Depois de algumas reacções mais ou menos graves ao Caso Lance Armstrong, hoje chegou aquela que eu considero mais grave até ao momento: a Rabobank afasta-se do ciclismo, após 17 anos de patrocínio. Mais do que um patrocinador de uma equipa, a empresa Rabobank era um dos mais importantes patrocinadores da modalidade, patrocinando um equipa World Tour, uma Continental, uma feminina, uma de ciclocrosse e BTT e a selecção holandesa. De resto, o patrocínio à equipa World Tour era tão forte que durante 17 anos não precisaram de 2º patrocinador.
As reacções têm sido muitas, mas vou apenas a algumas que gostaria de destacar. O Carro Vassoura é só um hobby e infelizmente não tenho tempo para abordar todas.
Levi Leipheimer
Na semana passada, quando escrevi a crónica "Doping, quanta hipocrisia?", disse que não acreditava que Leipheimer, Danielson e Vande Velde se tivessem dopado apenas nos períodos em que admitiam e corrido limpos desde então. A reacção a esse artigo por parte dos leitores foi uma surpresa para mim. Não sendo um tema sobre o qual me agrade escrever, optei por não fazer grande divulgação do mesmo, mas ainda assim teve um número de visualizações superior à média e com comentários muito mais favoráveis do que eu esperava.
Parece que além de mim e dos leitores do Carro Vassoura, os responsáveis da Omega Pharma-Quick Step também não acreditaram que Leipheimer fosse a mais digna das criaturas e despediram-no. Mesmo sabendo que a sua suspensão é uma fantochada e que poderá voltar a correr no início de Março (a tempo do Paris-Nice), a Omega Pharma não o quer na equipa. "Veterano ciclista, com experiência em grandes provas e grandes redes de doping mas agora um senhor de bem, procura equipa para 2013". Não se admirem se encontrarem o anúncio na página de classificados do Correio da Manhã ou doutro jornal. No final acabará na Garmin ou noutra equipa que aceite ex-dopados convertidos.
José Azevedo
Na crónica "Doping, quanta hipocrisia?", relembrei que na USP/Discovery Channel não havia apenas norte-americanos e até lá tinham corrido portugueses. Depois de estudar com maior profundidade o dossier da USADA, contestei que Floyd Landis acusa José Azevedo de se dopar no Tour 2004.
Ao longo do dossier, existem mais de 30 de nomes ocultados, debaixo de pseudónimos como "Rider-1", "Rider-2", "Other-1", "Other-2", etc, consoante sejam ciclistas ou não. Na confissão de Landis, diz que durante o Tour 2004 houve uma sessão de dopagem colectiva no autocarro da equipa, em que participaram Armstrong, Hincapie, o próprio Landis, Rider-10, Rider-2, Rider-11, Rider-12, Rider-6 e Rider-5. Quem é quem, eu não sei, mas se contar-mos temos nove ciclistas, o que corresponderia à totalidade da equipa.
Segundo José Azevedo (que estava nesse Tour 2004 pela USP), nunca foi aliciado a dopar-se e nunca foi chamado pela USADA a prestar declarações sobre o caso. Não deixa de ser curioso que a USADA apenas tenha ouvido testemunhas estado-unidenses. É verdade que são uma agência nacional, mas não hesitaram em dar ordem de suspensão sobre médicos espanhóis, motivo pelo qual não entendo a não audição de testemunhas extra-EUA.
Também acho bastante curioso que Landis diga que toda a equipa se dopou naquele dia no autocarro, citando um por um (a USADA ocultou os nomes, mas eles foram ditos por Landis), mas Hincapie diga que naquela sessão de dopagem apenas participou uma maioria da equipa.
Independentemente disso, José Azevedo é uma das maiores referências do ciclismo para mim, como julgo que será para todos os portugueses.
Independentemente disso, José Azevedo é uma das maiores referências do ciclismo para mim, como julgo que será para todos os portugueses.
José Luis Rubiera
Rubiera também fazia parte da equipa que foi ao Tour em 2004 e alegadamente se dopou colectivamente. Além de negar que se tenha dopado, diz que nunca viu Armstrong dopar-se. Diz também que trabalhou com o Dr. Michele Ferrari durante dois anos, que Ferrari é o melhor preparador que conhece e que só deixou de trabalhar com Ferrari porque era muito caro. Segundo ele, trabalhar com Ferrari não implica doparem-se.
