quinta-feira, 28 de julho de 2011

Volta a Portugal low cost

A Volta a Portugal que dentro de uma semana começa é, muito provavelmente, a mais barata dos últimos dez anos ou, pelo menos, é o que parece ao olharmos para o pelotão presente. Enquanto há dez anos atrás havia nove equipas portuguesas e entre as estrangeiras convidadas estavam algumas das melhores do mundo (ainda que sem as principais figuras), este ano há apenas quatro equipas portuguesas, estrangeiras que apenas trazem o refugo e outras das quais ninguém ouviu falar.

Tornou-se impossível falar de ciclismo português sem falar de crise e, pior do que isso, não se deslumbram sinais de melhora. Este artigo não é uma apresentação à Volta a Portugal 2011. É uma análise ao estado que a prova chegou.

As equipas presentes

As diferenças entre o pelotão da Volta a Portugal de 2001 e de 2011 são notórias. Em 2001 havia nove equipas portuguesas (que apresentavam uma ridícula média de apenas 4 portugueses por equipa) e entre as estrangeiras estavam algumas da melhores do mundo, sobretudo dos países geograficamente mais próximos, como as espanholas ONCE, iBanesto, Kelme, Jazztel e Euskaltel, as italianas Fassa Bortolo, Saeco e Lampre e a francesa Festina. Apesar de não se apresentarem nas suas máximas forças, eram equipas que disputavam Giro, Tour e Vuelta, traziam alguns ciclistas que costumavam estar nessas provas e por isso eram motivo de interesse. A Volta a Portugal deste ano terá apenas quatro equipas portuguesas (mais a Selecção Nacional) e entre as estrangeiras destacam-se Lampre e Acqua & Sapone. Depois delas, talvez a Andalucia e… Katusha Continental. Não, não é por engano que considero a Katusha Continental a quarta equipa mais interessante entre as estrangeiras desta Volta, à frente da Farnese Vini ou da Caja Rural, que até são de escalão superior.

Rui Sousa e Hernâni Brôco são dois dos favoritos
para a Volta 2011
Existem três tipos de adeptos da Volta a Portugal: os adeptos de ciclismo que acompanham a modalidade durante todo o ano e há tempo suficiente para conhecerem bem os seus intervenientes; os adeptos que apenas seguem a Volta a Portugal e o Tour; e os adeptos de desporto em geral que olham para a Volta de vez em quando. Temos que ter isso em conta e não nos podemos esquecer que a Volta é a festa do povo mas o povo em geral, os adeptos que apenas seguem a Volta e o Tour, não andam na internet a acompanhar os resultados das provas secundárias em Itália ou Espanha, não sabem que Guardini já tem nove vitórias este ano e cinco delas foram quase consecutivas, na Malásia, no Tour de Langkawi Aliás, a esmagadora maioria dos adeptos da Volta a Portugal nunca deve ter ouvido falar no Tour de Langkawi e não se interessa pela Volta à Turquia.

Isto não serve, de forma alguma, como crítica aos adeptos. Este artigo não tem nada disso. Este palavreado todo serve apenas para explicar o porquê desta Volta a Portugal não interessar tanto a esses adeptos, que, de entre as equipas estrangeiras, deverão conhecer apenas a Lampre por ser uma equipa histórica da Volta e das grandes provas e a Acqua & Sapone por ser uma histórica do ciclismo internacional. Tal como disse, a Katusha Continental pode até ser mais atractiva do que a Farnese Vini ou a Caja Rural, pois apesar de ter uma equipa teoricamente mais fraca, o nome “Katusha” tem estado presente no Giro, Tour e Vuelta desde 2009. As duas equipas funcionam em espécie de equipa principal e equipa B mas pelo menos o nome sempre poderá ser mais familiar do que Farnese Vini e Caja Rural. Quem lê este artigo talvez ache estranho o que digo mas, se está a ler isto, é porque utiliza a internet como forma de saber um pouco mais sobre ciclismo e portanto já faz mais do que ir ver passar os corredores no dia da Senhora da Graça ou da Torre. Agora coloque-se no papel do já referido típico adepto da Volta… não tenho razão?

Isto também não é uma crítica à organização pelas equipas escolhidas. Não gosto do pelotão que estará presente mas não sei se há condições para mais.

