Há cerca de quatro semanas, nos últimos artigos aqui escritos, referi que estamos na presença da melhor geração de ciclistas portugueses de sempre. Bom, admito que não sou propriamente do tempo de Joaquim Agostinho, mas olhando para a história, não encontro registo de tantos ciclistas portugueses com tanto potencial a correr em simultâneo como os que vemos agora.
Para tornar este tema mais pertinente, estamos na ressaca de duas excelentes prestações de tugas, o segundo lugar de Tiago Machado no Giro del Trentino e a vitória de Amaro Antunes na Taça das Nações em Itália. É altura de analisarmos como estamos, a que se deve e o que devemos fazer para manter esta situação. Mas comecemos por falar de alguém que, apesar de já não correr, é um dos grandes responsáveis pelo actual estado de graça de alguns ciclistas portugueses.
Como estamos
Na sua passagem pelo estrangeiro, José Azevedo foi coleccionando lugares e prestações que lhe poderiam valer a liderança em muitas das equipas de 1ª Divisão (não havia Pro Tour), mas não foi isso que aconteceu. Quer na ONCE, muitas vezes por embirração de Manolo Saiz, quer na US Postal, porque havia Lance Armstrong, nunca teve grandes oportunidades de brilhar como merecia. Hoje, curiosamente, é o responsável por boa parte das oportunidades que existem para os ciclistas portugueses. Sejamos francos, nos últimos 10 anos houve muitos portugueses que tinham capacidade para irem para o estrangeiro e não foram porque eram portugueses. Não digo que houve portugueses com a qualidade e potencial de Tiago Machado para grandes voltas ou sprinters como Manuel Cardoso, mas houve portugueses que poderiam ter tido sucesso no estrangeiro, ou, pelo menos, mais do que aquele que tiveram. Uma equipa espanhola, entre um português e um espanhol de qualidade semelhante, escolhe o espanhol, uma equipa italiana escolhe o italiano, uma equipa belga escolhe o belga… é perfeitamente compreensível e aceitável.
Hoje existem quatro na Radioshack, uma das equipas mais potentes. Não nego a qualidade de nenhum deles mas tenho a certeza de que, sem José Azevedo, nem todos estariam numa equipa tão boa. Basta ver o exemplo de Nelson Oliveira que, mesmo depois de ser segundo nos mundiais sub-23 de contra-relógio, não conseguiu melhor do que a Xacobeo e, em parte, porque já no ano anterior tinha corrido na Galiza.
Hoje a Radioshack junta um gregário experientíssimo como Sérgio Paulinho (mesmo tendo ganho uma etapa no Tour, não mostra ambição para mais do que ser gregário), um dos melhores sprinters da actualidade, Manuel Cardoso, um contra-relogista de excelente qualidade que terá no futuro aquilo que permitir a sua evolução noutros terrenos, Nelson Oliveira, e um ciclista que poderá disputar os lugares cimeiros de grandes voltas já este ano, Tiago Machado.
À parte disso, Rui Costa está na Movistar, é outro ciclista com provas dadas a nível internacional e que tem tudo para voltar a discutir provas importantes e a vencer. A outro nível, há Bruno Pires na Leopard e José Mendes na polaca CCC. Dizem que Pires está na Leopard porque estes queriam um português (talvez efeito de Ricardo Scheidecker, português que faz parte da direcção da equipa) e Mendes está na CCC porque, após a barraca da Liberty Seguros, foi salvo de ir para o desemprego pela Velofutur, agência que gere a sua carreira e trabalha com a equipa polaca. De qualquer forma, é sempre bom ver que portugueses estão em boas equipas (mais a Leopard do que a CCC, claro) e desejo-lhes tudo de bom.
