sábado, 13 de outubro de 2012

Porque emigram os ciclistas portugueses?

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Aguarda-se apenas a oficialização da ida de Mestre para a Euskaltel
Rui Costa, Tiago Machado, Nelson Oliveira, Sérgio Paulinho, Bruno Pires, André Cardoso, Hernâni Brôco, Manuel Cardoso, Jóni Brandão e Fábio Silvestre. Foram 10 os portugueses que correram por equipas estrangeiras em 2012 e, apesar de nem todos eles terem garantida a continuidade nas suas equipas, já foi confirmada para 2013 a emigração de José Mendes (NetApp), José Gonçalves (La Pomme) e mais recentemente Ricardo Mestre (Euskaltel), o que tem gerado muitas reacções positivas mas também muitas negativas, de gente que se queixa que o pelotão português está cada vez mais fraco. Afinal, foram os ciclistas portugueses que se tornaram atractivos para as equipas estrangeiras ou as equipas estrangeiras que se tornaram atractivas para os ciclistas portugueses?


A resposta é: ambos.

Por um lado, na última década tivemos ciclistas a ir para estrangeiro pelos resultados conquistados (Azevedo e Paulinho) ou pelo que prometiam poder vir a conquistar (Rui Costa e Machado), mas ultimamente temos tido muitos a emigrar pela falta de condições em Portugal, sendo os casos mais evidentes Vítor Rodrigues (Caja Rural, 2010), José Mendes (CCC Polsat, 2011), Jóni Brandão e agora José Gonçalves.

Tanto José Azevedo como José Mendes ou José Gonçalves emigraram quando estavam próximo do topo da pirâmide do ciclismo português, mas entretanto esse topo aproximou-se muito da base. Há 5 anos atrás, havia equipas nacionais para segurar quase todos os melhores ciclistas portugueses, com vários salários superiores a 5 mil euros por mês, alguns ultrapassar mesmo os 10 mil. Além disso, Liberty Seguros, Tavira, Maia/Póvoa ou Benfica corriam muitas provas importantes em Espanha, algumas em França e noutros países, apresentando não só um salário muito interessante, como um calendário atractivo. Mesmo em Portugal havia uma prova internacional por mês (Algarve, Santarém, Alentejo, Paredes, CTT Correios, Troféu Joaquim Agostinho e Volta a Portugal). Só valia a pena sair de Portugal se fosse para uma equipa de topo, como aconteceu com Azevedo quando foi para a ONCE ou Sérgio Paulinho e Nuno Ribeiro para a Liberty Seguros.

Depois em 2009 saiu Rui Costa para a Movistar, não como um homem para ganhar provas mas como uma jovem promessa. Estava longe de ter o estatuto que tem hoje (um dos melhores do mundo) mas já o suficiente para que a Movistar lhe oferecesse condições mais atractivas do que as equipas nacionais, onde se destacava a Liberty Seguros, após o final do Póvoa Cycling Club e do Benfica (que deixava livre Rui Costa).

Com várias equipas a acabar, deixaram de ser as equipas atrás dos ciclistas e passaram a ser os ciclistas a andar atrás dos contratos para poderem continuar na profissão. Isso, aliado à redução média dos orçamentos das equipas, levou a que os salários baixassem em grande medida. Ciclistas que ganhavam em torno dos 3 mil euros mensais baixaram rapidamente para os mil, nalguns casos até menos. Houve (e há) ciclistas a correrem a menos de 300€/mês.

Não sei quanto estavam a ganhar o André Cardoso, o Hernâni Brôco, o Manuel Cardoso e o Bruno Pires este ano nem quanto vão ganhar o José Gonçalves e o José Mendes no próximo ano, mas acredito que é significativamente inferior ao que poderiam receber nas melhores equipas portuguesas por volta de 2007/08/09, onde poderiam ganhar a cima dos tais 5 mil euros mensais. Se o ciclismo português estivesse nas mesmas condições, essas equipas apostariam forte nestes homens, não só para a Volta a Portugal, mas também para as outras provas internacionais portuguesas e provas no estrangeiro que disputavam.

Em todas as profissões existem portugueses que emigram por serem de categoria mundial, mas com a crise que se vive em Portugal têm aumentado muito os níveis de emigração, não porque cada vez haja mais portugueses de "classe mundial" nas suas profissões, mas sim porque cada vez há mais portugueses com qualidade superior àquilo que as empresas portuguesas conseguem pagar. O ciclismo não é alheio a este cenário e, se temos tantos portugueses no estrangeiro, não é apenas porque haja uma fantástica evolução do nosso ciclismo mas também pela falta de condições para segurar todos os talentos nacionais. O topo da pirâmide nacional, que há 5 anos estava ao nível "médio-alto" mundial, está agora a um nível "médio-baixo" mundial e cada vez mais baixo.

José Mendes correu pela CCC em 2011. Em 2013 será pela NetApp
Igualmente verdade é que Azevedo e Paulinho primeiro, Tiago Machado e Rui Costa depois aumentaram a visibilidade do ciclismo português. Em vez de alguns ciclistas portugueses conhecidos em alguns países da Europa, temos agora alguns ciclistas portugueses conhecidos em todo o mundo. Todos estes factores pesam.

Também não podemos ignorar o contributo da Velofutur na emigração de muitos destes portugueses. A Velofutur é uma agência espanhola de ciclistas que trabalha com muitos portugueses e algumas equipas estrangeiras, colocando os ciclistas por si agenciados nessas equipas em troca duma percentagem no salário. Foi fundamental para a ida de José Mendes para a CCC em 2011, agora para a NetApp e recentemente trabalhou para a fusão entre a francesa La Pomme e a sul-africana Team Bonitas. José Gonçalves assinou com a Velofutur e em troca ganhou um contrato na La Pomme.

Para concluir, têm razão os adeptos que se lamentam pela qualidade que está a sair do pelotão nacional, mas também têm razão os adeptos que celebram esta emigração do ciclismo português. É uma forma destes ciclistas correrem novas provas, mais prestigiadas, e garantirem um pequeno pé-de-meia. Porque com os salários que as equipas portuguesas estão a pagar, mal dá para pagarem as contas do mês.

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