Terminou ontem a Volta a Itália, a segunda vencida por Alberto Contador, que já ninguém duvida, é um dos melhores da história do ciclismo moderno. Mas este foi também o Giro de Gadret, do regresso de Rujano, da revelação de Kruijswijk e da estreia de Tiago Machado a este nível. Foi também um Giro muito mal organizado, marcado negativamente pela morte de Wouter Weylandt e que espera uma decisão do TAS para saber quem é o vencedor definitivo.
O domínio de Contador na montanha foi avassalador, dos sprinters já ninguém se lembra, apareceram alguns ciclistas a ter em conta para o futuro, reapareceram outros e a nós interessou principalmente a participação de Tiago Machado, da qual podemos retirar pontos positivos e negativos.
O Domínio de Contador
O 2º Giro de Alberto Contador, a 6ª grande volta que o espanhol vence. Quando atacou na chegada a Tropea, num final plano, para ganhar uns segundos, colocou toda a gente em sentido e no dia seguinte confirmou a sua boa forma a subir o vulcão Etna. Denis Menchov e Joaquin Rodríguez perderam nesse dia tempo significativo para quem queria lutar pelo pódio e, mais importante ainda, deram indicações de que não chegavam ao Giro nas melhores condições. Há dois erros muito comuns, crassos e definitivos que se podem cometer numa prova de 3 semanas: entrar em excelente forma e entrar com falta de ritmo. Ok, é algo básico, que qualquer pessoa sabe, mas por isso mesmo custa mais ver dois ciclistas tão experientes a comete-lo.
Igor Antón, Christophe Le Mevel e Vicenzo Nibali foram o contrário – entraram muito bem e foram decaindo. O espanhol ganhou no Monte Zoncolan mas, a partir daí, foi perdendo tempo aos potes e a possibilidade de lutar pelo pódio, Le Mevel discutiu todas as primeiras etapas e chegou a andar perto da camisola rosa mas também só durou até ao primeiro dia de descanso e Nibali, não tendo uma quebra tão importante, perdeu na segunda metade da prova a oportunidade de chegar ao segundo lugar, depois de na primeira ter parecido mais forte do que Scarponi e ter teórica vantagem para o contra-relógio final.
Contador foi claramente o mais regular e mais forte e a sua vitória não merece contestação. Scarponi não foi tão forte mas também foi extremamente regular e conseguiu um excelente segundo lugar, que poderá transformar-se em primeiro se o TAS decidir suspender Alberto Contador pelo que aqui já várias vezes foi falado. Como é claro, espero que tudo fique igual.
As Revelações
John Gadret já se tinha exibido a bom nível no Giro de 2006, quando teve que desistir por queda, mas desde então apensas conseguiu subir com os melhores em poucas ocasiões, foi uma da grandes e boas revelações deste Giro, terminando no quarto lugar. No ano passado tinha sido 13º e, sem a famosa fuga de L’Aquila, poderia ter terminado entres os dez melhores. José Rujano voltou aos seus melhores dias e foi dos mais regulares na montanha. Ao que parece, deixou a vida boémia.
Steven Kruijswijk foi outro que surpreendeu, sem fugas e com uma extrema regularidade e capacidade. Terminou no 9º lugar e, antes de cumprir 24 anos, parece que temos aqui outro holandês para brilhar em grandes voltas, a par do seu compatriota e colega de equipa, Robert Gesink.
À entrada do top-10 e com a ajuda de algumas fugas, Mikel Nieve, Hubert Dupont e Dario Cataldo também realizaram boas provas, ainda que sem mostrar qualidade para mais do que isso, pelo menos por agora.
O Giro de Tiago Machado
Muita expectativa sobre a prestação de Tiago Machado havia e sobre isso escrevi que, ainda que não se pudesse colocar sobre si nenhuma responsabilidade, era legítimo que ele e todos nós tivéssemos muitas expectativas. Ora, o Tiago entrou em prova muito bem, com um segundo lugar no contra-relógio colectivo que permitia sonhar com a camisola rosa, mas rapidamente se foi a estrelinha da sorte. O Tiago perdeu logo 3 minutos na 5ª etapa por uma queda em sterrato (gostam mesmo desta “invenção”, que não dá espectáculo nenhum?) e depois perdeu cerca de três minutos mais em etapas que não deveria perder. Perder tempo em etapas de montanha, quando todos perdem (uns mais, outros menos), é o normal, perder em etapas de média montanha, não tanto para alguém que pretende fazer uma boa geral. Sem esse tempo perdido (que seria o normal de acontecer), poderia ser 16º. Claro que se formos entrar com “ses” para cada ciclista, também outros teriam feito melhor… ok, vocês entendem o que quero dizer.
A preparação realizada para esta prova talvez não tenha sido a melhor e o certo é que o Tiago que tivemos no Giro não foi o melhor que tivemos durante esta temporada, mas estou certo que, com uma preparação correcta, poderá lutar por lugares no top-10 muito em breve. Um dos principais pontos positivos que retiro desta participação do Tiago é o nono lugar registado no último contra-relógio. Num Giro tão duro, é normal que entre os primeiros deste contra-relógio estejam ciclistas como Alex Rasmussen, Richie Porte ou Jos Van Emden, boas conta-relogistas que não andaram a top na montanha e por isso chegaram ao último dia mais frescos fisicamente. Entre aqueles que se empenharam na montanha, Tiago Machado foi o segundo melhor, apenas superado por Contador, e nos 30 primeiros poucos mais houve (Nibali, Kreuziger, Scarponi, Kruijswijk e Cataldo). Que conclusões se retiram daqui: que recuperou muito bem ao longo das três semanas e pode ser um grande voltista. Por tudo isto, o balanço que faço da sua participação, é positivo. Não digo que foi excelente, mas foi positivo.
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Que uma prova como a Volta a Itália tenha mudanças de percurso como a do Monte Crostis (na noite anterior à suposta passagem), durante a própria etapa (como nesse mesmo dia do Zoncolan a 40km do fim) ou como aconteceu com o contra-relógio, é inaceitável.
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Quando se tem na equipa Mark Cavendish, não pode haver espaço para outro líder. Quando os comentadores da Eurosport falam no elevado número de desistências na HTC e na consequente falta de apoio para Siutsou, na altura em quinto lugar da geral, esquecem-se de três factores importantes: 1) uma ou duas vitórias em etapas são mais importantes do que lutar por um 5º lugar sem se destacar em etapas; 2) à partida era muito mais provável que Cavendish ganhasse uma etapa (venceu 2) do que Siutsou ficasse nos dez primeiros (terminou em 10º); 3) Cavendish era o líder e a equipa que foi ao Giro foi a pensar nele.
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Na corrida de homenagem ao Bruno Neves, Sérgio Ribeiro foi o mais forte, no dia seguinte venceu as duas etapas do Troféu Concelhio de Oliveira de Azeméis. Não sei quantas vitórias já leva a Barbot este ano, mas estão a fazer uma belíssima temporada. Na Volta a Portugal se verá.
Mais do que um grande ciclista, perdeu-se uma pessoa muito querida no pelotão e certamente também fora dele. À família e amigos de Xavier Tondo desejo toda a força do mundo para ultrapassar a perda.
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