quarta-feira, 24 de abril de 2013

Como estão estruturadas as grandes equipas? - Parte I

Bjarne Riis é diretor desportivo e proprietário da Riis Cycling,
empresa por trás da Team Saxo-Tinkoff
Quem são os proprietários das grandes equipas e como é feita a relação entre ciclistas, equipas e patrocinadores? Porque algumas acabam quando ficam sem patrocinador, porque outras continuam, porque alguns patrocinadores mudam de equipa e porque algumas equipas continuam mesmo sem patrocinador? Estas são algumas das perguntas a responder na primeira parte deste artigo, enquanto a segunda terá uma abordagem focada no aspeto desportivo.

Criou-se alguma confusão quando a empresa Omega Pharma e a Quick Step se juntaram no patrocínio de uma equipa. Afinal, o que tinha acontecido? Era a junção de duas equipas (Quick Step e Omega Pharma-Lotto) e a criação de uma nova (Lotto-Belisol)? Não.

Enquanto as equipas portuguesas se baseiam geralmente num clube local e a vontade de algumas pessoas, as grandes equipas mundiais têm muito mais do que isso por trás. Na esmagadora maioria dos casos as equipas têm por trás uma empresa que se pode comparar a uma SAD. Pensemos nas SAD dos clubes de futebol com as quais estamos mais familiarizados. Os jogadores do SL Benfica são na verdade jogadores da SL Benfica SAD e é com ela que têm contrato, bem como os jogadores do FC Porto ou do Sporting CP, que são respetivamente jogadores da FC Porto SAD e do Sporting CP SAD. As SAD são responsáveis quase a 100% pelas equipas principais dos clubes de futebol e é com elas que estão assinados também os contratos de patrocínio, mas mesmo que o contrato com a Meo, com a TMN ou com outra empresa termine, os contratos entre os jogadores e a SAD continuam.

A relação ciclistas-patrocinador é semelhante à relação futebolista-patrocinador: não existe. O que existe são contratos entre os ciclistas e as empresas gestoras da equipa e, apesar das equipas de ciclismo assumirem o nome dos patrocinadores, não há relação direta entre estes e os ciclistas.

O que se passou no caso anteriormente citado não envolveu a criação nem junção de nenhuma equipa. Existia até 2011 a equipa Quick Step, baseada na empresa Esperanza BVBA e patrocinada pela empresa Quick Step, e a equipa Omega Pharma-Lotto, baseada na Belgian Cycling Company SA e patrocinada pelas empresas Omega Pharma e Lotto. A empresa Omega Pharma decidiu terminar o seu contrato com a Belgian Cycling Company SA e tornar-se patrocinadora da Esperanza BVBA, mas os contratos existentes entre os ciclistas e a Belgian Cycling Company SA mantiveram-se. Não era o caso de Philippe Gilbert pois o seu contrato terminava no final desse ano, mas eram os casos de Jurgen Van Den Broeck e Andre Greipel por exemplo.

Podemos dividir as equipas em três tipos:

Equipas fundadas pelos diretores desportivos

Este é o tipo de equipas mais próximo das portuguesas, em que os grandes responsáveis são os diretores desportivos. No entanto, existe a óbvia diferença em termos de dimensão.

Bons exemplos são a Abarca Sports S.L. (Movistar) de Eusebio Unzué, a Riis Cycling (Saxo-Tinkoff) de Bjarne Riis ou a SA Vendée Cyclisme (Europcar) de Jean-René Bernaudeau. E são bons exemplos porque, apesar de serem pouco conhecidos os nomes das suas empresas, são equipas que estão na estrada há muitos anos e com patrocinadores diferentes. A Movistar foi Banesto, Illes Baleares e Caisse d’Epargne, a Saxo-Tinkoff foi CSC e a Europcar foi Brioches La Boulangère e Bouyugues Telecom, entre outros nomes provavelmente já mais esquecidos dos adeptos.

Neste tipo de equipas os contratos de patrocínio costumam ser de curta duração 2-3 anos e quando terminam os seus responsáveis têm que ir atrás de novos patrocinadores. Muitas vezes sem sucesso e a equipa acaba (como aconteceu com a Milram ou a Geroslteiner, para citar dois exemplos recentes) mas outras vezes com sucesso como nos casos inicialmente referidos.

Sendo os proprietários das equipas os diretores desportivos, financeiramente apenas interessa que a equipa se mantenha na estrada nas melhores condições possíveis. Não é necessário ter avolumados lucros, porque os rendimentos dos proprietários são obtidos através dos salários auferidos nos cargos que ocupam.

Equipas de milionários

Alguns já terão ouvido falar de Flavio Becca, o milionário luxemburguês que fundou a Leopard. Outro tipo de equipas são as fundadas por milionários como Flavio Becca mas também como Andy Rihs, Igor Makarov ou Zdenek Bakala. Estes nomes não lhe dizem nada? Vamos por partes.

