terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vuelta: muitos galos, um só poleiro

Jakob Fuglsang, Bradley Wiggins, Vicenzo Nibali e Bauke Mollema são os principais candidatos à vitória nesta disputadíssima Volta a Espanha, após dez etapas. Mas Juanjo Cobo e Joaquim Rodríguez estão mesmo fora da luta? E até onde poderá ir o actual líder, Chris Froome? E os portugueses, que são tão diferentes entre eles?

Quatro chegadas em alto e bonificações para decidir

Tal como já escrevi aqui por mais de uma vez, a existência de montanhas depois do último contra-relógio poderá favorecer os trepadores e o espectáculo. Quando o contra-relógio é a última etapa para fazer diferenças importantes, alguns ciclistas adoptam uma postura defensiva, poupando forças para o contra-relógio onde normalmente acabam por estar abaixo das próprias expectativas. Então esse formato de prova acaba por reduzir os ataques nas etapas de montanha à espera do contra-relógio, onde não há ataques directos, tornando a prova menos emocionante ou até mesmo chata.

A Vuelta do ano passado já teve esta “inovação”, colocando a subida à Bola del Mundo no penúltimo dia, três dias depois do contra-relógio final. Daí retiraram-se duas lições: a primeira, que valeu a pena pela forma como Ezequiel Mosquera teve que atacar e pela luta que protagonizou com Vicenzo Nibali, que à partida liderava por cinquenta segundos; a segunda, que era uma pena a luta estar restringida a estes dois e o terceiro lugar também estar quase entregue.

Não sei se ao delinear o traçado para este ano a organização teve isto em linha de conta mas, olhando para a chegada à Bola del Mundo do ano passado, faz todo o sentido esta aposta por colocar várias etapas de montanha após o último contra-relógio (e neste caso, único), sendo apenas de lamentar que essas últimas etapas de montanha estejam longe do final da prova.

Ultrapassado o contra-relógio, a classificação geral está numa situação bastante interessante. Chris Froome, um britânico nascido no Quénia, lidera a prova com 12 segundos sobre Jakob Fuglsang, 20 sobre o seu chefe-de-fila Bradley Wiggins e 31s sobre o vencedor do ano passado Nibali. Olhando apenas para estes e para aquilo que fizeram até agora, Wiggins e Nibali são os mais fortes candidatos. Nos primeiros dias o italiano não esteve tão bem como no ano passado, mas na chegada a La Covatilla já se mostrou a grande nível e no contra-relógio conseguiu defender-se muito bem de Wiggins, ficando com apenas 11’’ para recuperar no que resta de prova. Já vendo pelo lado de Wiggins, é verdade que não conseguiu abrir grande fosso entre si e os adversários no crono, a sua maior arma, mas é igualmente verdade que na subida para La Covatilla deu uma grande demonstração de força, impondo ele mesmo o ritmo durante a parte final da subida. Se anteriormente eu não o achava capaz de vencer uma grande volta, nesse dia a minha opinião sobre as suas possibilidades mudou e talvez possa vencer já esta Vuelta.

Apesar de ter Wiggins no terceiro lugar, a Sky conta com outro homem entre os primeiros: Chris Froome, o actual camisola vermelha. Froome, que até Maio de 2008 correu com nacionalidade queniana, é um talentoso contra-relogista que tem como melhores resultado numa prova de três semanas o 35º posto no Giro 2009 e tem como melhor resultado do ano o 15º na Volta à Romandia… nada de especial. Se à partida alguém dissesse que ele estaria nos dez primeiros da Vuelta, seria motivo de gozo, mas já ultrapassou duas chegadas ao alto e um contra-relógio com nota altamente positiva. O que fará a Sky na etapa de quarta-feira, mais uma chegada ao alto? Wiggins é o chefe-de-fila e deverá ser protegido, mas até que ponto Froome terá liberdade para também ele se resguardar? Os responsáveis pela Sky têm o dia de descanso para pensar sobre isso.

