José Azevedo é diretor desportivo na Radioshack |
Depois da primeira parte deste artigo focada em explicar
como estão relacionados os ciclistas e as equipas com os patrocinadores e a
quem pertencem as equipas, vem ai a segunda parte. Desta vez vamos focar no que
faz cada pessoa dentro da equipa. Por exemplo, o que faz o diretor desportivo,
o que faz o diretor geral e se existe mesmo o cargo de “diretor desportivo
adjunto”.
Como estão estruturadas as grandes equipas? - Parte I foi um sucesso em termos de
leituras e feedback. Quem ainda não leu, pode começar por ler, mas não é
essencial que o faça. Ou seja, esta parte do artigo deve ser compreensível
mesmo não tendo lido a primeira. As equipas vão ser tratadas pelo seu nome
“patrocinado”, aquele que toda a gente conhece (BMC, Radioshack, Sky…) mas
parto do princípio que já leram a primeira parte do artigo e já todos
compreendem com quem estão assinados os contratos (dos ciclistas e também do
staff).
Diretores Desportivos
Nas equipas portuguesas é muito comum existir apenas um
Diretor Desportivo que acumula a função de Diretor Geral, ou seja, o homem que
gere tudo (ou quase tudo). É assim, por exemplo, na Fullracing de Carlos
Pereira ou no Boavista de José Santos. Noutras equipas existe um superior ao
Diretor Desportivo, sendo o caso mais fácil de compreender o do Clube de
Ciclismo de Tavira, em que existe o Presidente do clube (recentemente eleito
Marcelino Teixeira, depois de Luís Constantino e Jorge Corvo) e o Diretor
Desportivo (Nelson Vitorino, depois de vários anos de Vidal Fitas, agora vice-presidente).
Era também o caso da Liberty Seguros, que tinha como diretor desportivo Américo
Silva e como Diretor Geral Vítor Paulo Branco. Há alguns anos, quando existiam
mais provas em Portugal e Espanha, existia também a figura do Diretor
Desportivo Adjunto, que comandava a equipa quando esta estava em duas provas em
simultâneo. Aconteceu várias vezes com Nentcho Dimitrov no Tavira (que também
dirigia a equipa sub-23) ou com Vítor Paulo Branco na Liberty Seguros, apesar
de ser superior hierárquico.
Ao nível das grandes equipas, existem dois cargos que têm
que ser explicados em conjunto: Diretor Geral (General Manager) e Diretor
Desportivo (Sports Director).
O Diretor Geral é o responsável máximo pelas operações da
equipa, desportivas e não desportivas, enquanto os Diretores Desportivos são
aqueles que dirigem a equipa nas provas. Por vezes existe acumulação de
funções. O caso mais extremo é o de Bjarne Riis, proprietário da Riis Cycling,
Diretor Geral (desde março, quando o anterior titular do cargo saiu) e Diretor
Desportivo. Um caso bem diferente é o da Garmin, em que o Diretor Geral é
Jonathan Vaughers e nunca desempenha a função de Diretor Desportivo, ou seja,
nunca é ele que vai a falar ao ouvido dos ciclistas. Existe ainda um caso
“intermédio” que é talvez o mais popular devido a Johan Bruyneel, Armstrong e
Contador. Por exemplo na Astana, Johan Bruyneel não era proprietário, era sim
Diretor Geral mas assumia o comando da equipa nas principais provas, como o
Tour.
Os diretores desportivos são quase todos eles ex-ciclistas
que contribuem para a equipa com a sua experiência. Por exemplo, na
Saxo-Tinkoff é natural que Bjarnee Riis comande nas grandes voltas mas nas
clássicas de pavé delegue o cargo a Lars Michaelsen, que era um especialista
neste tipo de provas. Já na Omega Pharma-Quick Step, para os pavês têm Wilfried
Peeters (pódio em Roubaix 98 e 99) e para as provas por etapas têm Davide
Bramati, que não era um homen de gerais mas na sua carreira disputou 24 grandes
voltas. Na Radioshack José Azevedo é, naturalmente, um homem para as provas por
etapas.
Aos diretores desportivos cabe a organização da equipa em
cada prova, mas a escolha dos ciclistas que participam em cada corrida é do
Diretor Geral, que dialoga com os seus colegas mas que toma a decisão. Afinal
de contas, qual é o diretor desportivo que não queria ter Fabian Cancellara na
sua corrida?
Para finalizar, cada equipa World Tour tem entre 5 e 8
diretores desportivos, contando com o Diretor Geral.
Mecânicos e Massagistas
Mecânicos e soigneurs
são, depois dos diretores desportivos, os cargos mais conhecidos no staff do
ciclismo. Em português os soigneurs
são habitualmente chamados de massagistas
e é assim que serão tratados aqui, mas é importante perceber que um massagista
de ciclismo é muito mais do que a pessoa que dá massagem. Soigneur vem do francês soigner,
“tomar conta”, e realmente os massagistas são quem mais toma conta dos
ciclistas.
