quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Sobre a Pro Cycling Marathon

A marginal que liga Cascais a Lisboa recebeu no sábado a primeira EDP Bike Maratona, uma prova bastante peculiar. Um dia, um contrarrelógio por equipas e uma extensão (37 km) que não é superada desde 2001 (39, na Volta a Portugal desse ano). A prova tinha sido apresentada com grande euforia e a garantia de que há conversações para trazer Froome e Contador em 2014. Será?

O EDP Bike Maratona é organizado pelo Maratona Clube de Portugal, organizador da Meia Maratona de Lisboa, que todos os anos junta milhares de pessoas para atravessar a Ponte 25 de Abril e já leva 24 edições realizadas. Este ano, a EDP e o Maratona Clube de Portugal decidiram juntar-lhe as bicicletas, com três provas. Uma prova aberta à participação de todos com a distância de uma maratona, outra com a distância de uma meia maratona e uma terceira prova para as equipas continentais e equipas de clube portuguesas disputarem em sistema de contrarrelógio coletivo.

Antes de mais, é preciso ter em conta que o principal objetivo da EDP será, como em quase todas as suas ações de marketing, reforçar a notoriedade da marca e a lealdade à mesma, principalmente agora (desde há alguns anos) que o mercado da energia é liberalizado e a EDP tem concorrência.

Olhando para o sucesso que alcançaram no atletismo, não tenho dúvidas de que as provas de ciclismo/passeios de cicloturismo (consoante o objetivo dos participantes) serão também elas um sucesso em termos de número de participantes. Agora quanto à prova principal, que está no calendário UCI para a próxima época com o nome Pro Cycling Marathon, tenho as minhas dúvidas se chegará ao nível que o diretor da organização mostrou ambicionar na apresentação da mesma. Como este blog é dedicado a ciclismo de competição, é disso que falaremos aqui e não das provas de lazer.

A Pro Cycling Marathon começou a marcar uma posição logo quando foi apresentada (ver aqui). A expressão "prova mítica" logo a abrir, a promessa de ciclistas World Tour presentes no próximo ano e a informação de conversações com Froome e Contador chamam à atenção dos adeptos do ciclismo. Porém, recomendo que o adepto não eleve em demasia as expetativas. Já sei que nem toda a gente gosta deste lado que tenta chamar mais à razão, deixando de parte a ilusão, mas faz parte do combustível que move o Carro Vassoura.

Esta crónica será um esboço do que em gestão chamamos análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats, ou Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças). Em resumo, o objetivo é perceber quais as forças a aproveitar, as oportunidades a explorar, as fraquezas a eliminar e as ameaças a neutralizar para chegar ao sucesso. Fechar os olhos às fraquezas e às ameaças e cruzar os dedos não é opção.

Uma prova de um dia de contrarrelógio não é assim tão inovadora quanto disse Carlos Móia. Quando o Pro Tour foi criado, em 2005, criaram juntamente o Contrarrelógio coletivo de Eindhoven, uma prova como a que vimos no último sábado mas para equipas Pro Tour e que morreu no final da terceira edição, porque interessava pouco às equipas e eram poucas ou nenhumas as estrelas presentes. Além disso, desde 1982 que se disputa em França o Chrono des Nations (Tony Martin venceu as últimas duas edições), de 1932 a 2004 disputou-se o Grande Prémio das Nações e desde 82 também se disputa o Duo Normand que é um contrarrelógio de duplas. Enfim, é algo pouco visto mas a Pro Cycling Marathon não será assim tão inovadora.

É sim uma prova como há poucas e essa raridade (não exclusividade) é um dos pontos a seu favor. Outro ponto a favor (força, em terminologia SWOT) é a beleza do percurso que liga Cascais ao Parque das Nações. Não é o aspeto mais importante, mas nesse campo a prova torna-se muito mais interessante que um contrarrelógio em autoestrada (Vuelta 2007, quem se lembra?) ou outras parvoíces que já se viram por esse mundo fora. Mas como dito, não é o aspeto importante, e nos pontos fulcrais a Pro Cycling Marathon peca.

Um prémio de 1500€ para a equipa vencedor é realmente muito atrativo para as formações nacionais. Considerando que é dividido apenas pelos seis ciclistas em prova, resulta em 250€ para cada um, o que, como os passageiros habituais deste veículo já sabem, representa um salário para muitos ciclistas e para alguns será mesmo o único salário que receberão em vários meses. Apesar de se disputar um mês e meio após a Volta a Portugal (e no próximo ano serão quase dois meses), os melhores ciclistas de equipas nacionais querem disputa-lo. O cenário é bonito e o prémio mais atraente. Porém, isto não chega para a prova ser um sucesso.

