas pelo que ouvi o angliru é uma das subidas mais duras das que se fazem actualmente no ciclismo. Não sei como é o resto da etapa, mas acredito que em principio a dificuldade seja semelhante às que mencionaste das outras provas.

    Quanto ao CR não concordo lá muito com as tuas críticas quando afirmas que estão a ser reduzidos e a tornarem-se demasiado curtos e pouco preponderantes, ajudando assim os espanhóis. Sempre ouvi dizer que CR no final beneficia quem recupera melhor e já pouco interessa se é especialista ou não. Neste caso, ao colocarem no cedo parece-me que só prejudicará os espanhóis que são mais fracos nesta área e que se fosse no final da prova dado as suas capacidades de recuperação poderiam ter mais força e minimizar melhor as perdas. À primeira vista parece-me que o Rodriguez vai ter nesse dia uma etapa para esquecer, cedendo tempo que hoje em dia ninguém recupera nas montanhas e verificando-se que o CR continua a ter a sua importância, a devida a meu ver.

    Quanto ao Anton, se passou por dificuldades hoje isso é um péssimo sinal, pois não basta um mau dia para justificar que se ceda numa subida em que bastantes sprinters passaram. O Menchov não sei se realmente teve um problema antes de começar a subida, porque caso não tenha sido por isso caminhará para uma vuelta semelhante à do ano passado.

    Em relação à RadioShack já se viu que não existem 4 líderes como no Tour, mas até ver temos 3. Sem azares são capazes de vencer por equipas e estou bastante expectante em relação à prestação do Nelson Oliveira no CR. Tem-se andado a poupar bem e a sua qualidade é inegável e bem se viu na Volta à Suiça? onde foi 4?, sendo que já deve estar desde esse altura a trabalhar a pensar nesta 10ª etapa.
    João Lázaro NaboDoPCM

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  3. Obrigado pelos comentários ;)

    João, eu digo que favorece os espanhóis porque são apenas 40 km de contra-relógio. Em relação ao ano passado, são apenas 6 km de diferença, mas nos anos anteriores tem sido 60, já foram 70 e se recuares a 2005 foram 95 quilómetros! (obviamente somando os vários contra-relógios). Se este ano houvesse tantos quilómetros em crono, então Nibali, Menchov e outros sairiam bem beneficiados. Tal como eu digo no texto, não sei se é propositadamente ou não, e tal como tu dizes, se fosse nos últimos dias ainda seria melhor para eles. O que é certo é que nos últimos anos tem havido uma clara redução no número de quilómetros em contra-relógio nas 3 grandes voltas ;)

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  4. Correcção, este ano são 47, tem pouca diferença face ao ano passado. Em relação a anos anteriores sim ;)

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