Zona de Abastecimento no Tour |
Além de dar as massagens, os massagistas são responsáveis
por preparar o abastecimento dos ciclistas e a roupa que vai no carro de apoio
para o caso de chuva ou frio. Numa equipa de oito ciclistas (como a maioria das
provas), é necessário preparar o abastecimento apeado para os oito ciclistas e
contar com reservas, porque não basta dividir oito sacos por dois massagistas.
Imagine-se que cinco ciclistas não conseguem alcançar a bolsa de abastecimento
no primeiro massagista… é necessário que o segundo tenha reservas. Esta tarefa de
estar nos locais de abastecimento apeado não é exclusivamente desempenhada por
massagistas, mas geralmente são eles que o fazem. Além disso, preparam o
abastecimento a ter nos carros de apoio e no final das etapas e sim, têm que
esperar que chegue o último ciclista da equipa, que por vezes demora muito
tempo.
Já os mecânicos, como facilmente se percebe, são os
responsáveis em deixar as bicicletas e todo o restante equipamento nas devidas
condições. Mas não se pense que apenas têm que afinar oito bicicletas. Têm que
afinar as bicicletas de corrida, as suplentes e garantir que as rodas suplentes
também estão prontas a utilizar em caso de furo. Quando acaba a etapa, toca a
limpar tudo e começar a preparar para o dia seguinte, o que frequentemente
acaba já de noite. E na manhã seguinte, rever tudo.
Quando acaba uma prova por etapas, não são apenas os
ciclistas que precisam de descanso. Mecânicos e massagistas também e bons
mecânicos e bons massagistas são muito cobiçados pelas equipas. Enquanto em
Portugal trabalham para as equipas em part time e quando não há competição
trabalham numa loja de bicicletas ou têm um gabinete de massagens, no World
Tour são funcionários a tempo inteiro e andam constantemente a viajar.
Uma vez que estão nas provas, muitas vezes também lhes toca
ir buscar os camiões, caravanas e autocarros à base da equipa e devolver no
final da prova. Por exemplo a Radioshack têm dois mecânicos portugueses, três
belgas, um alemão, um lituano e um colombiano, mais quatro massagistas
espanhóis, dois belgas, uma alemã, um italiano, um francês e um polaco. Para
estarem na Volta ao Algarve, alguém tem que ir à base (que antes era na
Bélgica, agora não sei) e trazer a frota. No final é necessário levar de volta
à base, para que outro colega vá buscar, por exemplo para a Strade Bianche no
início de março. Por vezes o trabalho é facilitado e os camiões e autocarro
utilizados numa prova podem ficar no país até à seguinte (por exemplo, Strade
Bianche e Tirreno-Adriático separados por três dias), mas ao longo do ano esta
tarefa também é desempenhada várias vezes e ocupa muito tempo e muitos dias
fora de casa, tal como aos ciclistas.
Algumas equipas têm mais de uma dezena de mecânicos e mais
de uma dezena de massagistas. E se para muitas provas bastam dois ou três de cada, para as
grandes corridas, em que nada pode falhar, o número de efectivos é ainda maior.
O maior desafio da temporada é o Paris-Roubaix, em que é muito difícil para os
carros de apoio estar próximo dos ciclistas na fase decisiva e essa ausência é
colmatada por massagistas e mecânicos em locais estratégicos, para dar
abastecimento e sobretudo para trocar rodas em caso de necessidade. Por isso é
muito frequente ver pessoal técnico com rodas no ar ao longo dos setores de
pavé.
Outros auxiliares
Muito mais pessoal trabalha para o bem-estar dos ciclistas.
Apesar de muitas equipas permitirem que os seus corredores sejam acompanhados
por médicos e preparadores físicos externos, todas as equipas têm mais do que
um médico e um preparador físico. Facilmente se percebe quais as suas
principais funções: garantir que os ciclistas estão no topo da sua forma física
quando têm que estar.
E depois de tudo o que se passou com os médicos Eufemiano
Fuentes e Michele Ferrari, algumas equipas estão a apertar o cerco ao recurso a médicos externos, mas é impossível controlar os ciclistas
365 dias por ano.
O rádio não funcionava antes da partida para o contrarrelógio da Volta ao Algarve 2012... mas Tony Martin manteve a calma e a confiança na equipa |
Porque as lesões são tão frequentes, quase todas as equipas
World Tour contam com, pelo menos, um fisioterapeuta e um osteopata. E apesar
de outros elementos o poderem fazer, todas as equipas têm pelo menos um
motorista de autocarro.
Funções Não-Desportivas
Uma equipa de ciclismo não se limita a dar aos pedais e,
além de muita gente a trabalhar próximo dos ciclistas, há ainda um conjunto de
pessoas a trabalhar no backstage para que tudo corra da melhor forma.
