Na semana passada, mencionei os 10 Pontos para Reformular o Ciclismo apresentados por Jonathan Vaughters, analisei e, a certa altura, disse que alguns dos “10 pontos que Vaughters sugere podem parecer caídos do céu quando olhados separadamente, mas ganham sentido quando observados em conjunto, concorde-se ou não com eles”. Pois bem, poucas horas mais tarde, o CyclingNews noticiou o interesse de 11 das maiores equipas mundiais em criar uma liga privada, fora da UCI. A pensar nisso, no meu último texto sugeri a leitura de um texto de 2007 da autoria de Manuel José Madeira, que já na altura falava nesta possibilidade. Hoje, falarei eu.
A criação de uma liga privada de ciclismo, à semelhança do que acontece com a Fórmula 1 ou nos EUA com a NBA (que está fora da federação internacional de basquetebol), traria vários benefícios para o ciclismo, mas também vários aspectos negativos. No entanto, antes de esta Liga se tornar uma realidade, vários entraves têm que ser ultrapassados.
Como funcionaria essa liga privada?
Um dos objectivos da criação de uma liga privada seria retirar poder à UCI, passando a ser as equipas que dessa liga fizessem parte (talvez com as organizações também) a decidir as regras quanto a tudo, incluindo a divisão do dinheiro proveniente das transmissões televisivas. Visto isto, é mais do que provável que a UCI boicote esta liga não permitindo que as equipas UCI participem em provas da nova liga e as provas UCI não recebam equipas da liga. Assim sendo, muito ao género da F1, a liga seria composta por 20/22 equipas que competiriam em grandes provas. Tour, Giro, Vuelta, Roubaix, Liège… não sei, mas mesmo que fossem provas novas, rapidamente obteriam destaque mediático e importância por contarem com os melhores ciclistas do mundo.
Quem pretende este modelo e porquê?
Uma liga que garante às equipas a presença nas principais provas durante 4 ou 5 anos, a quem agrada? Às grandes equipas, claro. Pensemos no caso da Geox, que tem ciclistas com a qualidade de Menchov e Sastre, que tem um orçamento de 50 milhões para 5 anos mas não correrá este ano o Tour e não sabe como será no próximo ano. Esta situação é boa para os patrocinadores que lá meteram os milhões? Não, é horrível! E se não é bom para os patrocinadores, não é bom para as equipas, equipas essas que teriam as negociações com os possíveis patrocinadores muito facilitadas se pudessem apresentar uma lista de provas com garantia de disputar e mercados a penetrar.
Este modelo beneficia sobretudo as grandes equipas, com patrocinadores internacionais que pretendem destaque em todo o mundo, como a Garmin, HTC, Sky, Saxo Bank, Quick Step ou BMC. Há ainda outros patrocinadores que, apesar de não estarem presentes em todo o mundo, ganham notoriedade nos seus países com o destaque que conseguem além fronteiras, como a Rabobank ou a Lotto. Dependendo de quem tiver como patrocinador principal em 2012, a Radioshack pertencerá a um ou outro dos grupos anteriormente mencionados, mas certamente Bruyneel (que é das pessoas mais activas no mundo do ciclismo e dos maiores críticos da UCI) quererá fazer parte desta liga.
Quem sairá a perder com este modelo?
Quase todos os que ficam de fora dele. Enquanto Cofidis, Europcar ou FDJeux podem competir no Tour e restantes grandes provas francesas com o actual World Tour através de convite. Com uma liga privada, tal não será possível, pelo menos nos primeiros tempos, pois é de esperar que a UCI boicote tal situação.
Também as provas que ficarem de fora desta liga seriam gravemente prejudicadas, pois deixariam de contar com as melhores equipas e ciclistas mundiais. A Volta ao Algarve, por exemplo, deixaria de ter o pelotão que tem (a partir de aqui, a esmagadora maioria dos leitores deverá ficar contra esta ideia).
Com as provas que ficassem na UCI a perder mediatismo, também as equipas que só nelas competem veriam o seu destaque na comunicação social reduzido, pois são os Contadores, Cancellaras e Cavendishs que atraem a comunicação social internacional e boa parte da nacional (não apenas em Portugal).
Seria positivo ou negativo?
Por um lado, teríamos um leque de super equipas, com os seus patrocinadores satisfeitos por estarem garantidos nas provas mais mediáticas e que sabiam com o que contar, podendo as equipas oferecer melhores condições aos seus ciclistas. Por outro, teríamos a miséria do ciclismo UCI, sem os melhores ciclistas, sem as melhores equipas e com as suas provas a perderem interesse e qualidade. Nós, portugueses, teríamos um excelente espectáculo na televisão mas o empobrecimento nas nossas estradas. No resto da Europa, o mesmo aconteceria. Caja Rural, Andalucia, Saur Sojasun, Acqua & Sappne, Volta à Andaluzia, Volta a Múrcia, Volta ao Mediterrâneo…
Quem tem poder de decisão?
Como não vejo nenhum motivo para as principais equipas não aceitarem uma liga privada, acho que facilmente se encontrariam 20 ou 22, número ideal para arrancar com o novo modelo alheio à UCI. A decisão passa assim para as mãos dos organizadores. A ASO (Tour, Vuelta, Roubaix, Nice, Dauphiné Libéré, Liége, Fleche Wallone, Critetrium Internacional, Qatar, Omã e Paris-Tours), RCS Sport (Giro, Milano-Sanremo, Tirreno-Adriático e Strade Bianche) e Flanders Classics (Flandres, Gent-Wevelgem, Omloop Het Nieuwsblad, Dwars door Vlaanderen, entre outras). Se estes três organizadores aceitarem fazer parte deste novo projecto, então haverá grandes probabilidades de avançar. Mas será que essas organizações estão dispostas a deixar “morrer” as equipas dos seus países que não tiverem capacidades para pertencer à elite? É que não estou mesmo a ver a UCI permitir que uma equipa sua filiada participe numa prova rebelde, pelo menos nos primeiros anos.