11 etapas são poucas?
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A tradicional desculpa de que, com apenas 11 etapas, é impossível percorrer o país de Norte a Sul não tem qualquer sentido. Como sabem, não gosto de dar trabalho aos leitores e é por isso que aqui em cima estão os mapas das últimas três Voltas a França. França é 7 vezes maior que Portugal, tem apenas o dobro das etapas e a cada três anos consegue passar por todas as regiões do país. Desculpem trazer para aqui a matemática, mas façamos alguns (poucos) cálculos: três Voltas a França têm 63 etapas, equivalem a 6 Voltas a Portugal e são suficientes para cumprir um país sete vezes maior. Cabe na cabeça de alguém que onze dias não são suficientes para passear o pelotão por todas as regiões do nosso pequeno país?

Não digo que o Tour passa em todos os departamentos do país, mas passa em todas as regiões e chega para contrariar a tradicional desculpa. Olhem para os três mapas abaixo e confirmem que entre 2009 e 2011 o Algarve e o Alentejo não recebem qualquer etapa e já foi confirmado que para o ano se repetirá este cenário. Sim, eu sei que a etapa da Torre e a Senhora da Graça têm que lá estar, mas no Tour também são sempre certas três ou quatro etapas na região dos Alpes e outras tantas na região dos Pirenéus.

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Temos também o exemplo da Volta a Espanha: Espanha é 5,5 vezes maior que Portugal mas em 3 anos também consegue percorrer praticamente todas as regiões do seu território. Eu, como tenho a Volta ao Algarve bem perto de casa, nem me sinto muito incomodado por não ter nenhuma etapa da Volta a Portugal aqui no Algarve ou no Alentejo. O que me incomoda é ouvir sempre a mesma justificação e saber que ela não tem grande fundamento. Também já ouvi dizer que no Verão o Algarve está cheio e não dá para alojar as equipas, mas isso também não serve de desculpa, porque a Vuelta passa pela Catalunha, Andaluzia e Comunidade Valenciana, principais regiões turísticas (além das ilhas Canárias e ilhas Baleares, claro) e este ano a Vuelta começará mesmo em Benidorm. Porque não dizer algo como «alojar as equipas no Algarve, de Verão, fica demasiado caro para as nossas possibilidades»? Seria simples e ninguém poderia criticar a organização.

Uma consequência desta ausência é que o Alentejo e a região de Lisboa e Vale do Tejo perdem interesse pela modalidade. Mais uma vez, o leitor do blog está a ler e a pensar «eu sou lisboeta/alentejano e continuo a adorar isto». Sim, mas nós temos uma paixão pela modalidade que não se explica. Contudo, há ao nosso redor muita gente que deixa de ter o pelotão a passar à porta do trabalho ou à porta de casa, deixa de ter o pelotão a passar na sua região e se vai desligando. Quem é que gosta de sentir a sua região posta de parte por algo que é “de Portugal”?

A PAD decidiu tornar a Volta a Portugal numa Volta ao Centro e Norte de Portugal e isso tem consequências. As etapas no Minho terem mais pessoas na estrada do que as etapas no Alentejo não significa que no Alentejo não se goste de ciclismo e que no Minho toda a gente adore. Não ponho em causa que muita gente no Norte adore ciclismo (sei que sim), mas a principal diferença é que nos distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto e Vila Real está concentrado quase um terço da população portuguesa.

Mas ficam as perguntas: não será preferível ter menos adeptos na estrada mas ter mais pessoas a seguir a Volta e a acompanhar na televisão? Acham que os patrocinadores se interessam mais com as dezenas de milhares na estrada (e cada vez são menos) ou com as centenas de milhares na televisão?

E serão estas as melhores datas para realizar a Volta?

É discutível. Há aspectos a favor e aspectos contra, mas olhando às provas que lhe seguem e às que se disputam na mesma altura, eu diria que esta está muito longe de ser a situação ideal para se realizar a Volta a Portugal. De qualquer forma, mudar de datas não será fácil e encontrar umas que sejam claramente melhores parece impossível.

O calendário internacional está muito preenchido e o World Tour (ex-Pro Tour) veio fazer com que as mais poderosas equipas mundiais corressem as suas provas, as provas dos seus países e pouco mais. A Volta a Portugal não se poderá disputar até ao final do Tour, isso é certo. Disputar antes de Julho faria com que o ponto alto da época portuguesa estivesse muito cedo, consequentemente a temporada morreria muito cedo e isso prejudicaria as equipas portuguesas. Ter a Volta a Portugal e o Tour coincidentes também está fora de questão, pois retiraria destaque à modalidade na comunização social. Em vez de haver uma ou duas páginas nos jornais durante o Tour e quatro durante a Volta (penso que nos últimos anos tem sido esse o espaço), seriam as mesmas quatro mas a dividir pelas duas provas. Nem pensar! Ok, estamos todos de acordo que a Volta terá que ser depois de terminar o Tour.

