quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Uma primeira metade de Volta assim-assim

Chegado o dia de descanso, é altura de um primeiro balanço. Do ponto de vista de Hernâni Brôco ou Sérgio Ribeiro, é positivo, claro. Por outro lado, do ponto de vista de João Cabreira, deverá ser negativo. Mas e do ponto de vista de nós, adeptos?

Tivemos movimentações estratégicas muito interessantes, como a de Sérgio Sousa na etapa de segunda-feira ou a LA/Antarte programada para perder a sua liderança. Por outro lado, tivemos muitas queixinhas por parte de alguns directores desportivos e nas chegadas da Srª da Assunção e Srª da Graça faltaram ataques ousados por parte dos candidatos ao triunfo final. Façamos a análise:

As “queixinhas” pela camisola amarela

Como escrevi no rescaldo da primeira etapa, em termos desportivos era mais vantajoso para LA/Antarte perder a camisola amarela, tal como aconteceu nessa etapa. Os directores desportivos das outras equipas não gostaram porque se viram obrigados a trabalhar e tivemos logo aí a primeira troca de palavras mais acesa entre Mário Rocha e Carlos Pereira, com os microfones da RTP e os gravadores de outros jornalistas a servirem de meio para uma troca de acusações que em nada dignifica o desporto.

O ciclismo português está demasiado escaldado pelas marcações que existiam entre as equipas de Américo Silva e Manuel Zeferino (até que o regresso do Benfica ao pelotão baralhou as contas), mas essa marcação era de outro nível. Por vezes, não existia estratégia colectiva e cada corredor tinha que marcar um determinado adversário, sem que interessassem as outras equipas. Ninguém quer perder a Volta nos primeiros dias como aconteceu em 2005, mas às vezes o melhor mesmo é perder a liderança e passar o trabalho para outros.

Na etapa que terminou na Nossa Senhora da Assunção, não havia dúvidas de que cabia à Barbot assumir as despesas da perseguição, já que tinham nas suas fileiras Sérgio Ribeiro, o camisola amarela, teoricamente o mais forte candidato à vitória e o vencedor do ano passado naquela mesma chegada. O trabalho feito pelos comandados de Carlos Pereira foi muito bom e para o dia ser perfeito só lhes faltou que Rui Sousa conseguisse acompanhar os seus principais adversários.

Sérgio Ribeiro, um dos grandes destaques dos primeiros dias
A caminho da Senhora da Graça, o pelotão foi controlado por Barbot e Tavira, com a LA/Antarte a manter-se alheia a esse trabalho. «Podemos perder no último dia, mas não nos primeiros» é uma frase de Vidal Fitas que explica bem a filosofia da sua equipa e da Barbot, decididas em controlar todas as fugas para não apanharem sustos. Já na LA, têm estado numa de “deixa andar até ver o que dá». É um risco mas, verdade seja dita, até á Senhora da Graça nunca houve uma situação que justificasse a sua ida à frente do pelotão.

Aconteceu sim na quarta etapa, a que terminaria em Gouveia, e aí tivemos uma situação rara de corrida. Tavira colocou em fuga um dos seus líderes (André Cardoso) a Onda/Boavista colocou o seu melhor homem na geral (Ricardo Vilela, 10º), a Barbot colocou o seu segundo melhor homem (Sérgio Sousa) e um gregário (Carlos Baltazar) e a LA/Antarte, mesmo tendo o líder da corrida no pelotão, colocou o seu segundo ciclista (Vergílio Santos) e um gregário (Rui Vinhas). Além deles, integrava a cabeça de corrida Micael Isidoro pela selecção e três estrangeiros.

