sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Como se junta este pelotão na Volta ao Algarve?

O ciclismo mudou, porque o mundo mudou, e a Volta ao Algarve mudou com eles. Quando se olha para a história da prova, que vai na 42ª edição e disputada ininterruptamente desde 1977, há duas eras: um antes um depois de 2003. Nesse ano, quando o organizador de então esticou a corda e saiu, a Associação de Ciclismo do Algarve pegou nela e a Volta nunca mais foi a mesma.

Em 2003 veio a US Postal com uma equipa secundária, mas ainda assim era a equipa de Lance Armstrong, então já tetra-vencedor do Tour. Depois, em 2004, veio o próprio, com mais três ou quatro formações da primeira linha. Com o passar dos anos, as equipas eram cada vez mais e os ciclistas de nomeada também. Durante um período repetia-se "este ano é o melhor pelotão de sempre". E era.

Alguns, incomodados, diziam que era apenas por causa do sol, porque o Algarve tem sorte. Depois, para desmerecer, diziam que ninguém se interessava pela Volta ao Algarve, apenas vinham treinar. Vejam o pelotão a abrir gás a 50 km da meta de Monchique ou do Malhão e chamem-lhe passeio. Foi preciso tempo para ganhar o nível de aceitação que hoje tem, mas já restam poucos a duvidar: algo está a ser bem feito.

Entretanto chegaram os países árabes e roubaram estrelas ao Algarve e à Andaluzia. Volta a Omã em 2010 e Volta ao Dubai em 2014 juntaram-se à Volta ao Qatar, criada em 02. Aí a Volta ao Algarve perdeu fulgor. Foi também o período em que novas pessoas e entidades entraram na organização e quando mais se sentiu a crise e fecharam os poços sem fundo dos municípios (afinal tinham fundo e já estavam secos há muito tempo). Aí a Volta inverteu o seu rumo. Em 2012 teve transmissão televisiva, em 2013 perdeu a transmissão e perdeu um dia de competição. Durante algumas edições dissemos, com algum lamento, que no ano passado era melhor.

Em 2015 já melhorou e este ano formou-se o melhor pelotão de sempre. São doze equipas do World Tour. Doze das dezoito de primeira categoria! Num canto como o Algarve. Apenas 6% do território da Andaluzia e 2% do território de Omã. Apenas 5% da população da Andaluzia, 16% da população de Omã.

Não vou falar das mudanças que o ciclismo sofreu desde 2003 até 2016 porque isso daria um par de artigos muito maior que este, mas mudou. Todo o tempo é tempo de mudanças e o mundo é de quem melhor se adapta a elas. A Algarvia deixou de ser uma prova para Portugal e orientou-se para o Mundo.

O Algarve está perto de toda a Europa ligada por ar (e mesmo as equipas norte-americanas têm base no centro da Europa); os hotéis são de excelência; a região é brindada pela natureza com um clima de excelência. Mas a isso, a Volta ao Algarve juntou-lhe estratégia, a tal orientação para o exterior.

Se as portuguesas protestam da quilometragem, se acham o contrarrelógio longo, não interessa. Encaixa como uma luva às estrelas e às melhores equipas e, sem rodeios: a prova está orientada para elas. São as estrelas e as grandes equipas que dão nível internacional e atraem o público.

O percurso não está feito para quem deixou de treinar em outubro e está a pensar em agosto. O percurso da Volta ao Algarve insere-se num calendário que tem a pré-época iniciada em novembro, tem competição desde final de janeiro/início de fevereiro e tem os primeiros objetivos da temporada a partir de março. É o calendário World Tour.

As etapas planas estão lá para atrair sprinters e dar rodagem aos voltistas. As etapas mais duras são um excelente teste para os trepadores, mas não tão duras que os sprinters não as suportem. O contrarrelógio é longo o suficiente para que os contrarrelogistas se possam testar mas não tão longo que os restantes sofram demasiado em fevereiro. No global, torna-se uma excelente prova para voltistas.

As partidas e chegadas estão próximas. Há etapas no Barlavento, no Sotavento e no centro, mas sempre com proximidade entre partidas e chegadas para que o staff se possa deslocar tranquilamente. Hoje então foi excelente. Tudo estava concentrado no mesmo local.

O percurso é planeado e coordenado com competência. Não há quedas estúpidas por causa da organização como as que se viu há dias no Qatar e no Dubai (e outra).

As equipas estão hospedadas no centro da prova. Ficam toda a semana no mesmo hotel e nunca estão demasiado distantes da partida ou da chegada da etapa. Na Andaluzia, pela sua dimensão, isto não pode acontecer, obrigado a grandes deslocações. O ambiente é caloroso. Em Omã, pelo seu regime, isto não pode acontecer.

As equipas, dizem, são muito bem tratadas. Por isso repetem. As estrelas, também. Alberto Contador, Tony Martin, André Greipel, Zdenek Stybar, Michal Kwiatkowski, Sep Vanmarcke e muitos outros. Que queiram continuamente repetir a sua presença é o maior selo de qualidade da prova e o maior convite para que outros se queiram estrear. Que dois dos melhores sprinters dos últimos anos se defrontem em Albufeira e os dois melhores contrarrelogistas da década em Sagres, é uma demonstração inequívoca do nível da competição. Que os jornalistas internacionais façam questão de repetir no ano seguinte e não deixem os colegas de redação experimentar, elogia tanto a prova como a região.

Falta visão ao Turismo de Portugal e aos governantes deste país. Deviam ver a cara dos ciclistas, dos seus diretores e assistentes, dos jornalistas e dos adeptos. Belgas, holandeses, ingleses, irlandeses e alemães. Que olham boquiabertos para o encanto do Cabo de São Vicente. Se toda a Europa o visse, quantos milhões de euros traziam?

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