Rubiera diz algo que muita gente já disse e é verdade: se Landis, Leipheimer, Danielson, Vande Velde, Hincapie, Zabriskie e Michael Barry estão tão arrependidos por se terem dopado, então que devolvam o dinheiro que ganharam no ciclismo de forma suja, como eles classificam.
Não sei se alguma vez escrevi aqui, mas já disse a várias pessoas, que a caça a Lance Armstrong é extremamente importante para a carreira de Travis Tygart, presidente da USADA, ou para quem nela tivesse sucesso. Rubiera vai mais longe e diz algo que me tinha escapado, apesar de ser lógico. A caça a Armstrong é igualmente benéfica para toda a USADA, que assim garante que continuará a contar com as verbas do Estado para a luta anti-doping. Não só não sofrerá reduções, como até deve ser aumentada, acontecendo o mesmo a várias outras agências pelo mundo fora.
O adeus da Rabobank
Luis León Sánchez venceu este ano uma etapa no Tour |
O abandona do patrocínio não é apenas consequência da suspensão de Armstrong mas também de tudo o que a isso se junta. Por exemplo, ontem a Gazzetta dello Sport publicou uma reportagem segundo a qual autoridades italianas estavam a investigar uma organização mafiosa gerida pelo médico Michele Ferrari, que além de programas de dopagem, ainda pagava os advogados em caso de controlo anti-doping positivo e fazia lavagem de dinheiro, envolvendo muitos ciclistas e equipas inteiras (diz a Gazzetta que a Rabobank seria uma delas).
Segundo essa reportagem, Michele Ferrari tem um volume de negócios de 30 milhões de euros (anuais? não sei) e faz Eufemiano Fuentes parecer um menino. Realço que se trata de uma reportagem jornalística sobre uma investigação que alegadamente está a decorrer. Não houve nenhuma condenação e ainda nem houve julgamento, mas foi o suficiente para o empresa Rabobank se afastar da equipa World Tour.
O que vale é que a empresa Rabobank continuará a pagar os valores acordados para que a equipa se mantenha até encontrar novo patrocinador. Ao mesmo tempo, essa é a parte mais vexatória para a moralidade do ciclismo. O banco está a dizer que prefere pagar sem retorno, do que ter o nome associado ao ciclismo, o que se compreende, pois é especialmente penalizador para os bancos terem o seu nome associado a ilegalidades como doping ou lavagem de dinheiro. Enquanto adepto de ciclismo e grande fã da Rabobank (pelo apoio que dão aos mais jovens e por serem a maior escola do mundo), aplaudo a decisão de continuarem a apoiar financeiramente a equipa. Enquanto marketeer, acho que é uma lição fantástica a sua decisão no global, de mostrarem que querem estar longe da sujeira, mas honrando os seus compromissos.
Denis Menchov conquistou pela Rabobank um Giro e duas Vueltas |
Sumário
A equipa Rabobank continuará em 2013 sem patrocinador, como a High Road em 2008, a Leopard em 2011 ou a Project 1t4i e GreenEdge em 2012 até se tornarem, respectivamente, Argos-Shimano e Orica-GreenEdge. Mas o afastamento da empresa, mais do que a perda de um grande patrocinador em termos monetários (porque monetariamente nem se perde), representa a perda de um patrocinador histórico, e com isso o ciclismo perde credibilidade.
A UCI tem uma bomba nas mãos. Se não retira as vitórias a Armstrong, é acusada de não respeitar a USADA e a luta anti-doping. Se retira, vem colocar todos os patrocinadores actuais em xeque, com a ameaça de daqui a 10 anos poderem ser associados a casos de doping. Der por onde der, a bomba foi colocada nas mãos da UCI e é lá que vai rebentar, que é como quem diz, no ciclismo. Nós, adeptos fiéis, cá estamos.
Muito bem escrito. Concordo principalmente na análise que faz à Rabobank, é de uma honestidade e honradez tal, o banco abandonará o patrocínio mas deixará dinheiro à disposição para cumprir os contratos. Fossem metade dos banqueiros em Portugal assim, com esta noção de consciência, e isto se calhar estava bem melhor.
ResponderEliminarCumprimentos