domingo, 21 de outubro de 2012

A renovação da Euskaltel

Ricardo Mestre fará parte da nova Euskaltel-Euskadi
A notícia da ida de Ricardo Mestre para a Euskaltel-Euskadi deve ter apanhado muita gente de surpresa, habituados a que a equipa fosse apenas composta por bascos. Quase a cumprir duas décadas desde a sua formação, a equipa basca viu-se forçada a alterar a filosofia que esteve na base da sua criação em 1994 e já contratou oito não bascos. Além de Mestre, um espanhol da Andaluzia, dois alemães, dois eslovenos, um russo e até um grego. Afinal, o que está por detrás desta mudança de identidade?


A Euskaltel-Euskadi nunca foi uma equipa de grande orçamento, porque também não necessitava. Ao contrário de outras equipas, que tentam contratar os melhores ciclistas do mundo e precisam de dinheiro para competir entre elas por esses ciclistas, a Fundación Ciclista Euskadi (Fundação Ciclista País Basco, em português) precisava de um orçamento muito mais baixo, apenas suficiente para formar jovens e depois manter-los na equipa profissional.

Roberto Laiseka, Iban Mayo, Haimar Zubeldia, Unai Etxebarria e David Etxebarria foram cinco das maiores referências do final da década de 90 e início dos anos 2000, quando a Euskaltel-Euskadi começou a afirmar-se como uma equipa de nível mundial, nomeadamente na Volta a Espanha, Volta a França, Volta ao País Basco e Bicicleta Basca (pela última disputada em 2008).

Mayo, Zubeldia e David Etxebarria acabaram por sair da equipa e rumar a outras que lhes oferecessem melhores condições salariais, e Laiseka e Unai Etxebarria reformaram-se, enquanto outros jovens made in Euskadi se evidenciavam na equipa principal: Samuel Sánchez, Igor Antón, Mikel Nieve...

Em 2001, Laiseka deu a primeira etapa do Tour
à Euskaltel-Euskadi
A maioria não sabe, mas tal como a Rabobank tem uma equipa de formação (a Rabobank Continental), a Euskaltel-Euskadi tem a Orbea (equipa Continental) e a Naturgas (equipa sub-23), viveiros onde muitos ciclistas amadureceram antes de passar à equipa profissional. A Euskaltel-Euskadi conseguiu manter alguns dos grandes talentos formados nas suas equipas de base com bons contratos mas muitos outros saíram em busca de melhores condições, como recentemente Jonathan Castroviejo e Beñat Intxausti.

Quando o Pro Tour surgiu em 2005, com o objectivo de colocar todas as "melhores equipas" a correr as "melhores provas", a Euskaltel conseguiu manter-se fiel a si mesma, continuando a destacar os seus líderes para Tour, Vuelta, Volta ao País Basco e restantes provas bascas, tanto que renunciaram a participar no Giro em 2009 e 2010, para se focarem nas provas anteriormente citadas. Com a criação do actual sistema de definição das equipas World Tour, baseado nas classificações dos seus ciclistas nas épocas anteriores, favorecendo os ciclistas que vencem em provas de terceira categoria face aos combativos e gregários de primeira linha, a Euskaltel vê-se agora obrigada a alterar a sua filosofia.

Para trás fica a Euskaltel que entrava no sonho de todos os jovens bascos que queriam ser ciclistas e sabiam que ali teriam uma porta aberta, se estivessem entre os melhores da região. Durante estas 19 temporadas, a Euskaltel teve três basco-franceses (a região basca ultrapassa a fronteira entre os dois países), Unai Etxebarria (que apesar de nascido na Venezuela cedo foi para o País Basco e tem dupla nacionalidade) e Samuel Sánchez, asturiano de nascimento mas basco de formação (desde os 18 anos). Todos os outros ciclistas eram nascidos no território espanhol pertencente do País Basco*.

Em 2011 foi a Ag2r que se viu obrigada a contratar alguns ciclistas exóticos, com vitórias conquistadas sobretudo na Ásia, para se manter no World Tour em 2012, mesmo sabendo que esses ciclistas não fariam nada nas provas mais competitivas e que um ano depois estariam todos eles de saída da equipa. Ciclistas sem qualidade World Tour, mas também com um custo baixo e com uma grande quantidade de pontos de mérito para a selecção das equipas World Tour. Este ano é a Euskaltel que se vê nessa situação.