O único que puxava era Carlos Baltazar e o seu director desportivo reclamava, sem razão. Dizia ele que mais ciclistas e equipas deveriam colaborar para que a fuga vingasse. Pergunto eu: colaborar, para quê? Mesmo que os estrangeiros não conhecessem os portugueses, olhando para as classificações dos dois dias anteriores e para o perfil da chegada a Gouveia, facilmente se perceberia que, caso chegassem juntos à subida final, André Cardoso e Vergílio Santos levavam clara vantagem (Sérgio Sousa também poderia vencer, mas estamos a partir do pressuposto que os estrangeiros não conheciam os portugueses e apenas tinham os dados anteriormente referidos). É certo que André Cardoso e Ricardo Vilela também beneficiariam para a classificação geral, mas valeria a pena puxar, com Baltazar a fazer 100km à média de 40 km/h? Penso que só valeria a pena se Sérgio Sousa também colaborasse e mesmo assim correriam um sério risco ao levar Vergílio Santos resguardado. Portanto, a meu ver, a Barbot tinha que aproveitar Carlos Baltazar sem protestar e Mário Rocha estava de parabéns por colocar ali um homem tão bem posicionado na geral.

Contudo, Mário Rocha também cometeu um erro, quando deu instruções aos seus homens para que atacassem à vez. Pretendia desestabilizar o grupo? Talvez, mas dificilmente resultaria. Em primeiro lugar, foi um erro porque a vantagem dos fugitivos estava a diminuir, já era inferior a dois minutos com trinta quilómetros para percorrer e um ataque de Vergílio Santos apenas faria com que André Cardoso, Ricardo Vilela e Sérgio Sousa se mexessem, puxassem e aumentassem a diferença. Tal não foi necessário porque Carlos Baltazar (magnífico nesse dia) conseguiu anular as movimentações e ele próprio aumentou a diferença, voltando a ficar perigosa para a LA/Antarte, que já perdeu dois dos principais apoios de Brôco: Edgar Pinto e Hugo Sabido.

Valeu a Mário Rocha a ajuda da Lampre, que pretendia levar Francesco Gavazzi à vitória. Os homens de Tavira ainda tiveram uma cartada bem jogada, primeiro com David Livramento a atacar e depois Nelson Livramento a ir ao encontro do seu colega para ser levado até José Toribio, espanhol que procedia da fuga inicial. Porém, Toribio aguentou-se na roda do algarvio e conquistou a sua primeira vitória enquanto profissional. Sérgio Ribeiro falhou o ataque à camisola amarela, que assim continuava no corpo de Hernâni Brôco.

Opções de um, queixas de outro

A etapa de ontem teve na principal fuga apenas dois ciclistas, o que era ideal para a Barbot e para a LA. Por um lado, era mais fácil controlarem a distância, pois quanto menos numeroso for o grupo menos força tem. Por outro lado, sobravam bonificações para o terceiro lugar, suficientes para Sérgio Ribeiro devolver a camisola amarela à Barbot e fazer à vontade à LA, que a quer em Lisboa e não se preocupa no número de dias em que a veste. Depois da Senhora da Graça, o que eles queriam era isto: manter a vantagem de Brôco para os principais concorrentes e perder a camisola amarela para alguém que não ameaça a vitória final. E Sérgio Ribeiro não ameaça, porque perderá muito tempo no contra-relógio e na etapa da Torre, talvez perto de cinco minutos (no somatório dos dois dias).

Hernâni Brôco, outro dos destaques destes dias
Desta etapa, ficaram-me na memória as opções de Carlos Pereira, ao utilizar Rui Sousa e Sérgio Sousa para comandar o pelotão nos últimos quilómetros. Seria mesmo necessário desgastar os dois homens com maiores possibilidades de chegarem à vitória final (ou pelo menos ao pódio)? E qual deles deverá ser a aposta a partir de agora? Rui Sousa esteve melhor na chegada à Senhora da Assunção, mas há que ter em conta que o Sérgio Sousa já tinha feito um excelente trabalho em benefício de Sérgio Ribeiro. O Sérgio tem o desgaste da fuga de segunda-feira (mesmo não tendo trabalhado), mas na geral até está um segundo melhor e na etapa da Senhora da Graça, mesmo trabalhando, foi melhor que o colega. Rui Sousa, teoricamente, sobe melhor, mas Sérgio Sousa levou vantagem no Monte Farinha e, teoricamente, é melhor no contra-relógio. Carlos Pereira tem dois homens em quem apostar e para fazer a escolha certa terá que os conhecer bem. O que não me parece ser solução é desgastar os dois em etapas como a de ontem.