Cada empresa/equipa tem as suas designações para os cargos,
mas as tarefas necessárias são transversais a todas as equipas. Isto é, o que
numa equipa se chama Diretor de Marketing, noutra pode chamar-se Responsável de
Marketing e ter as mesmas funções. Ou numa equipa chamar-se Relações Públicas e
noutra Diretor/Responsável de Comunicação. Mais importantes que o título do
cargo são as funções a desempenhar.
Porque estão dependentes de alguns milhões de euros em
patrocínios, é necessário que cada equipa tenha um Diretor de Marketing para a
gestão da relação com os patrocinadores e geralmente o merchandising (venda de
equipamentos e outros produtos da equipa para os adeptos), se bem que nalgumas
equipas existe uma pessoa exclusivamente responsável por esta área. Também é
"obrigatório" ter alguém responsável pela comunicação/relações públicas, ou seja, a gestão da relação com a comunicação social e com
os adeptos.
A direção financeira da equipa pode estar a cargo de alguém
pertencente à empresa (um Diretor Financeiro) ou a contabilidade pode estar a
cargo de uma outra empresa prestadora de serviços na área.
Muito importante é o Diretor Técnico ou Diretor de
Operações, o número 2 na hierarquia das responsabilidades da
equipa logo depois do Diretor Geral. No ciclismo não há jogos em casa e jogos
fora. As corridas são espalhadas pelo mundo e as equipas estão constantemente a
viajar. Em novembro e dezembro estão a estagiar na Europa ou nos EUA, em janeiro
podem estar a correr na Austrália e Argentina, depois no Sul da Europa mas
também no Médio Oriente, correm toda a Europa desde Portugal até Polónia, vão
aos EUA para a Volta à Califórnia, regressam à Europa, vão aos EUA para o USA
Pro Cycling Challenge, regressam à Europa, depois cruzam o Atlântico novamente para
as clássicas do Canadá e terminam a temporada na China. Ainda há que
acrescentar os estágios durante a temporada e as idas aos Alpes ou Pireneus
para inspecionar as principais etapas do Tour e fazer o mesmo para Giro e
Vuelta.
O Diretor Técnico é o responsável por garantir que a equipa
tem tudo o que necessita ao seu dispor, seja na corrida do seu país ou em
qualquer parte do mundo, durante todo o ano. Quase sempre existe também alguém
responsável pela hospedagem nos hotéis e pela logística, que garante que em
cada hotel nada falta aos ciclistas, mas também aos mecânicos, aos massagistas
e a todo o restante pessoal. Por exemplo, os mecânicos precisam de acesso à
água para poder limpar as bicicletas e os massagistas precisam de inúmeras
toalhas durante as massagens. Os diretores desportivos precisam de uma sala em
que se possam reunir com os ciclistas, o cozinheiro precisa de ter todos os
equipamentos necessários para o seu trabalho e na hora do pequeno-almoço os
ciclistas precisam de um banquete adaptado às necessidades desta profissão de
enorme desgaste.
Conclusão
Como cada empresa, cada equipa tem a sua própria estrutura.
O importante aqui é perceber que o trabalho de uma equipa vai muito além
daquele que vemos na televisão. Por trás de cada vitória está o trabalho de
muitas pessoas, pessoas que verdadeiramente sentem cada conquista desportiva
como sua, ainda que nunca subam ao pódio e nunca sejam faladas na televisão.
As equipas procuram os melhores profissionais sem olhar a
nacionalidades. Por isso, apesar de não existir nenhuma equipa portuguesa do
World Tour, existem alguns profissionais lusos além dos ciclistas que toda
a gente conhece. Com vários anos de experiência em Portugal, José Eduardo
Santos e Francisco Carvalho são mecânicos na Radioshack, Jorge Queirós é mecânico
na Garmin, Marco Marques massagista na Vacansoleil, Ricardo Scheidecker é Diretor de Operações na Saxo-Tinkoff depois
de passar pela PAD, UCI, Leopard e Radioshack, e José Azevedo é diretor desportivo na Radioshack.
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O Inquérito do Carro Vassoura continua disponível aqui. Brevemente
será encerrado e no início da próxima semana os resultados serão analisados e
divulgados. Obrigado às muitas pessoas que já responderam.
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Mais uma vez, esteve muito bem, e até acho que deve apostar neste tipo de crónicas.
ResponderEliminarParabéns. Excelente artigo :)
ResponderEliminarTemos ainda o Marco Marques massagista vacansolei
ResponderEliminarMuito bom!
ResponderEliminarMuito bem! É com prazer que visito este blog diariamente, sempre á procura do que melhor se escreve por terras lusas. Aguardo com expectativa "os textos" sobre o Giro que ai vem. Continuação de bom trabalho!
ResponderEliminarObrigado pelos comentários.
ResponderEliminarAnónimo, é verdade. Já foi acrescentado à crónica.
Cumprimentos a todos!
Dois fantasticos textos sobre tudo o que rodeia uma estrutura de uma equipa de ciclismo profissional.Um pouco fora do tema´,de referir mais uma extraordinaria prestação do Rui Costa na etapa mais dura da volta´a Romandia que o colocou no terceiro lugar.
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