Jakob Fuglsang é segundo na geral e, apesar de ainda não ter demonstrado ser capaz de acompanhar os melhores na alta montanha, terá que ser tido em conta, pelo menos para já. Numa Vuelta em que tantos corredores menos cotados estão em evidência, Frederik Kessiakof, Maxime Monfort, Bauke Mollema, Juan José Cobo, Janez Brajkovic e Haimar Zubeldia completam o top-10. Entre eles, atendendo ao que falta percorrer e às características de cada um, Mollema e Juanjo Cobo parecem-me os únicos capazes de discutir a vitória na classificação geral. O sueco Kessiakof também poderá lutar pelos primeiros lugares mas, apesar de por agora ter vantagem sobre Mollema e Cobo, não me parece que a segure até ao final.

Joaquim Rodríguez está a 3’23’’ de Froome, 3’03’’ de Wiggins. É tempo significativo, mas ainda faltam as chegadas à Estação de Montanha Manzaneda, Lagos de Somiedo, Alto de Angliru e Peña Cabarga, todas elas subidas difíceis e, se Rodríguez estiver ao seu melhor nível (como em algumas etapas da Vuelta passada, como no Critérium do Dauphiné ou nas primeiras etapas de Vuelta), acredito que possa reentrar na discussão pela camisola vermelha. Se estiver ao nível que esteve no domingo, na ascensão para La Covatilla, não terá quaisquer hipóteses.

Os portugueses

Tiago Machado, Nelson Oliveira e Sérgio Paulinho, três corredores portugueses, colegas de equipa mas com ambições muito diferentes.

O Tiago Machado chegou à Vuelta com alguma liberdade para fazer a sua corrida e, quem sabe, uma boa classificação geral, mas tem estado mal a subir. Perder 32 segundos na Serra Nevada seria um grande resultado se a etapa se desenrolasse como em 2009, mas não como este ano, em que chegaram 29 corredores no grupo dos favoritos, atrás de dois fugitivos ligeiramente adiantados. Nas chegadas a Valdepeñas de Jaén e San Lorenzo de El Escorial também não dava para perder muito tempo, por serem rampas curtas, mas o Tiago perdeu 29 e 40s para Rodríguez (vencedor de ambas). Apesar de não ter perdido tanto para os restantes adversários na luta por um lugar no top-10, é um mau indicador ver que houve 25 homens mais fortes que o português, pois indica que não está na sua melhor forma ou, pelo menos, há demasiada gente em melhor condição, como se voltou a ver na segunda chegada ao alto, domingo, com o Tiago a ser 38º.

O brilhante contra-relógio que fez valeu-lhe a subida do 27º para o 16º lugar na classificação geral, estando a 1’15’’ do décimo classificado, que é onde coloco a linha que separa uma “enorme Vuelta” do Tiago e uma “grande Vuelta”. Se o Tiago ficar nos dez primeiros no final, terá feito uma classificação geral de enorme nível, se ficar entre o 11º e o 15º será uma grande classificação geral, se ficar entre os 16º e o 20º será uma boa CG e fora dos vinte primeiros são lugares que não interessam, pelo menos na minha avaliação. Isto, claro, falando apenas da avaliação da classificação geral.

Um 22º ou um 23º posto pode ser um grande feito para outros corredores, mas não para corredores da qualidade do Tiago, que nos últimos dois anos foi 7º no Tirreno-Adriático, 6º na Volta à Romandia, 9º na Volta à Polónia, 12º no Eneco Tour e se sairmos do Pro Tour temos ainda 3º e 6º lugares na Volta ao Algarve, 2º no Giro del Trentino, 4º lugar na Volta à Áustria, 3º e 5º no Criterium Internacional e 7º na Volta a Castela e Leão. São muitos grandes resultados em provas onde a concorrência é forte, aos quais se soma o 20º lugar na Volta a Itália em Maio passado, que fazem do Tiago um grande corredor. E dos grandes corredores, nós, adeptos, esperamos sempre mais e melhor.