Em 2010 Tavira trabalhou para Blanco.
Em 2011 os trunfos são Ricardo Mestre e André Cardoso
Desde 2001, com excepção de 2004 e 2008 devido aos Jogos Olímpicos, a organização da Volta a Portugal tem aproveitado o feriado de 15 de Agosto para o final da prova (excepto quando o dia 15 é numa sexta ou num sábado, passando o final para o domingo seguinte). É uma escolha com a sua lógica, mas cada vez o final da Volta está mais próximo do começo da Vuelta (que era em Setembro, em 2005 mudou para final de Agosto e este ano será logo no dia 20). Isto faz com que os ciclistas interessados na Vuelta não tenham interessem em participar na Volta, pois não é recomendável que façam tantos dias de competição tão próximo da prova rainha do calendário espanhol. Além disso, a nossa Volta está coincidente com a Volta à Polónia (31 de Julho a 6 de Agosto) e o Eneco Tour (8 a 14), duas provas World Tour onde as melhores equipas do mundo têm que estar presentes. Existe ainda a Volta a Burgos (3 a 7) que também coincide com a Volta e é mais recomendável para preparar a Vuelta.

Não há como contrariar esta situação mas, na minha opinião, poderia ser benéfico antecipar a Volta, colocando-a mais próximo do final do Tour (nesta semana em que estamos agora). Dessa forma, seria mais atractivo para os ciclistas estrangeiros virem a Portugal preparar a Vuelta. Não passa de uma opinião pois, com o calendário internacional da forma em que está organizado não há modo de a Volta a Portugal sair da sombra de provas mais importantes, principalmente estando classificada como 2.1, muito abaixo da Polónia e do Eneco Tour e até abaixo da Volta a Burgos ou da Volta à Áustria (final de Julho). Com a descida de categoria que aconteceu no ano passado (por opção da organização para reduzir custos), a nossa Volta está ao mesmo nível que a Volta à Eslovénia, a Volta a Castela e Leão e, claro, a Volta ao Algarve, com a diferença significativa do Algarve servir como preparação para outras provas maiores, ter (à partida) um clima mais agradável do que o Centro da Europa na mesma altura do ano e oferecer melhores condições hoteleiras.

*****
Este era o Giro que Zomegnan gostava
À parte disso, em Itália, foi despedido Angelo Zomegnan, a caricata personagem que dirigia o Giro desde 2004. Como já aqui deixei bem claro, tenho uma visão do ciclismo muito diferente da visão de Angelo Zomegnan. Entre os grandes feitos/grandes barracas de Zomegnan, destaca-se:
  • Dupla etapa (com crono-escalada de manhã e passeio por Milão à tarde) no último dia do Giro 2005, uma ideia que não se concretizou porque a UCI se opôs e mandou rectificar o percurso;
  • Final em Plan de Corones (terra batida) em 2006, cancelado no próprio dia devido ao mau tempo;
  • Contra-relógio monstruoso de 62 km com uma contagem de terceira e outra de segunda categoria no Giro 2009 (os ciclistas optaram por levar bicicletas normais com extensores);
  • Etapa de Milão no Giro 2009 (que esse ano não era a última) boicotada pelos corredores queixando-se de falta de segurança no percurso;
  • O Monte Crostis que estava no percurso deste ano como uma das grandes atracções (pelos seus oito quilómetros em terra batida) e foi retirado na véspera;
  • As alterações ao percurso do contra-relógio final deste ano com poucos dias de antecedência.



E não merecem ser esquecidas as etapas de 250 quilómetros que Bettini e outros veteranos do pelotão boicotavam, colocando todo o pelotão em marcha lenta. Em aberto ficam os resultados dos testes anti-doping de 2008, ano em que Riccò venceu duas etapas e foi segundo na geral e Sella venceu três etapas e a classificação da montanha. A CERA (“EPO de 4ª geração”) apenas passou a ser detectada depois do Giro, os dois ciclistas acusaram a substância respectivamente em Julho e Junho, Zomegnan anunciou que as amostrar desse Giro voltariam a ser submetidas a controlo mas até hoje ninguém sabe os seus resultados.