Flavio Becca é o mais conhecido no ciclismo por em 2011 ter criado a Leopard. Mais do que criar a equipa, Becca foi quem financiou a equipa quase na sua totalidade durante o primeiro ano, não com a finalidade de vir a ter retorno, mas porque gosta de ciclismo e queria ter uma super-equipa com sede no Luxemburgo. No entanto, Becca pretendia encontrar um forte patrocinador que lhe permitisse reduzir o seu patrocínio, o que não conseguiram durante toda a temporada 2011 e por isso se juntaram em 2012 à Radioshack. Juntaram-se? Como?

Ainda que à primeira vista pareça que foi a Leopard a juntar-se à Radioshack, na verdade foi ao contrário. A equipa Radioshack terminou e os seus patrocinadores transferiram o patrocínio para a Leopard SA. Daqui resultam duas situações. Por um lado, a equipa Radioshack poderia passar os seus contratos a qualquer outra equipa (e o mais natural seria passar à Leopard, claro), por outro lado, teria que indemnizar os contratos que fossem quebrados.

Andy Rihs chegou ao ciclismo por outra via. Este milionário é o dono da empresa Phonak e em 2000 criou a equipa Phonak, com a qual chegaria a ganhar o Tour 2006 através de Floyd Landis, mas o controlo positivo de Landis retirou-lhe a vitória e terminou com a equipa. Mas porque Rihs adora ciclismo, no ano seguinte criou a empresa Continuum Sports LLC, gestora da BMC Racing Team, uma equipa que sempre contou com o grande patrocínio da marca de bicicletas BMC… da qual Rihs é proprietário. Com esta equipa, Rihs cumpre dois interesses: promove a sua empresa BMC e cumpre os seus luxos de ter a melhor equipa do mundo. Não é a melhor, mas é uma das melhores, já venceu um Tour e tem no seu plantel quatro dos últimos cinco campeões mundiais.

Igor Makarov é um ex-ciclista soviético e o homem por trás da Katusha. É presidente da Federação Russa de Ciclismo (apesar de ser do Turquemenistão) e fundador da Itera, empresa dedicada à exploração de gás natural que é coproprietária da Gazprom, a maior empresa mundial na extração de gás natural. A Gazprom e a Itera são os grandes patrocinadores da Katusha, a Gazprom também patrocina os clubes de futebol Zenit Saint Petersburg, o alemão Schalke 04 e o inglês Chelsea, patrocina a Liga dos Campeões e Makarov é considerado pela Forbes um dos homens mais ricos do mundo. Como acontece com quase todos os milionários russos, ninguém sabe muito bem como ganhou tanto dinheiro mas também pouco interessa.

Por fim, Zdenek Bakala, o mais recente membro do clube dos milionários no ciclismo, uma lista que vai para além destes quatro homens. Bakala é checo, investidor mineiro e financeiro, tem uma fundação para financiar os estudos de jovens checos e desde 2011 é o principal acionista da Esperanza BVBA, a empresa que serve de base à Omega Pharma-Quick Step. O diretor desportivo Patrick Lefevere era o proprietário da empresa até então, mas o investimento de Bakala (juntamente ao patrocínio da Omega Pharma) veio possibilitar à equipa ser mais forte. E se for necessário aumentar o orçamento para ter uma superestrela como Cavendish, esse aumento de orçamento é conseguido através da Omega Pharma, da Quick Step ou do próprio Bakala.

Nenhum destes milionários está no ciclismo para enriquecer. Tal como todo o ciclista de lazer gostaria de ter uma bicicleta de €10.000, Becca, Rihs, Makarov e Bakala quiseram ter uma equipa de ciclismo. E têm.

Equipas fundadas pelos patrocinadores

Se muitos diretores desportivos procuram patrocinadores para os seus projetos, neste caso é o contrário e são as empresas que decidem apostar no ciclismo como veículo promocional. É o caso da Sky e era o caso da Rabobank.

A equipa Sky é 60% propriedade da BSkyB (cadeia televisiva), 25% da Sky Italia a 15% da Newscorp, a empresa que detém quase 40% do capital da Sky. Ou seja, fica quase tudo na mesma casa. Nesta situação, os proprietários da empresa/equipa financiam a mesma com milhões de euros que formam o orçamento da Sky Team. Em troca, o que ganham os proprietários? Publicidade. Esse é o grande interesse. A empresa que serve de base à equipa chega ao final do ano com um lucro residual (praticamente nulo) mas os seus proprietários ganham publicidade.

Nos mesmos moldes funcionou a Rabobank durante quase vinte anos.

Nestes casos é mais provável que mude toda a estrutura diretiva da equipa do que mude o patrocinador. O caso da Rabobank é muito particular, pois a empresa decidiu afastar-se do ciclismo de alta competição mas continua a financiar a equipa até que seja encontrado um novo patrocinador.

Equipas brancas

Equipa branca é um conceito que tem vindo a popularizar-se nos últimos cinco anos e pode ser aplicado em qualquer um dos três tipos de equipas já apresentados.