O que poderá atrapalhar o avanço disto?
Mesmo que haja equipas suficientes a reunir interesse e condições económicas para pertencer à liga da elite, mesmo que ASO, RCS Sport e Flanders Classics estejam interessadas, isso não chega. Para se correr de Fevereiro até final de Outubro, são necessárias muitas mais provas. Vejamos só o calendário da Saxo Bank ou da Leopard (que são dos mais fáceis de ver na internet). Mesmo que se reduza o calendário até início de Outubro, faltam muitas provas. Mesmo que deixe de haver três provas ao mesmo tempo, ficam a faltas provas e não será assim tão fácil montar uma corrida de topo, com todo o orçamento que é necessário, a não ser que o interesse televisivo aumente significativamente, o que até poderia acontecer.
Por agora, existem muitas dúvidas e poderá que seja só um boato, mas acompanharei este tema com muito interesse, pois poderá mudar toda a estrutura do ciclismo.
Alguém se atreve a opinar?
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Este fim-de-semana, correu-se a E3 Prijs Vlaanderen (Grande Prémio de Flandres E3) e a Gent-Wevelgem. Alguns dos favoritos optaram por correr no sábado, como foi o caso de Fabian Cancellara, que furou a 70 km da meta, reentrou, atacou a 30 km do final, alcançou os fugitivos, voltou a atacar e ganhou. Numa palavra: arrasou! Outros, principalmente os sprinters, optaram por correr a Gent-Wevelgem, onde Boonen saiu vitorioso ao deixar Bennati e Farrar nos restantes lugares do pódio. Para a Ronde van Vlaandren (Tour des Flandres), Fabian Cancellara é o mega favorito e mesmo nas casas de apostas está com um favoritismo nunca visto para este tipo de provas.
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Cá dentro, no GP Costa Azul, quase que os portugueses levavam a banhada, com um ciclista da Orbea a ganhar a primeira etapa, um russo da Itera-Katusha a vencer a segunda e Filipe Cardoso (Barbot) a ganhar a última e a classificação geral. Com as poucas provas que existem em Portugal, as equipas nacionais não podem deixar passar as oportunidades que têm. (Se parecer que devia falar mais do ciclismo português… calma. Haverá mais em breve).
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Este fim-de-semana, decorreu também o Criterium Internacional, onde Frank Schleck venceu e Tiago Machado foi 5º, uma grande prestação a juntar à de Manuel Cardoso na Volta à Catalunha (vencida por Contador no final), com o sprinter português a vencer uma etapa e a ter mais um 2º e um 3º lugares. Como já disse, é a melhor geração de ciclistas portugueses de sempre e disso falarei no próximo artigo. Até lá, podem adicionar a página no Facebook que foi criada e, se tiverem conta no Blogger, carregar ali ao lado onde diz “seguir”.
A Volta ao Algarve não tem potencial para fazer parte desse circuito mundial?
ResponderEliminarEm relação ao destaque, não sei como é no estrangeiro. Mas em Portugal, uma liga com essas características daria muito mais projecção ao ciclismo. Afinal, a NBA tem mais projecção em Portugal que o basquetebol caseiro, e penso que não há jogadores portugueses envolvidos lá. (Corrija-me se estiver enganado; por acaso até nem sou adepto de basquetebol.) A nossa CS praticamente só dá notícias de ciclismo quando há algum escândalo ou quando algo está ligado ao escândalo. Ainda há dias o "Record" só continha uma notíca de seis linhas, numa coluna, sobre ciclismo, para comunicar umas jornadas sobre o problema da ética e das drogas desportivas no Ciclismo, jornadas patrocinadas por uma empresa de seguros cuja equipa esteve largamente envolvida num problema desses... E provas, nestes dias não houve provas de ciclismo?
Por outro lado, é necessário saber como é que o basquetebol, por exemplo, reage à NBA. Nos EUA o restante basquetebol tem poder mediático? É pobre, não tem patrocínios? Não há equipas de basquetebol além da NBA? Isso daria uma ideia mais realista sobre o possível impacto pela criação de tal liga sobre as equipas nacionais de ciclismo.
Mas, na minha modesta opinião, uma liga dessas atrairia mais pessoas para o ciclismo. Hoje em dia, tirando as grandes voltas, poucas são as pessoas que conseguem perceber alguma coerência competitiva no meio de tanta prova.
Não, a Volta ao Algarve não tem condições monetárias para estar entre a elite, pelo menos por agora e sendo organizada em part-time.
ResponderEliminarUma diferença entre a NBA e esta liga (caso seja criada) é que a NBA é apenas dos EUA e as equipas europeias conseguem coexistir (nos países em que existe vida para além do futebol). Nesse aspecto, esta liga teria mais a ver com a F1. Existe corridas do género da F1 sem ser a F1? Existe, mas muito pobres, comparativamente à F1.
Como eu disse no artigo, seria muito positivo para as melhores equipas e melhores provas mas muito mau para as outras. O problema está em analisar o impacto da alteração num ponto de vista global e eu, por agora, mantenho-me imparcial. Nem a favor, nem contra.