Em 2012 a Euskaltel-Euskadi venceu a Volta ao País Basco pela primeira vez
Desde a Primavera que existiam rumores de que em 2013 a Euskaltel abriria fronteiras e em Agosto foi avançado o primeiro nome: Jure Kocjan (esloveno). Soube-se depois que Ivan Velasco e Amets Txurruka, um dos símbolos da equipa pela sua combatividade, estariam de saída e surgiram mais rumores quanto a reforços, entre eles Ricardo Mestre. Com o seu lugar no World Tour seriamente em risco, a Euskaltel decidiu contratar uma série de ciclistas relativamente exóticos que lhes dessem pontos de mérito suficientes para se manterem no escalão principal. Receando que outras equipas respondessem na mesma moeda, fizeram um esforço para que os seus reforços continuassem em segredo até dia 20 de Outubro, pois contratações feitas a partir daí não entram para a decisão das equipas World Tour. O jornal Diário Vasco anunciou alguns nomes antes dessa data, mas guardou outros, enquanto o site BiciCiclismo, mesmo sabendo quem seriam os reforços, os manteve em segredo até ao dia 20 para não comprometer os planos da Euskaltel. Decisão louvável.

As contratações são 10: Juan José Lobato, Jon Aberasturi, Garikoitz Bravo, Ricardo Mestre, Jure Kocjan, Robert Vrecer, Steffen Radochla, André Schulze, Alexander Serebryakov e IoannisTamouridis. Se não conhece grande parte destes nomes, não se preocupe. A maioria deles são desconhecidos para a maioria dos adeptos. Segundo se diz, com excepção de Lobato, todos os contratos são de apenas um ano, pois é sabido que alguns deles não farão nada em 2013 e para 2014 deixarão de ser úteis.

A Euskaltel sabe que contratar ciclistas com pontos de mérito mas pouca qualidade não é sustentável a médio prazo e foi por isso que não se limitou a contratar ciclistas procedentes da Ásia. Juan José Lobato e Jon Aberasturi (vencedor de uma etapa no GP Costa Azul 2011) são dois promissores sprinters e poderão preencher essa lacuna no plantel laranja, enquanto Garikoitz Bravo (vencedor da juventude na Volta a Portugal 2011) e Ricardo Mestre poderão desempenhar um papel importante nas provas por etapas, apesar de ser muito pouco provável que conquistem pontos (para isso, teriam que fazer boas prestações nas provas World Tour ou vencer provas). Jure Kocjan poderá obter boas prestações em provas de um dia, ele que correu dois anos pela italiana CarmioOro e dois pela continental profissional norte-americana Team Type 1.

Por outro lado, os alemães Steffen Radochla e André Schulze, que iniciarão 2013 com 34 e 38 anos, estão longe de ser sprinters de nível World Tour, mas poderão conseguir vitórias em provas de terceira categoria pela Europa fora, se a Euskaltel decidir lá marcar presença. Ainda assim, não me parece é que seja solução a médio prazo, pois estão em fase descendente de carreira. Robert Vrecer foi terceiro na Volta à Áustria deste ano mas não me parece que tenha qualidade para estar no World Tour, tal como Alexander Serebryakov e Ioannis Tamouridis, devendo estar de saída daqui a um ano.

Não podendo continuar como uma equipa de topo mundial constituída apenas por bascos, os responsáveis da Euskaltel-Euskadi decidiram manter a primeira característica. Esperemos que continuem por muitos anos e, quem sabe, que Mestre seja o primeiro de mais portugueses.



* Pode gerar confusão, mas existe a Comunidade Autónoma do País Basco, uma das 17 comunidades autónomas espanholas, e depois existe a região do País Basco (Euskadi na língua basca), da qual muitas vezes se discute o direito à independência. Esta segunda engloba as comunidades autónomas do País Basco e de Navarra e a francesa Iparralde, que traduzida significa «Zona Norte».

1 comentário:

  1. http://www.cyclingnews.com/news/posthuma-retires-after-failing-to-secure-2013-team
    a loucura dos pontos

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