Para o ciclismo ser sustentável em Portugal não se pode pensar apenas nos adeptos do ciclismo, nos leitores do Carro Vassoura, do Jornal Ciclismo ou do Notícias Ciclismo, em que vê o Paris-Nice e a Volta ao Reino Unido ou nos adeptos que já estão com aquela nostalgia de final de temporada. Noutros países, o ciclismo tem "público próprio" suficiente para atrair grandes marcas, mas infelizmente em Portugal somos poucos e insuficientes para atrair avolumados investimentos. Isso comprovou-se nesta edição da prova, com pouco público presente. 

Por exemplo, o que fez (e faz) a Volta ao Algarve grande, com todo o respeito, não foi o Westra duas vezes no pódio, o Luis León Sánchez ou as etapas do Theo Bos, Paul Martens, Meersman ou Cummings, todos eles ciclistas do World Tour. Foram Armstrong, Contador, Wiggins, Cavendish ou Rui Costa, ciclistas que fazem os adeptos do desporto (e não apenas do ciclismo) quererem acompanhar, quererem fazer parte, quererem ir para a estrada. Já assistiram a uma Volta ao Algarve? Um contrarrelógio, uma partida de etapa ou uma chegada ao Malhão? Esses são os nomes comentados pelo público, mesmo pelos adeptos que depois perguntam "quem é esse Henao?". E para a Pro Cycling Marathon conseguir atrair a atenção de um público significativo, terá que contar com a presença de grandes figuras do deporto da atualidade. Como (bem) exemplificou, Carlos Móia: Froome e Contador.

E é aqui, na parte de atrair grandes figuras mundiais, que vejo a maior fraqueza da Pro Cycling Marathon. Tal como este ano, para 2014 a prova está agendada para o fim de semana do Il Lombardia, uma das provas mais importantes da temporada e decisiva para as contas finais do World Tour. Apesar de ainda se correr a Volta a Pequim depois do Il Lombardia, a esmagadora maioria dos ciclistas quer evitar a viagem à China e o prolongamento da temporada, tentando decidir logo em Itália a sua situação no World Tour, seja a vitória, um lugar no top-10 ou algo que faça diferença para os pontos de mérito. Outros simplesmente sonham em vencer uma clássica com a dimensão do histórico Giro di Lombardia.

Se ao restrito lote de ciclistas que mediaticamente ultrapassam os limites do ciclismo retirarmos os não contrarrelogistas (sprinters, puros trepadores, etc), os que estarão na Lombardia e os que já terminaram a temporada, vemos que poucos sobram para engrandecer a Pro Cycling Marathon. Esse é um ponto negativo. Outro é que, mesmo os contrarrelógistas poderão não estar interessados em disputar no final da temporada uma prova tão extensa e (ainda) sem história, a não ser que os prémios e cachets sejam suficientemente convidativos. Mas se 1500€ são muito atrativos para uma equipa portuguesa que possa vencer esta prova, acaba por ser quase irrelevante nos ganhos de um ciclista de nível intermédio do World Tour.

Já os ciclistas mais mediáticos que poderão ser recetivos a disputar um contrarrelógio e abdicar da Lombardia, como Froome, Contador, Tony Martin, Wiggins ou Cancellara, são bastante caros. São ciclistas que ganham mais de um milhão de euros por ano e para participar num critérium pós-Tour cobram mais de 10 mil euros (Froome rondou os 30 mil euros este ano). Estamos a falar de provas de uma hora, sem grande exigência física e com a vitória contratualmente assegurada. Agora imagine-se para fazerem quase uma hora de esforço máximo como exigem um contrarrelógio.


Conclusão

Tal como a Maratona de atletismo, acredito que as Maratonas de ciclismo abertas ao público terão enorme sucesso desde os primeiros anos. Porém, não acredito que o caminho apresentado leve a Pro Cycling Marathon ao destino desejado.

Apesar das boa vontade do Maratona Clube de Portugal em que acredito e da capacidade demonstrada no atletismo, talvez falte algum conhecimento quanto ao funcionamento do ciclismo à escala internacional. A solução poderia passar por mudar a prova para a primavera, quando muitos ciclistas procuram contrarrelógios em que possam evoluir e testar-se com vista a Volta a França. Esse é um dos atrativos da Volta ao Algarve e foi precisamente a exigência de Armstrong em 2004.

3 comentários:

  1. Está tudo correcto no artigo! A iniciativa é excelente, tem pernas para andar, estrategicamente está bem pensada, mas pode ainda ser melhor definida, pois parece que há algum deslumbramento por parte da organização com o evento... uma das questões tem que ser muito bem pensada é sem dúvida a sua calendarização.
    Mas sem dúvida que é muito bom para o ciclismo português ter mais uma prova no calendário internacional e ter a competência e capacidade do Maratona CP/Carlos Móia também ao serviço do ciclismo.

    ResponderEliminar

Share