segunda-feira, 21 de março de 2011

10 Pontos para Reformular o Ciclismo


Jonathan Vaughters, director desportivo e CEO da Garmin, também presidente da Associação Internacional de Equipas de Ciclismo Profissionais, tem sido uma das figuras mais interventivas da modalidade nos últimos anos. No sábado foi publicado no site da BBC um artigo (espécie de entrevista) com ele, onde deixou 10 pontos/sugestões para reformular o ciclismo. Por “reformular”, entende-se dar-lhe outra cara, outra forma das pessoas o verem. Concordando ou não com eles, aqui ficam os dez e a minha opinião:



1. Mais corridas de topo fora da Europa
Vivemos numa era em que as fronteiras estão super alargadas, facilmente se viaja pelo mundo (não por todo, mas ok) e todos os dias estamos em contacto com a realidade de todo o planeta. Agora mesmo, sabemos o que se passa no Japão ou na Líbia como se ficasse já ali ao lado e, conscientemente ou não, acompanhamos as modas dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália…
O ciclismo tem que acompanhar essa evolução e esse tem sido um dos objectivos da direcção de Pat McQuaid, presidente desde 2006. Desde então, já tivemos os Mundiais de estrada e de BTT na Austrália (Melbourne 2010 e Camberra 2009), temos os de Cyclocross de 2012 marcados para os EUA, foram criadas no ano passado duas clássicas Pro Tour no Canadá, o Tour Down Under é Pro Tour desde 2008 e para este ano foi criado a Volta a Pequim, que também pertencerá ao PT e terá as melhores equipas do mundo.
Apesar de Tour, Giro, Vuelta, Paris-Roubaix, Milano-Sanremo ou Ronde van Vlaanderen serem clássicas do ciclismo mundial que não devem ter o seu protagonismo e importância beliscados, sobra muito calendário e é com relativa facilidade que as fronteiras do ciclismo poderão ser alargadas, conquistando adeptos de todo o mundo, o que por sua vez irá atrair novos patrocinadores, tanto para equipas, como para provas. Mais interesse por parte dos patrocinadores significa melhores condições de trabalho para todos.

2. Formatos consistentes e compreensíveis para os fãs
Honestamente não sei o que Vaughters considera “compreensível para os fãs”. Se se refere a divisões/ligas mais fechadas, uma espécie de Fórmula 1 de bicicleta, em que determinadas equipas correm as melhores provas, não penso que seja por aí o caminho. Uma liga fechada, como se queria inicialmente o Pro Tour (de 20 equipas + 2 convidadas em grandes voltas e 4 noutras provas) tem vantagens, mas penso que as desvantagens são esmagadoramente mais pesadas na balança. Por um lado, colocaria os melhores do mundo mais vezes em competição directa e haveria mais rivalidades entre as equipas (o que tornaria maior a relação entre equipas e adeptos) mas mataria o ciclismo nacional. Quanto me refiro a “ciclismo nacional”, não me refiro ao português, mas sim a todo o ciclismo de categoria nacional. As equipas não-Pro Tour seriam claramente esmagadas, o que mataria por arraste as provas de cariz nacional, seja em Portugal, Espanha, França, Itália, ou onde for. Penso que o ciclismo francês (que à primeira vista pode parecer muito seguro pelo Tour e todas as grandes provas que naquele país se disputam), seria dos mais afectados.

3. Garantia de entrada a longo prazo no Tour para equipas profissionais
No seguimento do ponto anterior, também esta medida é demasiadamente ao estilo do desporto norte-americano (NBA, NHL, NFL, MLB), tornando muito poderosas umas equipas e muito frágeis outras. Tal como no ponto anterior, penso que existiram benefícios mas seriam mais significativas as perdas.

4. Maior esforço na prevenção ao doping em primeiro lugar, em vez de caças batotas
Julgo que o combate ao doping merece uma análise mais profunda do que aquela que foi dada aos três pontos anteriores e será dada aos seis seguintes. Por isso mesmo, ficará para outra altura (em breve).

5. Mais contra-relógios colectivos
Os contra-relógios colectivos colocam o ciclismo a outro nível, deixando de ser um desporto individual disputado com equipas e passando a ser exclusivamente de equipas. Confuso? Talvez.
Alguns destes 10 pontos que Vaughters sugere podem parecer caídos do céu quando olhados separadamente, mas ganham sentido quando observados em conjunto, concorde-se ou não com eles. Criado uma liga fechada e colocando determinadas equipas com presença assegurada nas principais corridas durante muitos anos, aumentar-se-ia a já mencionada relação equipa-adepto. Com base nisso, os contra-relógios colectivos ganhariam uma nova força e interesse para o adepto, aumentado a rivalidade entre conjuntos.
Como já disse, os contra-relógios colectivos colocam o ciclismo a outro nível, o que tem o seu “lado mau”. Torna-se injusto que uma prova de 21 dias, em que vinte dos quais são sobretudo individuais com a ajuda de colegas, tenha um dia em que a equipa é tudo, deixando aqueles que têm uma equipa mais débil em clara desvantagem para a classificação… individual.
Uma solução seriam contra-relógios por equipas extra-voltas, como o que foi criado em 2005 juntamente ao Pro Tour e se disputava em Eindhoven. Esse acabou por não resultar, mas se fossem lançados de outra forma, será que não resultava? Por exemplo, um CRE antes do Tour Down Under, ou da Volta a Califórnia, ou de outra prova qualquer, CRE esse que não constaria para a classificação da prova mas serviria como apresentação da mesma, com os ciclistas que a disputariam a partir do dia seguinte. Ou ainda um Campeonato do Mundo de CRE, disputado por selecções (obviamente), além do tal CRE Pro Tour, disputado por equipas, semelhante ao que existia em Eindhoven.

