sábado, 13 de agosto de 2011

A lei que a Serra ditou…

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Numa etapa como a de hoje, de verdadeira montanha, com um percurso muito duro, não há nada que se possa esconder. A Tavira-Prio mostrou ser a melhor equipa e controlou a corrida como quis para Ricardo Mestre segurar a amarela e André Cardoso somar o seu nome à lista dos que já venceram na Torre. Quando a estrada diz de sua justiça, valendo apenas a lei do mais forte, pouco nos resta para comentar. Mas vamos a isso:

… foi a lei do mais forte

A subida à Torre é a única de extrema dureza em Portugal e por isso a Serra da Estrela costuma colocar tudo em pratos limpos, seja no final ou logo no começo da prova, como aconteceu em 2008. E hoje a Serra deixou bem claro que este pelotão tem poucos ciclistas de qualidade, talvez três dezenas, e dos sete ou oito bons trepadores à partida, três estavam na mesma equipa.

À partida, sabíamos que Ricardo Mestre teria a ajuda de André Cardoso e Nelson Vitorino, sendo os únicos adversários com semelhante qualidade Hernâni Brôco, Rui Sousa, Vergílio Santos e João Cabreira. Havia dois ou três estrangeiros que mereciam alguma cautela depois do que fizeram na Senhora da Assunção e na Senhora da Graça e alguns portugueses como Sérgio Sousa ou Ricardo Vilela dos quais, olhando ao que têm feito até aqui e à boa forma demonstrada, não era de excluir a possibilidade de subirem próximo dos melhores. Mas a subida à Torre é sempre difícil de prever, pois durante a restante temporada estes ciclistas não disputam nenhuma etapa de dureza semelhante e a chegada à Torre no ano passado também foi facilitada pela mudança de percurso causada pelos incêndios.

Confesso que esperava uma maior evolução de Sérgio Sousa na alta montanha, assim como uma melhor prestação de Ricardo Vilela, apesar deste ainda não ter cumprido 24 anos e por isso ter maior margem de evolução. Confesso também que ainda estava com alguma ilusão de que este pelotão tinha mais do que os já referidos “7 ou 8 bons trepadores”.

Logo nos primeiros quilómetros de subida se viu que poucos corredores poderiam ameaçar o domínio da Tavira-Prio. David Livramento (um corredor muito subvalorizado mas de grande qualidade quando a dureza do terreno se faz sentir) controlou o grupo dos favoritos nas primeiras dificuldades da subida final e depois foi Nelson Vitorino quem impôs o ritmo, deixando Hernâni Brôco, Vergílio Santos e João Cabreira para trás. Narrar a corrida não faz falta, porque todos a terão visto na TV e, quem não viu, poderá percebe-la pela classificação.

O trabalho de Nelson Vitorino foi espectacular, permitindo que Ricardo Mestre e André Cardoso se poupassem dentro do possível. Rui Sousa nada fez para ganhar a Volta. Concentrou-se em disputar a etapa, mas nunca se mexeu para atacar a vitória na Volta… nem hoje, nem nunca. Durante a primeira metade da prova, a Barbot bem tentou colocar o máximo de gente possível em fuga mas eram quase todos eles roladores ou sprinters. Mesmo com colegas em posição adiantada, Rui Sousa não tentou fazer a diferença. Seja por incapacidade ou por temer os adversários (e a vantagem numérica do Tavira), a sua atitude na estrada foi muito mais passiva do que no ano passado.

Quem não foi nada passivo foi João Cabreira. Depois de ficar para trás, puxou durante largo tempo por Vergílio Santos e Hernâni Brôco, até que ficou sem forças e descolou, cabendo a Brôco tentar, em solitário, minimizar as perdas para a frente de corrida. Não consegui segurar o seu lugar no pódio e caiu para o quinto posto na geral, com mais um segundo que Nelson Vitorino.

Com 3’25’’ de atraso chegou Sérgio Ribeiro, encabeçando um grupo onde também figuravam Cabreira, Daniel Silva, Sérgio Sousa e Vergílio Santos. Apesar de entrarem juntos nos últimos metros, entre eles há quem tenha motivos para sorrir e quem não os tenha. Sérgio Ribeiro mostrou que trabalhou bem a montanha durante este último ano e passa cada vez melhor as subidas, não apenas as de 6 ou 7 quilómetros. Com isto, é um ciclista (ainda mais) interessante para qualquer equipa estrangeira contratar, pois poderá disputar finais em que os típicos sprinters não chegam na frente. A Vergílio Santos também ninguém pode apontar nada. Como disse o Brôco no final, o Vergílio fez o que pôde e o que faltou foi força ao próprio Brôco, que esteve bem mas não o suficiente para rivalizar com o trio de Tavira e Rui Sousa. Sérgio Sousa ainda não foi desta que mostrou ser corredor para a alta montanha. E João Cabreira… voltou a falhar na Torre, como em 2009. Se em 2007 teve que trabalhar para Tondo (e fê-lo bem), em 2009 a subida teve demasiados quilómetros para ele e hoje repetiu-se o filme. Puxou enquanto pôde mas terminou no grupo de Sérgio Ribeiro. Por ser um bom finalizador, Sérgio Ribeiro é visto como um corredor que passa bem subidas curtas mas não tão longas. Já Cabreira é visto como um dos melhores trepadores portugueses mas o certo é que nunca o conseguiu provar numa subida de maior dureza e, depois de hoje, não o posso colocar ao nível de Mestre, Cardoso, Rui Sousa, Vitorino ou Brôco. Talvez para o ano adopte um discurso mais modesto, como Sérgio Ribeiro. O Serginho sabia que tinha trabalhado para melhorar na Torre e no contra-relógio mas teve sempre um discurso modesto, sem se colocar em bicos de pés e sem prometer que iria fazer isto ou aquilo. O que os separou foram 24 segundos na Assunção, 1’04’’ na Srª da Graça, 11’’ no contra-relógio e 3’’ hoje, sempre a favor do Sérgio.