O cargo será ocupado por Michele Acquarone, director geral da RCS Sport, a empresa organizadora da prova. Pode dizer-se que Acquarone se fartou das brincadeiras de Zomegnan e decidiu assumir ele mesmo o controlo do barco. De qualquer forma, o início da próxima edição já está há algum tempo garantido para Herning, na Dinamarca. Curiosamente Acquarone é licenciado em Marketing tal como eu espero ser daqui a um ano (antes de ser director do Giro, Zomegnan era jornalista).

6 comentários:

  1. Bela reflexão Rui, parabéns!

    Em relação às equipas estrangeiras que vão estar na Volta deste ano eu prefiro esperar pela lista oficial de inscritos (provavelmente só será conhecida na véspera do início da Volta) para perceber que objectivos terão estas equipas, no entanto quero já partilhar algumas ideias em relação ao que disseste.


    Esse Andrea Guardini é verdade que pouca gente o conhecerá mas se realmente vier à Volta será o melhor sprinter presente no pelotão, não só pelo currículo que traz mas sobretudo devido à sua qualidade que realmente a tem..ainda assim considero que se este homem chegar ao fim, iremos encontrá-lo nos últimos lugares da classiicação geral pois já muitas vezes ocupou essas posições nas provas em que participou este ano.


    A Katusha continental tal como tu, também a considero superior à Farnese Vini e à Caja Rural e até mesmo em relação à Lampre e à Andalucia (estas duas já nos habituaram a resultados mediocres) não por ser a "equipa B" da Katusha Pro Tour mas sim porque os corredores que apresentará serão de certeza mais competitivos do que aqueles que pertencem às equipas que referi e caso esta equipa apresente o Serguei Firsanov (muitos perguntarão que ciclista é este?)ele não irá passar despercebido de certeza.

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  2. Gostei da reflexão!
    Tens razão no que dizes se analisarmos até à bem pouco tempo atrás vinham grandes equipas, este ano assim de maior relevo vem a Lampre que pelo que já vi não vai trazer grandes ciclistas.A Aqua&Sappone é uma boa equipa(profissional Continental) que tem alguns bons ciclistas por exemplo:Garzelli.
    Falaste muito da Katusha Continental, é uma equipa que por acaso não conheço muito bem apenas a principal,vamos lá ver o que vão fazer.
    A Farnese Vini traz o Andrea Guardini que é um excelente sprinter!
    Apesar de tudo ainda será uma volta que me dará gosto ver.
    E que seja desta que ganhe um português!

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  3. Gostei da generalidade do texto mas a parte final está algo incorrecta.

    O Acquarone já pertencia à equipa da organização do Giro com o Zomegnan e mais alguns.=P
    Ele próprio já veio dizer que as linhas gerais usadas pelo Zomegnan nos últimos anos serão para manter...
    Portanto mudanças significativas não estão à vista.

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  4. Obrigado a todos pelos comentários ;)

    Pengo: a lista de participantes já está no site da prova. Quanto à Katusha Continental, eu não disse que eram superiores em termos de qualidade mas sim que eram mais atractivos por uma questão de nome.

    Pedro Gomes: sobre a Katusha, digo o que disse anteriormente.

    Anónimo: Eu referi que o Acquarone era director geral da RCS Sport, o que significa que estava superior ao director do Giro mas também tinha que olhar para tudo o que a empresa faz: Giro d'Italia, Volta da Lombardia, Maratona de Milão, marketing das Federações Italianas de Basquetebol, Futebol e Golf, Inter de Milão... enfim, dá para perceber que a RCS não organiza apenas o Giro.

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  5. Eu sei Rui mas há sempre alterações de última hora na lista e só vamos mesmo ter a certeza de quem participa quando as equipas chegarem a Portugal.


    Por exemplo o David Bernabéu inicialmente não estava na lista e agora já aparece como chefe de fila da Andalucia o que indica que esta equipa já informou a organização da Volta das suas alterações.


    Quanto á questão da Katusha Continental já compreendi o que disseste mas continuo a ter a ideia que esta equipa vai ser a grande surpresa da prova pela positiva.


    Em relação à questão do Zomegnan, creio que nos últimos anos a Volta à Itália se aproximou muito em termos de qualidade à Volta à França devido a ele. Tenho que admitir que gostei de algumas das suas ousadias como por exemplo o sterrato.


    Abraço

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  6. Ainda há pouco li num jornal desportivo que o dorsal 119 Daniel Petrov (Konya Torku-Vivelo) que já correu no Tavira não irá participar com a sua equipa na Volta a Portugal por se ter lesionado..mais uma alteração portanto.

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