Se há algo que me faz confusão, é ouvir (e ler) algumas pessoas dizerem que não nos devemos sentir desiludidos com os ciclistas porque eles fazem o seu melhor e nós não seriamos capazes de fazer o que eles fazem (e aqui não estou a falar do Tiago, mas de todos, em geral). Claro que não! Mas eles são profissionais e nós somos… adeptos. E como as empresas investem milhões com o objectivo de captar a atenção dos adeptos, nós não somos assim tão secundários os terciários no ciclismo. A converso do “ai ui, ninguém tem o direito de se sentir desiludido porque eles dão o seu melhor e as pessoas que estão no sofá não seriam capazes” ou é de amigo cego (aquele que só vê o lado bom, seja no desporto ou na vida) ou é pura demagogia de alguém a tentar fazer-se amigo dos desportistas de elite… e temos muito disso. Quem é que, ao ver o ponta-de-lança do seu clube falhar um golo que daria a vitória, diz «ele está de parabéns porque fez o melhor que conseguiu»? Ninguém diz isto! As pessoas sentem-se desiludidas ao ver que a vitória fugiu naquele remate falhado e têm o mesmo direito de se sentir desiludidas no basquetebol, no andebol, no voleibol, no ciclismo, no atletismo, na natação e no que quer que seja (com a diferença de no ciclismo ser maior a importância dos patrocinadores e, consequentemente, do público em comparação aos desportos onde há receitas de bilheteira). Mas, como já disse, este parágrafo é sobre todos os ciclistas e desportistas em geral.

Voltando ao caso do Tiago Machado, espero que nas próximas etapas de montanha esteja ao seu melhor nível e que consiga manter-se entre os primeiros da classificação geral. Se, terminadas as chegadas ao alto, não for um perigo para os primeiros lugares, poderá aproveitar as várias etapas de média montanha para procurar a sua sorte em fugas.

Quem deverá tentar a sua sorte em fugas já a partir de quarta-feira é o Nelson Oliveira e o Sérgio Paulinho. No caso do Sérgio, já o deveria ter tentado antes. Eu não sei quais as instruções que os directores da equipa dão aos corredores para cada dia, mas atendendo a que o Irizar e Busche já estiveram em fuga, sou levado a crer que os restantes (com excepção de Brajkovic, Zubeldia e talvez o Tiago) tenham indicações para tentarem o mesmo.

No caso do Nelson Oliveira, por ser um contra-relogista, compreendo perfeitamente que se tenha poupado nestes primeiros dias de modo a poder fazer uma grande contra-relógio… e fez. 12º lugar para um jovem de 22 anos, no seu primeiro ano numa equipa de topo (a Xacobeo ainda estava uns bons furos abaixo) é muito bom. O Nelson mostrou mais uma vez ser um grande contra-relogista e acredito que continuará a evoluir até se tornar num dos melhores do mundo, capazes de discutir vitórias muito importantes em cronos. Mas por agora, tem que se focar na Vuelta e a partir da próxima etapa deverá dedicar-se a fugas que lhe darão destaque e talvez a possibilidade de lutar por alguma vitória em etapa. Isto porque ninguém se pode dar ao luxo de ser apenas contra-relogista. Com as equipas a necessitarem de pontos para pertencerem ao World Tour, os corredores mais apetecíveis e melhor remunerados serão os que somarem mais pontos, ou seja, consigam melhores classificações, e para isso não basta fazer quatro ou cinco contra-relógios de grande nível.

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À parte da competição, mas ainda relativamente à Vuelta, há duas coisas que eu gostava de compreender.

Primeira: como é que alguém é capaz de dizer que determinado português ou espanhol está abaixo das espectativas devido ao calor? Eu olho para os sete primeiros da geral e vejo dois britânicos (Froome e Wiggins), um dinamarquês (Fuglsang), um sueco (Kessiakoff), um belga (Monfort) e um holandês (Mollema). Além disso, já tivemos uma etapa de montanha ganha por um irlandês (Daniel Martin). Sim, eu sei que o calor dificulta o rendimento dos desportistas, mas o calor está lá para todos (tal como o vento, o que às vezes não parece porque uns queixam-se mais do que outros). E sim, eu sei que nem todos se adaptam da mesma forma às diferentes condições climatéricas, mas alguém me pode explicar porque há queixas entre os portugueses e alguns corredores de países frios estão a dominar a Vuelta?

