domingo, 21 de julho de 2013

Froome, uma confirmação 12 meses depois

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Infância no Quénia
Os corredores chegam a Paris, o Tour termina. Chris Froome confirma o favoritismo que lhe era atribuído desde a edição do ano passado, com duas semanas em que foi claramente o mais forte e uma última em que se mostrou tão humano quanto Nairo Quintana ou Joaquim Rodríguez, que o acompanham no pódio. O colombiano protagonizou a melhor performance numa estreia dos últimos largos anos e a melhor prestação de sempre de um colombiano. Já Rodríguez cumpriu o seu objetivo de pódio, o terceiro pódio consecutivo em grandes voltas, primeiro no Giro (2012), depois na Vuelta (2012) e agora na Grande Boucle.

Chris Froome não teve a equipa que se esperava. Além das ausências por opção de Rigoberto Uran e Sergio Henao, teve que ultrapassar a eliminação de Vasil Kiryienka por chegar fora de controlo na etapa em que Froome esteve mais desamparado e o abandono de Edvald Boasson Hagen após aparatosa queda. Geraint Thomas foi aquele que esteve mais longe do esperado, também ele vitima de quedas, e David López uma sombra do que havia sido nos primeiros meses de temporada. A Froome valeu Peter Kennaugh, que aos 24 anos vai confirmando as indicações dadas enquanto sub-23 (antes da Sky) e sobretudo Richie Porte.

A dupla e a relação Froome-Porte não deve ser comparada a Wiggins-Froome do ano passado, porque Wiggins tinha vantagem no contrarrelógio mas era visível que Froome estava mais forte na montanha e apenas não atacava porque não lhe deixavam. Este ano Porte esteve muito forte mas não tanto quando Froome no ano passado. É certo que vimos Porte esperar por Froome no Alpe d'Huez, num dia atípico para o britânico, vazio de forças por falta de alimentação. De resto, Porte foi um gregário excepcional, mas inferior ao seu chefe-de-fila e inferior a alguns dos seus adversários. Em 2014 será chefe-de-fila sim, mas não no Tour. Giro ou Vuelta serão o seu objetivo.

Apesar da enorme diferença entre primeiro e segundo, considero que foi um grande Tour e esse aspeto é o único que destoa. Desde o começo tínhamos um grande Tour em prespetiva, porque além dos ciclistas que já tinham mostrado o que valiam em grandes voltas como Froome, Contador, Rodríguez, Valverde, Evans, entre outros, havia um lote de jovens (e não tão jovens) que ansiavam dar um passo em frente na sua carreira. Eram os casos de Quintana, Rui Costa, Antón, Nieve, Fuglsang, Mollema, Pinot, Kreuziger, Daniel Navarro e Kwiatkowski. Não correu a todos como gostariam e que o diga Evans (que foi a mais no Giro e a menos no Tour) mas a grande maioria deles animou a prova.
À esquerda na sul-africana Konica Minolta, primeira equipa profissional (2007)
À direita com as cores do Centro Mundial de Ciclismo UCI, pelo qual corria a Taça das Nações
O desequilibro entre montanha e contrarrelógio, desta vez beneficiando os trepadores, foi determinando para o sucesso deste Tour. É por demais evidente que quanto mais contrarrelógio existir, mais desequilibradas são as grandes voltas. Era assim nos tempos de Armstrong e dos contrarrelógios que chegavam a 60 quilómetros e foi assim no ano passado.

Se existisse uma votação para eleger a revelação da prova, Nairo Quintana esmagaria todos os outros. Segundo na classificação geral, melhor jovem, melhor trepador e com uma vitória de etapa. De entre os nove ciclistas que apontei para discutirem o pódio na antevisão do Tour, Quintana foi o mais criticado e questionado. Em três semanas conquistou muitos adeptos, não apenas pelos seus resultados, mas também pela humildade exibida.

Pelo contrário, a desilusão foi Alberto Contador, muito longe do nível necessário para vencer este Tour. Perdeu o pódio na estação de ski de Semnoz, a poucos quilómetros de Annecy (a chegada chamava-se Annecy-Semnoz), onde em 2009 protagonizou uma das suas maiores vitórias no Tour. Ali sentenciou esse Tour, vencendo um contrarrelógio à frente de Fabian Cancellara. Contador faz bem em abdicar da Vuelta e começar a preparar 2014.

Tal como em 2009, Paris foi antecedido de uma chegada em alto e não por um contrarrelógio. Há quatro anos a chegada ao Mont Ventoux no penúltimo dia não provocou alterações na classificação geral, mas este ano foi bem diferente, com Quintana a subir ao segundo lugar e Joaquim Rodríguez ao terceiro, por prejuízo de Contador e Kreuziger.

Roman Kreuziger foi outra das boas surpresas desta edição da Volta a França. Termina no quinto lugar, a um minuto de Contador, para o qual trabalhou em quase todas as etapas de montanha e na primeira delas foi evidente que não tentou seguir com os mais fortes para trabalhar para o seu colega. Foi louvável a forma como respeitou as ordens da equipa, mas sem isso talvez tivesse sido quarto.

Bauke Mollema caiu de condição na última semana e terminou no sexto lugar. Já tinha sido quarto na Volta a Espanha de 2011 mas este é o melhor resultado da sua ainda curta carreira e depois dele poderá encarar a próxima temporada de forma ainda mais confiante. Jakob Fuglsang alcançou o nível que há muito vinha prometendo.