No final, onde Andrea Guardini confirmou ser o melhor sprínter em prova (o melhor para chegadas sem dificuldades), houve protestos de Mário Rocha que pedia sprint irregular. Aos microfones da RTP, disse que Sérgio Ribeiro tinha feito uma trajectória irregular e com isso prejudicou Bruno Sancho… mais tarde disse que teria sido Filipe Cardoso. Independentemente de ter ou não razão, se Bruno Sancho se queixou que tinha sido prejudicado, Mário Rocha tinha que pedir aos comissários para reverem a chegada. Mesmo que os directores desportivos tenham televisão no carro, vêem a chegada, no máximo vêem uma repetição, estacionam o carro e vão ter com os ciclistas. Por isso, antes de haver protesto, nenhum director desportivo tem tempo de ver a quantidade de repetições que os telespectadores assistem.

Posto tudo isto, entende-se que Mário Rocha acredite num sprint irregular, seja de que ciclista for. Mas para quê fazer protesto? Mesmo que os comissários concordassem, o único efeito da decisão seria o autor da trajectória irregular passar para a última posição do grupo, o que pouca diferença faria para os interesses da LA/Antarte… mesmo que fosse Sérgio Ribeiro.

Como podem ver aqui (ou rever), o que houve foi uma mudança de trajectória por parte de Filipe Cardoso para sair da roda de um ciclista da La Pomme, mudança essa que vai de encontro a Bruno Sancho. No entanto, não é irregular. É proibido mudar a trajectória depois de lançado o sprint, mas Filipe Cardoso mudou antes de se lançar e mudou precisamente para poder lançar o sprint, pois o corredor da La Pomme estava na sua frente e Filipe Cardoso, uma vez que não podia passar por cima, teria que escolher um dos lados.

Se entendo o facto de Mário Rocha levar até ao colégio de comissários a queixa do seu colega, não entendo o porquê de se mostrar tão seguro de que havia irregularidade quando falou para a RTP. Era recomendável que tivesse um discurso mais cauteloso, pelo menos antes de ver as imagens. O próprio Carlos Pereira não esteve bem na forma como respondeu para a câmara da RTP. Primeiro respondeu com um “nem vale a pena comentar”, como se tivesse visto todas as repetições e estivesse certo que o director adversário estava errado, depois respondeu que ainda não tinha visto as imagens. Seria mais correcto verem as imagens e só depois tirarem conclusões. Entre queixas, queixinhas (às vezes, como crianças) e trocas de acusações, vão dando à Volta polémica desnecessária.

Os estrangeiros na Volta

Andrea Guardini, vencedor de uma etapa
Depois das vitórias de Toribio e Guardini, temos também que olhar para as equipas estrangeiras. Entre as equipas forasteiras, temos algumas que dão qualidade à prova e outras que estão só mesmo para fazer número (outra que nem isso). As italianas Lampre e Farnese Vini e as espanholas Caja Rural e Andalucia têm estado bem. Mais do que colocar homens em fuga, já se viu a Lampre e a Farnese Vini a assumirem o comando do pelotão quando tinham hipóteses de vencer, no caso da Lampre através de Francesco Gavazzi e a Farnesse Vini através de Andrea Guardini. Quanto à Caja Rural, tem sido a equipa que mais anima as fugas e detém duas camisolas, a azul da montanha e a laranja da juventude. A Andalucia também já leva uma vitória de etapa e tem estado muito combativa.

