quarta-feira, 5 de junho de 2013

O fracasso do World Tour

A empresa Radioshack deixa o ciclismo no final de 2013. A Trek pode ser o substituto como patrocinador principal
O Pro Tour falhou. Depois de várias alterações, deu lugar ao World Tour, que igualmente falhou e, no somatório das invenções, a UCI fracassou redondamente. A partir de 2015 o sistema será outro, mas não é certo que o organismo que dirige o ciclismo internacional tenha percebido as causas do fracasso. Será?

As consequências do Pro Tour para o ciclismo português foram rapidamente percebidas. As equipas nacionais ficavam sem espaço nas grandes provas e as as grandes equipas ficavam sem espaço no calendário para as provas portuguesas. Nenhum dos casos era preocupante para a UCI. 

Com o Pro Tour a UCI pretendia ter uma elite formada por 20 equipas que disputavam todas as grandes provas, atraindo assim grandes multinacionais. Com grandes multinacionais interessadas em ter equipas Pro Tour, a UCI poderia aumentar as receitas através das licenças das equipas e das provas, pois todas quereriam ter as melhores equipas. Isso pensava a UCI, mas estava errada.

Ao longo dos últimos anos tem diminuído o número de formações candidatas ao World Tour. Para 2013 foram apenas 19 para 18 vagas e as empresas Radioshack, Vacansoleil e DMC anunciaram a não renovação dos seus contratos de patrocínio. O fracasso da UCI e da sua tentativa de atrair o interesse de grandes multinacionais é evidente se analisarmos que a grande maioria das 17 equipas equipas certas para 2014 são suportadas por milionários que veem no ciclismo um divertimento ou por empresas relacionadas com a industria das bicicletas. Astana, Katusha e Leopard inserem-se na primeira categoria, Cannondale, Merida (co-sponsor da Lampre) e Shimano (co-sponsor da Argos) inserem-se na segunda e BMC insere-se em ambas as categorias. Temos ainda a GreenEDGE fortemente financiada por Gerry Ryan, a Omega Pharma-Quick Step por Zdenek Bakala e a Saxo-Tinkoff que encontrou um balão de oxigénio em Oleg Tinkoff, três milionários que adoram ciclismo. A isto acrescenta-se a Trek como principal hipótese de salvação da Radioshack para a próxima temporada e a Bianchi como candidata a ser uma das principais patrocinadoras da atual Vacansoleil.

O World Tour serviu para globalizar o ciclismo, levando a sua magia a todo o mundo, desde a Austrália em janeiro à China em outubro, passando pelo Canadá. Com isto, tornou-se muito apetecível para as empresas da industria das bicicletas patrocinarem uma equipa como a Cannondale de Sagan ou as outras já referidas. Por outro lado, é muito preocupante ver que o ciclismo se está a tornar financeiramente dependente de si próprio e da vontade (e paixão) de milionários que são bem-vindos mas não devem ser fundamentais.

Empresas fortemente apostadas nos seus mercados internos têm pouco interesse em promover-se além-fronteiras. Para uma empresa de telecomunicações virada para o mercado espanhol como a Euskaltel ou uma seguradora virada para o mercado francês como a Ag2r é quase irrelevante ir à Austrália, Canadá ou China. O mesmo para a Liquigas, que via o seu investimento ser gasto em mercados que não lhe interessavam e por isso deixou a modalidade.

O problema não é que as empresas de outros setores fortemente vocacionadas para os mercados dos seus países deem lugar a multinacionais relacionadas com o mundo das bicicletas. O problema é que estas sejam as únicas verdadeiramente interessadas em se promover através do ciclismo.

No atual contexto económico mas com o ciclismo organizado como estava até 2004, bastariam cerca de três milhões para uma equipa ter presença assegurada numa grande volta. Com o World Tour e apenas quatro convites por entregar, a situação é muito diferente. Para ter presença assegurada no Tour, Giro ou Vuelta é necessário ser World Tour, o que obrigado a um orçamento mínimo na casa dos 6-7 milhões.