Alejandro Valverde teve o seu Tour prejudicado por um furo num momento muito crítico, mas ainda assim conseguiu terminar no oitavo lugar e, mais importante do que isso, mostrar que ainda é um dos melhores trepadores (e voltistas). O desgaste do Tour deverá refletir-se na prestação da Vuelta, mas veremos o que poderá fazer.

Daniel Navarro e Andrew Talansky cumpriram o seu objetivo de top-10, Michal Kwiatkowski ficou a 1'20'' e ainda tem muitos anos de carreira para melhorar esta prestação. Até ao ponto de um dia disputar o pódio? Talvez. Tem 23 anos, como Quintana.

Mikel Nieve esteve perto de tudo mas tudo lhe escapou. Vitória de etapa (3º no Ventoux), top-10 (12º na geral com 10 minutos perdidos em abanicos) e classificação da montanha (6º).


A classificação da montanha parece-me um flop. Foi vencida pelo melhor trepador em prova, mas todas as classificações secundárias (seja no Tour ou em qualquer prova do calendário nacional) devem ser mais um motivo de disputa. Pierre Rolland, Riblon e Nieve tentaram conquista-la, mas no final os dois primeiros foram Quintana e Froome, sem que a tiveram como objetivo e sem que tivessem feito algo de específico para ela. Bem diferente das longas escapadas que Jalabert, Virenque ou Rasmussen protagonizavam para poderem levar esta classificação.

À parte da classificação geral, destacaram-se Marcel Kittel, o melhor sprinter em prova com quatro vitórias de etapa, Mark Cavendish e Rui Costa com duas, Peter Sagan com uma e a classificação por pontos, a Orica-GreenEdge com dois triunfos (CRE e Gerrans) e quatro dias de camisola amarela e a Omega Pharma com quatro vitórias (Tony Martin e Matteo Trentin além de Cav). Erik Zabel venceu pela primeira vez a classificação por pontos aos 26 anos e a última aos 31. Aos 23, Peter Sagan já leva duas.

As duas vitórias de Rui Costa fazem desta a melhor prestação de um português desde 1989, quando Acácio da Silva venceu uma etapa e andou quatro dias de amarelo. Rui Costa está agora "empatado" com Acácio da Silva e a uma vitória de igualar Joaquim Agostinho como o português mais vitorioso da história do Tour, um desafio para o qual tem tempo. E juntamente à vitória na Volta à Suíça (e à forma como todas as vitórias têm sido alcançadas) fazem desta a sua melhor temporada até ao momento.

O próximo objetivo só ele saberá qual é, mas tal como no ano passado acredito que possa lutar pelo título mundial. A concorrência é fortíssima, mas Rui Costa pode impor-se no circuito de Florença. Demasiado duro para os sprinters mas rápido para os trepadores puros.

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Como é costume, sempre que um desportista português é bem-sucedido, temos que assistir a cenas ridículas de pessoas que se tentam colar ao protagonismo dos atletas. Muita gente tenta agora ter alguma atenção com as célebres frases de "eu sempre acreditei", "eu sou amigo do primo do Rui" ou o pior "eu até dizia que ele podia vencer a Volta a França". Pelo palmarés do Rui Costa, todos acreditamos que pode vencer etapas na Volta a França ou em qualquer outra prova, mas o protagonista é e deve ser sempre dos atletas, neste caso, dos ciclistas. São eles que trabalham para lá chegar. Parabéns a eles!

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Também à margem da competição mas na linha do ponto anterior, temos a já habitual questão das capas de jornais e do destaque que a comunicação dá (ou não dá) ao ciclismo. Muita coisa pode ser dita sobre este tema, tanta que dava para fazer uma crónica dedicada ao mesmo, mas neste altura do ano existem coisas mais importantes.

Concordo com o que é dito em 90% dos casos mas não posso deixar de relembrar que os jornais e a televisão vivem de vendas/audiência. Não adianta reclamar que a RTP devia transmitir as provas de ciclismo se os resumos da Volta ao Algarve, Alentejo e Troféu Joaquim Agostinho registarem poucos milhares de telespetadores. E não adianta reclamar pelas capas dos jornais se não se compra jornais. Aliás, roça até a hipocrisia. Depois do Rui Costa vencer a etapa de Gap havia motivos para reclamar sobre as capas dos jornais. Mas depois da segunda vitória houve um jornal que fez uma grande capa com o Rui e mesmo assim houve que preferisse falar nos jornais que não o fizeram. Quem compra jornais, nesse dia comprou o que destacou a vitória do Rui Costa. Quem não compra, optou por criticar os outros, numa busca ridícula por protagonismo de algumas pessoas que têm visibilidade sem o merecer. Se um jornal (ou um canal de TV) faz justiça ao ciclismo, temos mais é que o apoiar e o enaltecer. A única forma de pressionarmos os jornais e os canais de televisão é através daquilo que lhes interessa: vendas e audiência. Comprar jornais que destacam de ciclismo e ver os programas de ciclismo. Elogios não pagam salários e críticas de quem não é público não causa mossa.

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Amanhã regressa a Revista da Semana, com destaque para o Troféu Joaquim Agostinho e para os Campeonatos Europeus, onde David Ribeiro foi 10º nos juniores. Com a Volta a Portugal à porta, o Carro Vassoura vira-se agora para Portugal. E esta Volta a Portugal vai ser animada!

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