domingo, 31 de maio de 2015

Giro d'Itália 2015: o segundo de Contador pela segunda vez

Alberto Contador abanou mas ficou de pé para conquistar o seu segundo Giro d'Itália pela segunda vez na sua carreira.

A pergunta que mais ouvi ao longo deste Giro é quem é este Landa?, o que me parece absolutamente justificável perante a surpreendente prestação do espanhol. Era um ciclista relativamente promissor e por isso, quando a Euskaltel terminou, foi para a Astana, com um contrato de dois anos. No ano passado esteve por lá, sin pena ni gloria, e neste inverno sofreu uma mononucleose, o que o deverá ter assustado, pois tinha que fazer na presente temporada algo que justificasse um contrato para a seguinte. Vai daí, investe tanto na sua recuperação que passa de enfermo no inverno para revelação do Giro, e esta prestação é capaz de lhe valer uma melhoria de meio milhão de euros por ano em relação ao atual contrato. Tudo muito Froome. Mikel Landa sai do Giro em terceiro na geral, com duas vitórias de etapa que apenas não foram três porque noutro dia Intxausti chegou fugido. A ideia que fica é que Landa foi o mais forte na montanha, perdendo a Volta a Itália apenas no primeiro terço do contrarrelógio e nas esperas por Fabio Aru.

Fabio Aru termina no segundo lugar, diante de Landa, não por ser mais forte que o seu companheiro, mas porque nos dias maus de Aru, Landa foi obrigado  a aguardar. E Aru teve vários dias maus. Começou muito bem, subindo muito bem na primeira semana, mas após o primeiro dia de descanso foi-se abaixo. Poderia ser pela falta de preparação, vírus estomacal, etc, etc, possíveis justificações para a quebra de rendimento com o passar dos dias. Mas eis que Aru ressurge e ganha as duas últimas chegadas em alto.

A Astana faz, aliás, uma prestação que será recordada daqui a alguns anos. Colocaram dois homens no pódio e venceram 5 etapas com 3 ciclistas diferentes (Aru, Landa e Tiralongo). A única prestação que me recordo semelhante aconteceu na Vuelta 2006, com a Astana herdeira da Liberty Seguros, então com Vinokourov, Kashechkin e Paulinho.

Alberto Contador vence sendo o melhor em prova, sobretudo no contrarrelógio, onde arrasou os seus concorrentes diretos. A sua imagem a subir o Mortirolo, em recuperação, parece-me a mais marcante desta sua vitória. Contou apenas com colaboração de Igor Antón, talvez por estar a terminar contrato no final deste ano, talvez para agradecer a vitória no Monte Zoncolan de 2011. E com a incapacidade de Aru, num dos momentos em que Landa teve que aguardar.

Talvez não houvesse forma da Astana tirar este Giro a Contador, que o venceu pela Tinkoff tal como teria vencido ao serviço de outras dez equipas. Mas diz muito da incapacidade tática da Astana, tão forte desde as primeiras montanhas, que as duas únicas vezes em que fizeram Contador abanar surgissem de um furo do madrileno na etapa do Mortirolo e de uma quebra na penúltima etapa. A mim parece-me muito deselegante que a Astana tenha atacado a 50 km da meta para aproveitar um furo de Contador, como deselegante me parece Contador atacar dois dias depois a 40 km da meta para aproveitar um problema mecânico de Landa. Mas para diferentes gostos existem diferentes cores e para diferentes valores existem diferentes modos de atuar.

O quarto lugar foi Andrey Amador, com uma evolução talvez mais surpreendente que Landa, passando de um caça-etapas para um grande-voltista, ainda que ninguém vá dizer nada a respeito porque é um tipo muito simpático. Por coincidência, o seu colega Giovanni Visconti também se tornou grande-voltista neste Giro. Termina em 18º mas com a clara sensação de que poderia ter feito muito melhor caso se tivesse poupado para a geral, em vez de procurar uma vitória de etapa (algo justificável, pois vencer uma etapa conta muita mais que esses top-qualquer-coisa). Vendo a evolução destes dois Movistar, por acaso em simultâneo, pode ser que seja desta que Valverde vá ao pódio do Tour, ainda que seja demasiado Valverde para isso (acho que também já tinha falado disto há um mês). Por acaso, Andrey Amador também tem o contrato a terminar este ano e procurava argumentos para a hora da renovação.

Quinto, Ryder Hesjedal, que perdeu cinco minutos numa etapa da primeira semana em que não deveria ter perdido, mas compensou com uma excelente terceira semana. Por acaso, também tem o contrato a terminar este ano e procurava argumentos para a hora da renovação.

Bom, melhor parar por aqui diante deste mar de coincidências e precariedade contratual.

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Nos últimos largos anos, apenas um ciclista terminou uma grande volta a seis horas do vencedor, foi Cheng Ji na última Volta a França, mas o chinês não podia com uma gata pelo rabo. Neste Giro terminaram onze (ONZE!) ciclistas a mais de seis horas e muitos mais perto disso. Juntamente a isso, outro dado curioso, apenas 18 ciclistas terminaram a menos de uma hora do vencedor, outro abuso sem igual nas últimas décadas. Isto é ciclismo a duas velocidades.

A Astana impôs um ritmo brutal, que fez diferenças de tempo brutais. Houve ciclistas que conseguiram acompanhar (e alguns deles sem resultados anteriores que o fizessem prever) mas é preciso recuar muitos anos para encontrar uma disparidade tão significativa entre os melhores e os sobreviventes.

Parece que vivemos um período bastante particular. Depois dos casos da Festina, Puerto, Telekom, US Postal, Ferrari, e outros de menor mediatismo mas igualmente importantes para nos fazer perceber como funcionam as coisas, com a enorme quantidade de informação que hoje existe, ainda há comentadores que são capazes de continuamente fazer de conta que nada se passa.

As crianças enfiam-se debaixo dos lençóis quando se querem esconder e pensam que assim a realidade não as encontra. Jérôme Pineau diz que que este Giro esteve num nível de dureza semelhante aos anos da US Postal no Tour. Gosto quando estas personalidades, ciclistas, diretores, comentadores, ou o que seja, dão voz ao que qualquer adepto pode ver. No entanto, são exceções, porque a maioria, no século XXI, quando a informação está altamente democratizada pela internet, ainda tem a cara de pau para tentar colocar os adultos debaixo dos lençóis.

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Quando o Carro Vassoura foi criado, não podia imaginar que chegaria onde chegou e se tornaria no que se tornou, o que quer que isto signifique. Mas tudo tem o seu tempo. E aproveitando a término do Giro, chegou a hora de encostar o carro, sem data de regresso. Obrigado por ter feito parte desta viagem.

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