Segunda: como é que alguém é capaz de dizer que a temporada do Cancellara está a ser franca? Desiludiu nas clássicas, sim, porque se esperava que vencesse alguma das principais e não venceu. Mas a temporada está a ser fraca? Claro que não. Ele foi segundo na Milano-Sanremo e no Paris-Roubaix (perdendo apenas por uma fuga), terceiro na Volta a Flandres e vencedor do E3 Harelbeke (que muito provavelmente é a terceira mais importante na Bélgica atrás da Volta a Flandres e Gent-Wevelgem). De resto, venceu cinco contra-relógios em 9 disputados e não vou entrar em desculpas sobre os que perdeu, até porque o mais importante ainda está para vir e será o do Campeonato do Mundo, onde ele poderá chegar ao penta-campeonato mundial da especialidade. Quando ele não ganha, volto a dizer, pode chamar-se desilusão, mas dizer que está a fazer uma temporada fraca é absurdo. Se a dele é fraca, o que dizer daqueles ciclistas que chegam a Setembro sem alguma vez terem estado na disputa de uma vitória ou sequer de um top-10 numa etapa da Volta à Cochinchina? Ou sem terem sequer entrado numa fuga?

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No domingo terminou o USA Pro Cycling Challenge, uma prova nova mas que, tal como as restantes norte-americanas mais credenciadas, mistura algumas equipas de menor dimensão com algumas de topo e alguns dos melhores voltistas do mundo, como Cadel Evans, irmãos Schleck, Basso, Leipheimer, Vandevelde, Danielson, Van Garderen, entre outros. Bruno Pires esteve presente, esteve muito regular em toda a prova e terminou no 9º lugar da geral. Sem dúvida, uma grande prestação! No início de Setembro estará no Canadá para correr o GP de Québec e o GP de Montréal. Esperemos para ver o que fará.

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Segundo esta notícia, a Volta à Guatemala contará com uma selecção portuguesa. A Volta à Guatemala é em Outubro e eu gostaria de perceber o que vai lá fazer uma equipa, mas não consigo, a menos que seja com tudo pago e cachet para os corredores ou a Federação (o que é diferente de “ou os dirigentes”).

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Já foi anunciado que todos os controlos anti-doping da Volta a França deram negativo. Não é que eu me preocupe em dar notícias, mas gostava de garantir que os leitores do Carro Vassoura sabem disto.

1 comentário:

  1. Em relação a esta Vuelta há a destacar até agora o desempenho do Wiggins, o britânico tem estado a um nível excelente e a etapa com chegada a La Covatilla veio mostrar isso mesmo. Foi pena a queda no início do Tour, fica a interrogação do que poderia fazer o britânico não fosse tal lhe ter sucedido. Outros destaques são Mollema e Nibali, o segundo não tão bem nos primeiros dias, mas em crescendo com o decorrer da prova e talvez o maior favorito no dia de hoje à vitória na prova. Fuglsang tem-se defendido o mais possível na montanha mantendo-se nos lugares cimeiros, sendo aquele que a meu ver terá menos hipóteses de vencer a Vuelta destes 4. Nota negativa para Scarponi, embora eu tenha sempre achado muito optimista a perspectiva de um corredor já veterano conseguir dois pódios em duas grandes voltas no mesmo ano e Antón que desde o início mostrou estar longe da performance exigida para discutir a Vuelta. Quanto ao Purito duas grandes vitórias em chegadas com rampas com muito desnível, mas na alta montanha não se tem conseguido distanciar passando mesmo mal na chegada a La Covatilla e perdendo o tempo habitual no contra-relógio. A meu ver e ainda faltando algumas etapas de alta montanha entre elas o Angliru parece-me já estar afastado da vitória final. Tinha de recuperar muito tempo e a muitos ciclistas. O espanhol Juan Cobo Acebo a ser o melhor dos espanhóis e o melhor da Geox à frente de Menchov que se não fosse o tempo perdido na chegada a Totana teria ainda uma palavra a dizer para a geral individual. Quanto ao Tiago Machado, talvez se tenham criado grandes expectativas acerca do seu desempenho, o seu perfil de ciclista adequa-se mais a provas de 1 semana do que a grandes voltas, nas quais na alta montanha ainda não está ao nível dos melhores. De destacar o bom contra-relógio que efectuou tal como o Nelson Oliveira. Quanto ao Cancellara perdeu para o Martin os contra-relógios no Tour e na Vuelta, mas penso que o seu pensamento estava mais no Mundial do que nesta Vuelta e dizer que esta está a ser uma má época para o Cancellara é exagerado (não está a ser tão boa como a época passada) mas teve resultados de destaque nas clássicas e é bom não esquecer como referiste o trabalho em prol da Leopard no Tour e na Vuelta.

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