Quando a empresa T-Mobile decidiu retirar o seu patrocínio à equipa que dava nome, os seus responsáveis (e proprietários da empresa que tinha os contratos com os ciclistas e a licença Pro Tour) decidiram manter a equipa na estrada sem patrocinador, suportando os custos da mesma com os lucros feitos nos anos anteriores. Segundo eles, tinham lucros suficientes para manter a equipa na estrada durante uma temporada, mas não foi necessário tanto tempo porque antes do Tour chegou a empresa de vestuário Columbia. Depois a HTC e a equipa manteve-se na estrada até final de 2011, então já muito diferente da alemã T-Mobile de que era originária.

Seguiu-se a Leopard, a GreenEDGE (agora Orica-GreenEDGE) e o Project 1t4i (agora Argos-Shimano). São projetos financiados por alguém como Flavio Becca, que aceita gastar uns milhões de euros (ou de outra moeda) até que a sua equipa conseguia empresas patrocinadoras. Leopard, GreenEDGE, Project 1t4i ou Blanco significam algo como “Anuncie aqui”.

No caso da Leopard, o anúncio não teve sucesso e foi necessário juntar esse projeto à Radioshack, no caso da GreenEDGE bastaram quatro meses (recheados de grandes vitórias) para que encontrassem patrocinador principal e no caso da Argos três meses.

O caso do Project 1t4i tem outra particularidade. A equipa já existia enquanto Skill-Shimano, mas a Skill deixou de patrocinar e os proprietários da equipa procuraram um patrocinar com maior disponibilidade financeira para a equipa poder chegar mais longe e ser World Tour. A Shimano continuava a patrocinar mas a equipa chamava-se apenas Project 1t4i, não Project 1t4i-Shimano, à semelhança da Leopard-Trek. O objectivo era “limpar” os antigos patrocinadores da mente dos adeptos, para que o novo patrocinador principal pudesse assumir maior destaque em vez de ser associado à “equipa Shimano”. A empresa Shimano perdeu três meses de patrocínio, mas assim tornou mais fácil que se encontrasse um forte parceiro e agora a equipa é World Tour.

Conclusão

Apesar das equipas da elite mundial terem proprietários de origens tão diversas, o objetivo nunca é o lucro financeiro. Para alguns representa o seu emprego, para outros uma excentricidade, mas todos têm em comum o gosto pelo ciclismo. Afinal de contas, quem é que gosta de ciclismo e nunca pensou em criar uma equipa no dia em que ganhar o Euromilhões?

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Como estão estruturadas as grandes equipas? - Parte II

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Para quem ainda não respondeu ao Inquérito do Carro Vassoura, agradeço que o faça. O inquérito demora menos de cinco minutos e é totalmente anónimo. É duplamente importante que o façam: em primeiro lugar, porque é muito importante saber a opinião dos leitores, em segundo lugar, porque não devo fazer outro nos próximos largos tempos e os resultados deste vão continuar a ser os mais atuais que terei.

Ainda não vi o que responderam, mas já sei que tenho muitas mais respostas do que esperava por esta altura. Ainda assim, preciso de mais para que o resultado seja fiável. E assim que tiver respostas suficientes, vou analisar os resultados e colocar aqui.

Muito obrigado aos que já responderam e quem não respondeu basta clicar aqui.

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De agora em diante, todas as terças-feiras haverá uma crónica minha no NoticiasCiclismo.net. O espaço chama-se Décima Quarta Curva (homenagem ao grande Agostinho) e podem aceder aqui. A primeira crónica já lá está e espero que gostem. Se ainda não conhecem o site, podem (e devem) aproveitar para dar uma vista de olhos e certamente vão gostar.

7 comentários:

  1. Excelente artigo!

    Só foi pena nao falares na Garmin e na Euskaltel, ou se preferirmos na Slipstream Sports e na Fundacion Euskadi! Mas esta mesmo muitobem conseguido e com tudo bem explicado e percetivel!

    Cumprimentos

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  2. 5***** o Sr (que nao conheco) devia estar a comentar na Eurosport, sabe mais a dormir que aqueles que la estao acordados

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  3. Parabéns Rui, isto é serviço público em prol do ciclismo.

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  4. Obrigado pelos comentários.

    SR, não poderia falar de todas as equipas. O objetivo principal é que os leitores percebam os vários tipos. Mas em traços gerais, a Garmin (Slipstream) é um projeto inicialmente financiado pelo próprio Jonathan Vaughters (Diretor Geral), mais tarde também por Doug Ellis (presidente) e sempre por patrocinadores.
    A Euskaltel começou como uma fundação sem fins-lucrativos financiada pela Comunidade Autónoma do País Basco (Euskadi) para promoção do ciclismo na região, depois recebeu o patrocínio da empresa Euskaltel e atualmente a equipa profissional está separada da Fundação Euskadi. Tem o patrocínio da Euskaltel e o patrocínio estatal mas é uma empresa como quase todas as outras.

    Anónimo, obrigado pelo elogio, mas esses cargos são como os títulos da monarquia: vitalícios. Talvez por isso se achem um pouco réis. Um mais que outro.

    Cumprimentos!

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  5. Pronto está completo o artigo na sua parte I! ehehe
    Agora venha a parte dois : )



    Cumprimentos

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