As declarações finais de Cabreira foram ridículas, ao comparar a prestação da Tavira-Prio com as da Maia e da Póvoa. Há algumas diferenças entre a Tavira-Prio e a equipa maiata que depois se transformou em poveira e terminou numa rusga da PJ em que foram encontradas várias substâncias proibidas em casa de alguns ciclistas.

Não posso negar que senti as declarações do Cabreira (estão gravadas e posso colocar no youtube) como um apontar de dedo à equipa de Tavira e sei que não fui o único. E, por respeito aos leitores deste blog que ouviram o mesmo que eu e gostam de encarar as cosias sem medo de assuntos tabu, não posso deixar de comentar. Disse o Cabreira que não se via uma exibição destas desde o tempo da Maia e da Póvoa. Eu não sei quanto tempo se demorou a subir à Torre hoje e portanto não posso comparar o ritmo de hoje com o de 2009, mas em 2009 André Cardoso e Nelson Vitorino já tinham sido dos melhores, com duas diferenças significativas: 1) então estavam a trabalhar para David Blanco e 2) tinham maior concorrência.

Aliás, André Cardoso sempre foi um grande corredor (vencedor de uma Volta a Portugal do Futuro) e na equipa de Paredes já tinha demonstrado ser um bom ciclista. Sobre o Nelson Vitorino e o Mestre não se pode comparar com anteriores equipas, pois foram formados em Tavira, mas também foram sempre bons trepadores. Já a Maia/Póvoa contratava ciclistas normais (não quero utilizar o termo “banais” para não ferir susceptibilidades) que se transformavam em corredores acima da média, uns que controlavam o pelotão durante quilómetros e quilómetros e outros que disputavam a vitória. Isso era considerado uma das grandes qualidades de Manuel Zeferino: “via talentos escondidos e esculpia-os”. Tudo corria bem e continuaria a correr se não tivessem dado demasiado nas vistas na Volta às Astúrias e no GP de Paredes, a PJ não tivesse encontrado o que não devia na casa dos corredores e não detectassem a manipulação das amostras de João Cabreira e o Rogério Batista.

Outra diferença significativa é que a equipa de Tavira nunca teve casos de doping (pelo menos desde que Vidal Fitas assumiu a direcção desportiva), enquanto a equipa de Zeferino teve os casos de David Bernabeu, Rui Lavarinhas e Frán Pérez.

Não lhe posso dar (nem a ela, nem a ninguém) conselhos sobre como treinar, mas na minha qualidade de fulano-que-acha-que-sabe-de-ciclismo, recomendo ao João que em 2012 corra numa equipa de 9 corredores capazes, sem Morrás e Pardo (nada tenho contra os rapazes enquanto pessoas, mas como ciclistas…).

Outras considerações

O Boavista ainda esteve longe de vencer hoje, mas Délio Fernández teve uma boa prestação e merece ser referido por isso. Amanhã terão que estar novamente ao ataque, pois na chegada a Lisboa será mais difícil que vingue uma fuga.

Fabricio Ferrari também merece ser referido pela positiva, já que voltou a estar na fuga do dia, amealhou muitos pontos para a classificação da montanha e tem a vitória quase assegurada. Bastaram-lhe dois dias para conseguir pontos suficientes para essa vitória.

Por último, realço que a Volta se decidiu em dois dias: crono e Torre (a menos que algo de muito surpreendente aconteça nos dois últimos dias). Com isso os dois últimos dias terão muito pouco interesse e ficou demonstrado que a subida ao Monte Farinha, por si só, não é assim tão diferente do que poderão ser outras subidas. Este ano, a Câmara Municipal de Mondim de Basto não estava disposta a pagar o mesmo que em anos anteriores e pagou 25% menos. Se no próximo ano houver municípios dispostos a pagar mais e haja possibilidade de neles se colocar uma chegada de primeira categoria, a PAD deverá ponderar abandonar o final na Senhora da Graça. É um ponto tradicional, mas prefiro perder parte da tradição e que a prova tenha mais receitas para poder convidar melhores equipas.

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