Por cá, vários portugueses têm qualidade para se bater com os melhores do mundo. Ricardo Mestre tem uma capacidade de recuperação aliada aos dotes de trepador que lhe permitiam correr para qualquer grande líder em qualquer grande volta; André Cardoso, além de ser o trepador que é, tem espectacular endurance que tem demonstrado em Mundiais (como se fizesse várias corridas de 250 km por ano, que não faz); Hernâni Brôco mostrou grande parte da sua qualidade na última Volta a Portugal (melhor teria feito se fosse a aposta desde início). Outros, como Amaro Antunes ou Rafael Reis, ainda têm um longo caminho de evolução, mas aparentam potencial para também eles chegarem muito longe.
A que se deve esta boa situação
Assim é como estamos. É cada vez mais notório que existe capacidade no ciclismo português para formar ciclistas de grande qualidade. O que vemos hoje é o reflexo da formação dos últimos 5 ou 6 anos e não penso que nesse período se tenha trabalhado melhor do que nos anos anteriores. Sou um confesso crítico de muitas das opções que se têm feito nos últimos anos no que a selecções diz respeito e a boa prestação de um não me impede de ver o que existe para além disso. Não me esqueço, por exemplo, que a medalha de prata de Atenas foi conquistada depois de Sérgio Paulinho andar voltas e voltas a tentar levar Cândido Barbosa para a frente, porque o Cândido é que era o líder (conseguir a prata foi excelente mas, sem esse esforço desnecessário, não teria sido melhor?).
O que há agora de novo é um conjunto de condições para que estes valores emigrem e a sua manutenção não depende de quem dirige o ciclismo em Portugal ou de quem nele está envolvido. Felizmente, a evolução de Tiago Machado, Manuel Cardoso, Nelson Oliveira e Rui Costa não depende do estado do ciclismo em Portugal e poderão manter-se no topo independentemente das condições que ofereçam as equipas nacionais àqueles que por cá permanecem. Não dependem do apoio de empresas portuguesas nem do próprio estado.
O que devemos fazer
Apesar de, no meu entender, a boa situação que vive o ciclismo português neste aspecto ser independente ao que por cá se faz, a mesma pode, deve e tem que ser aproveitada para o benefício da modalidade em Portugal. A comunicação e relações públicas da FPC estão demasiado pobres. Se entrarmos no site da federação espanhola e depois no site da federação portuguesa, o choque é brutal. Se o dinheiro que se gasta agora para um jornalista acompanhar a selecção nos mundiais (e dar pouquíssimo destaque enquanto lá está e não há provas), for dedicado ao gabinete de comunicação, acredito que consigam um relações públicas que faça um trabalho muito superior ao que até agora tem sido feito.
Por outro lado, e apesar de não depender só de si, os jornalistas que gostam verdadeiramente de ciclismo devem esforçar-se para dar destaque às prestações destes corredores. Principalmente quem consegue sempre as “fugas de informação” prejudiciais para a modalidade, tem mais responsabilidade na hora de aproveitar a situação que temos agora. É inadmissível que a notícia da vitória de Manuel Cardoso na Volta a Catalunha seja acompanhada por uma fotografia de Alberto Contador.
Além dos órgãos de comunicação social generalistas e desportivos, também os especializados deveriam ter um papel importante. Quando no final de 2009 dei por encerrado o Ciclismo Digital por falta de tempo, o Jornal Ciclismo cobria bem a actualidade do ciclismo português. Actualmente, é um espaço de lavagem de roupa suja e ataques gratuitos a toda a gente e, desde que o seu dono deixou de estar responsável pelas comunicação da federação, dá mais destaque a cicloturismo e provas internacionais de menor dimensão do que ao que por cá se faz. Por exemplo, apesar das Taças de Portugal de cadetes e juniores serem disputadas no mesmo dia e no mesmo local, o JC faz copy-paste da federação relativamente à prova de juniores mas não da prova de cadetes. Daria assim tanto trabalho copiar a outra também? É mais importante a vitória de Andrea Guardini na 1ª etapa da Volta à Turquia? Quantos sabem quem é Andrea Guardini?
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