6. Inovação técnica, como câmara nas bicicletas, dentro dos carros, capacetes e dentro dos autocarros
Medida com o claro e exclusivo objectivo de colocar o telespectador mais por dentro do que se passa dentro da corrida. O que se perderia? A meu ver, não se perderia nada e o telespectador ganharia realmente essa sensação de estar por dentro do que se está a passar.

7. Inovação de equipamento para ver se as equipas mais inteligentes ganham mais vezes frente às mais fortes
Quanto mais competitividade existir, melhor para o espectáculo. A NBA e as polícias que pratica para ter esse equilíbrio são um bom exemplo, mas não é preciso sair do ciclismo para ter exemplos daquilo que falámos. Por muito que se goste de Cancellara, torna-se monótona a forma como ganha (quase) sempre os contra-relógios, tendo o controlo da situação desde o primeiro ponto intermédio. Acontece o mesmo quando há um ciclista que ganha (quase) sempre que se trata de alta montanha ou de provas por etapas, como acontecia com Armstrong no Tour (digo eu, adepto confesso).
De qualquer forma, convinha Vaughters dizer em que aspectos se poderia inovar no equipamento para este equilíbrio acontecer. Curiosamente, a eliminação de auriculares foi decidida com esse objectivo em mente e, em vez de uma inovação, trata-se de uma regressão.

8. Abrir os rádios ao público e ouvir o que a equipa favorita está a fazer
Por um lado, pode parecer estranho e com um toque a “espionagem”, já que todos saberiam o que os adversários dizem. Foi isso que pensei à primeira vista mas, analisando uma segunda vez, é isso que se passa em tantos e tantos desportos populares. Por exemplo, quando os treinadores de futebol gritam para dentro do campo ou os treinadores de basquetebol pedem desconto de tempo e os microfones e câmaras televisivas nos vão colocar a par da conversa, ou quando um saltador ou lançados (de atletismo) vai junto do público ouvir as recomendações do seu treinador com uma câmara atrás… Realmente, seria contra aquilo que estamos habituados no ciclismo, mas poderia ser uma boa medida.

9. Acompanhamento dos ciclistas por GPS para tornar as provas mais divertidas de ver
Já se foi o tempo em que, pelo menos na Vuelta, todos os dias havia dois ou três ciclistas dos quais se sabia, pela cobertura televisiva, como iam em termos cardíacos. Não sei porque isso deixou de acontecer mas, apesar de ser engraçado, não passava disso mesmo. Não acho que traga um benefício e divertimento por ir além.

10. Uma interessante e consistente forma para determinar o melhor ciclista e melhor equipa do mundo
Vaughters acrescentam que poderia, inclusive, obrigar os ciclistas a correr determinadas provas como Paris-Roubaix e, caso não terminassem, seriam reduzidos pontos. Uma vez que não imagino os grandes voltistas a abdicar da sua preparação para ganhar essa competição, penso que seria excessivo a acabaria por eliminar as hipóteses de sucesso da mesma.
De qualquer forma, concordo que é importante ter um método interessante e consistente de encontrar os melhores do mundo de cada ano. Consistência é precisamente algo que tem faltado, pois nos últimos anos já tivemos um Pro Tour com as melhores provas, depois sem as grandes voltas e maiores clássicas e agora (que se chama World Tour) têm as grandes voltas integradas mas continua a pecar por não ter todas as provas e apenas os ciclistas de equipas Pro Tour (ou World Tour) entrarem para as contas.
Julgo que a forma mais justa de encontrar o melhor do mundo é contabilizar todos os ciclistas e todas as provas (obviamente com umas a darem mais pontos do que outras), à semelhança do que acontece no CQ Ranking. A prestação de Thomas Voeckler no Paris-Nice, vencedor de duas etapas, não pode ser ignorada para este ranking, ainda que o francês não termine nos vinte primeiros. O quarto lugar de Taaramae, tão-pouco pode ser deixado de fora porque o ciclista não é de uma equipa World Tour.
Actualmente, o ranking mais importante e tido em conta pelos adeptos para considerar quem é o melhor ciclista do mundo, é alheio à UCI.

Como é perceptível, existem pontos em que concordo com Vaughters, outros que nem tanto, mas todos têm a sua lógica, que é algo que tantas vezes tem faltado a quem dirige o ciclismo mundial. Só através do debate se pode melhorar, seja no desporto ou em qualquer outra área, seja no ciclismo ou em qualquer outro desporto, seja a nível internacional ou nacional.
Brevemente pegarei em temas e sugestões que tenho e não foram abordados desta vez.

*****
A Milano-Sanremo for marcada por uma queda a 90 quilómetros da meta que deixou apenas cerca de cinquenta ciclistas na frente. A partir daí, tudo foi diferente do que se poderia esperar e, sem um pelotão que comandasse, era mais fácil que um ataque vingasse nos quilómetros finais. Assim foi, formou-se um grupo de apenas oito na frente e, curiosamente, acabou por vencer um sprint, Matt Goss. Os últimos 10 km podem ser vistos aqui e depois aqui. Ali ao lado, onde diz “Ciclismo no Youtube”, está o canal mais completo que existe, com vídeos de quase tudo o que podem imaginar no que toca a provas de 2011.

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