É possível fazer uma equipa continental profissional de boa qualidade pelos mesmos três milhões de euros, mas é um grande investimento para o risco associado de não receber wildcard. Não sendo uma equipa nacional, as probabilidades diminuem significativamente, e que o digam a IAM Cycling ou a NetApp, recusadas para a próxima edição do Tour. E mesmo sendo uma equipa "da casa", não há certezas, como se viu com a Caja Rural fora da Vuelta 2011 ou a Acqua & Sapone de fora do Giro do ano passado, levando ao final da equipa depois de nove anos de atividade.

O World Tour provocou também um enorme fosso entre o ciclismo continental e a elite. As provas não pertencentes ao World Tour perderam equipas de topo e com isso perderam interesse para o público, comunicação social e patrocinadores (consequências uns dos outros). As equipas continentais deixaram de estar debaixo dos holofotes e perderam patrocinadores. As empresas não se interessam em patrocinar equipas continentais porque estas só correm provas menores e cada vez há menos provas para elas, levando ao fim de muitas equipas pela Europa, e não se interessam em patrocinar provas porque não têm as melhores equipas e cada vez têm pelotão mais reduzidos, levando ao final de várias corridas. Como se percebe, é uma bola de neve.

O futuro

Em setembro a UCI vai a votos para eleger o Presidente dos próximos quatro anos e desta vez Pat McQuaid terá concorrência. Já é sabido que 2014 será o último ano do World Tour, mas falta saber se o novo presidente (caso McQuaid seja derrotado) ainda irá a tempo de decidir algo quanto ao próximo modelo a adotar.

Sobre a mesa está a hipótese de um ciclismo inspirado na Formula 1, com algumas equipas a correrem uma série de provas um pouco por todo o mundo. Pelo que se vai sabendo, seria um modelo semelhante ao World Tour, mas com mais poder de decisão nas mãos dos milionários que têm chegado à modalidade. É importante reforçar que esses milionários não representam um problema para o ciclismo, mas nenhuma individualidade (ou conjunto delas) deve controlar a modalidade.

Olhando a países específicos, o principal problema pode parecer a crise que abala (sobretudo) a Europa. Olhando para o ciclismo num todo, o problema é a forma como está organizado.

Não é preocupante que dúzia ou dúzia e meia de equipas tenha que se deslocar à Austrália, Dubai, EUA, Rússia ou China, apenas para citar algumas possibilidades. No entanto, o ciclismo precisa que as grandes equipas possam fazer o seu calendário e as grandes provas possam escolher os seus participantes. Em 2013 o calendário World Tour tem 154 dias de competição, deixando muito pouca margem para que as equipas WT corram outras provas e chegando ao cúmulo de algumas formações alinharem em provas de categoria máxima apenas com 6 (número mínimo), de forma a gerirem o seu plantel. Estas equipas não correm onde querem mas sim onde a UCI obriga. Pior que isso, não correm onde os seus patrocinadores querem.

Existem dois aspetos fundamentais para o novo modelo a implementar em 2015. Por um lado, é fundamental que o número de dias de competição obrigatórios seja reduzido, permitindo às equipas apostar em todas as provas que interessam aos seus sponsors. Por outro lado, é fundamental que haja mais convites disponíveis para as três grandes voltas, seja através da redução do número de ciclistas por equipa de 9 para 8 (que permitiria mais cinco equipas) ou através da redução no número de conjuntos World Tour (menos fixas significam mais vagas para convites).

1 comentário:

  1. Doping é o FRACASSO DO World Tour. As grandes multinacionais estão com medo do ciclismo. Existe riscos grandes de a publicidade se virar contra as próprias marcas se explodir um caso de doping na equipa que elas investem. Quando o doping terminar O World tour será uma Formula 1.

    Heleno

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