De resto, Itera-Katusha, Chipotle e La Pomme Marseille colocam hoje um homem em fuga, amanhã logo se vê… e nada de especial. São equipas do 3º escalão, como as portuguesas, mas sem a motivação, experiência e preparação das nossas. Não se lhes podia pedir mais. Além delas, há a equipa turca de Danail Petrov. Ou melhor dizendo, há Danail Petrov, que já não tem nenhum colega.

Ainda pouco falei do Boavista neste artigo, pois têm feito muito pouco. Sem grandes destaques desportivos até ao momento, falo então deles na secção de equipas estrangeiras, já que têm quatro espanhóis entre os nove convocados e quem dirige a equipa são empresários espanhóis. No final de 2009 estiveram na Vuelta a Chihuahua, uma participação conseguida através de António Vaquerizas, empresário espanhol que em contrapartida exigiu a presença de Alberto Morrás e Jon Pardo com o estatuto de estagiários. E o estágio não correu bem, mas Morrás assinou contrato profissional no ano passado e Pardo este ano, em que chegou à equipa Délio Fernández (gerido pelo empresário Juan Campos) e Alejandro Marque (sendo o primeiro anúncio do contrato feito por Juan Campos).

Não ponho em causa a qualidade de Délio Fernández e Marque, porque a têm, mas e os outros dois? Estão a 45 e 48 minutos da camisola amarela e andam lá apenas a fazer número. Se eu não soubesse que estão na Volta por imposição de terceiros, diria que tinha sido mais vantajoso levarem Bruno Lima, que pelo menos na etapa de ontem poderia discutir os primeiros lugares e é português.

De resto, espero que amanhã a equipa boavisteira esteja mais combativa. Com João Cabreira a dois minutos da camisola amarela e sem um ciclista em boa posição para aspirar ao pódio, não têm desculpa que se estão a resguardar para ajudar o chefe-de-fila, o que ainda é válido para as restantes equipas portuguesas.

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Já disse que sou contra a existência de bonificações (porque quem deve vencer é o que cumpre o percurso em menos tempo e não o que mais bonifica) e mais ainda sou contra metas volantes (com bonificações) a 4,2 km da meta, como aconteceu na etapa que terminou em Gouveia.

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Enquanto o Jornal Ciclismo se vai afundando (com artigos como este, em que falam, falam, mas não assinam), dou a conhecer o Web Ciclismo. Um site português que já está no ar há algum tempo e com o qual me deparei no outro dia. Não conheço os seus autores, não têm muito conteúdo, mas o que tem, tem qualidade.

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A Eurosport está a transmitir o Eneco Tour (está lá Manuel Cardoso) e a direcção deixou Paulo Martins sozinho, tal como na Volta à Polónia. Num desporto como o ciclismo, parece-me impossível que um comentador sozinho consiga impedir que a transmissão se torne monótona. Ciclismo não é como atletismo, basquetebol ou futebol. No ciclismo, quer queiramos, quer não, há momentos mais parados em que faz falta o diálogo entre comentadores. Esta crítica nem é para os comentadores (que neste caso é só um), mas sim para a direcção.

4 comentários:

  1. Mais um grande texto da tua parte :)
    Também não conhecia esse site do Web Ciclismo, mas pelo que já vi, ganha aos pontos ao Jornal Ciclismo.

    Continua assim!

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  2. Excelente análise feita à Volta a Portugal. Também sou contra a existência de bonificações nas metas volantes e na chegada.

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  3. Bom comentário. E assino por baixo o que disseste em relação ao jornal ciclismo.Penso que por altura dos campeonatos nacionais, deixei um comentário a mostrar o meu desagrado pela forma como a peça em questão e outras vinham a ser escritas. Fi-lo de forma séria, construriva e ainda assim não se dignaram a aprovar o meu comentário, apesar de não terem problemas em lá colocar comentários sem nexo ou que nada acrescentam.

    Esse Jornal para mim já era. Não me incomodam os artigos de opinião (mesmo que com eles não concorde ou simplesmente estejam mal escritos), mas fazer disso um "jornal", mascarando-os de "notícia"...não obrigado!

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