segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A novela de Tinkoff, Riis e Contador

Oleg Tinkoff foi uma das figuras da última Volta a França... pelo menos nas redes sociais. Dono da Tinkoff Credit Systems, e portanto patrocinador da Team Saxo-Tinkoff, foi um dos maiores críticos de Alberto Contador durante o Tour, disparando forte e feio sobre o espanhol através do seu twitter. Pelo meio, comentários em que manda os seus seguidores para sítios menos próprios, anúncios de que ia fazer sexo com prostitutas de pernas grossas e anúncios de já o tinha acabado. Naturalmente desconfiou-se que a conta @olegtinkov não seria legítima, mas o tempo veio a mostrar que sim, quem estava por detrás era realmente o milionário russo.

Oleg Tinkov (para os negócios prefere a opção terminada em -ff, mas ambas são corretas) foi ciclista semiprofissional quando tinha idade para isso, em 97 (com 30 anos) abriu um fábrica de cerveja e em 2005 vendeu o negócio por quase 170 milhões de euros a uma empresa belga. Dia 25 deste mês cumpre 46.

Em 2006 criou a equipa continental Tinkoff Restaurants, 100% russa. Nesse mesmo ano fundou aquela que é atualmente a sua maior empresa, a Tinkoff Credit Systems, que assumiu o patrocínio da formação então migrada para Itália e elevada a continental profissional. Pela equipa Tinkoff passaram os marcados Jorg Jaksche, Tyler Hamilton e Danilo Hondo mas também Vasil Kiriyenka, Pavel Brutt ou Evgeni Petrov. Petrov foi 7º no Giro 2007, Kiriyenka e Brutt venceram etapas na edição do ano seguinte, participaram também na Vuelta mas a equipa Tinkov teve o mesmo desfecho que a cervejaria Tinkoff: vendida. Daí nasceu Katusha.

Oleg Tinkov regressou em 2012 como patrocinador da Riis Cycling, mas só em 2013 assumiu o papel de protagonista de uma grande novela.

Primeiro Tinkov anunciou que seria o principal patrocinador da equipa em 2014, depois a Saxo Bank desmentiu que estivesse de saída ou que abdicasse da sua posição privilegiada. Durante o Tour houve todo um circo montado em torno de Contador e a sua incapacidade de disputar a vitória. Contador esteve mal na estrada, Tinkov pior nas redes sociais.

Bjarne Riis, que nos seus tempos de ciclista tinha um dos níveis de hematócrito mais altos do pelotão e que foi um grande angariador de clientes para Eufemiano Fuentes nos tempos da CSC, terminou as negociações com Tinkov e a sua empresa. Disse que preferia Contador e a estabilidade que não seria possível com o milionário russo. Tinkov anunciou a criação de uma grande equipa para 2015 mas não conseguiu esperar e entrou em negociações para comprar a equipa Cannondale. Sem sucesso.

A Riis Cycling passou por um período difícil. Quando cancelaram as negociações com a Tinkoff parecia que tinha um substituto mas os meses passaram-se e nada surgia. Então anunciaram que a Saxo Bank aumentaria o seu apoio e se tornaria único patrocinador presente no nome, assegurando o futuro da equipa de Contador, Kreuziger, Roche e companhia. Ainda assim, poucas contratações e demasiado modestas, o que não deixava de ser estranho.

A equipa foi para estágio nas Canárias e a presença de Ivan Rovny e Nikolai Trusov (dois ciclistas próximos de Tinkov) deixavam antever que talvez o russo permanecesse na equipa. Sim, permanece como dono. E a Tinkoff Credit Systems como principal patrocinadora da Team Tinkoff-Saxo.

Tinkov tem uma equipa na qual pode mandar como tanto queria e Riis encaixa uns milhões que lhe poderão fazer muito jeito a médio prazo, pois tem a agência dinamarquesa anti-doping à perna. Continuará na equipa como diretor desportivo mas a cima de si terá Stefano Feltrin, homem da confiança do novo patrão, para o qual já trabalhou em 2007 e 2008.

A foto cabeceira deste artigo mostra bem quem está feliz. Contador não. Sabe que a relação com o novo patrão não será nada fácil. Tinkov poderá ser um grande patrão para 25 ciclistas e para o staff técnico, mas não para Contador se este não fazer frente a Froome e Nibali.

Existe um dado curioso contra Contador. Desde 1985 que ninguém dá a volta por cima a uma derrota no Tour e volta a ganhar a prova francesa. Isto é, após a derrota de 84, em 85 Hinault voltou a vencer e conquistou o seu quinto título. Depois disso, Indurain venceu cinco consecutivos, Armstrong venceu sete consecutivos e onze ciclistas venceram uma vez: Roche, Delgado, Riis, Ullrich, Pantani, Pereiro, Sastre, Andy Schleck, Evans, Wiggins, e Froome. Greg LeMond teve um interregno de dois anos entre a sua primeira e a segunda vitória devido a um acidente de caça que o deixou de fora da competição e Contador teve um interregno de um ano entre a primeira e a segunda vitória porque a sua equipa não foi convidada em 2008. Mesmo que se queira considerar Landis como vencedor de 2006 e Contador em 2010, a estatística continua a ser válida: desde 85, quem foi derrotado depois da primeira vitória, não voltou a triunfar na Grande Boucle.

Conseguirá Contador em 2014?

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Por falar em dados históricos: há muito tempo que o ciclismo nacional corrido dentro das nossas fronteiras não conseguia ser tema principal na capa de um jornal nacional. Mas a OFM-Quinta da Lixa-Goldentimes, equipa tão nobre quanto Bjarne Riis, conseguiu quebrar esse jejum. Podem ver aqui. Ok, não é um desportivo, é o Jornal o Crime, não é algo que o ciclismo se deva orgulhar, mas ainda assim é uma capa de jornal.

(E a capa está errada, porque não são duas equipas mas sim dois patrocinadores, como se pode ler na peça dentro do jornal. Por aqueles lados a especialidade é notícias de criminosos, não tanto o ciclismo. O caso também foi notícia no Jornal de Notícias, no Diário de Notícias e no Correio da Manhã.)

Entre os arguidos estão os responsáveis da OFM e da Goldentimes, acusados de associação criminosa, fraude fiscal (agravada pelos montantes) e branqueamento de capitais, ou seja, lavagem de dinheiro. O Estado (isto é, todos nós), terá sido lesado em mais de trinta milhões de euros pelo esquema que envolvia estas duas empresas. Como facilmente se percebe, estarem tão implicados dois patrocinadores da mesma equipa não é uma casualidade. A equipa servia para lavagem de dinheiro. Quem o diz é O Crime. E o Jornal de Notícias. E o Diário de Notícias. E o Correio da Manhã. E a Polícia Judiciária.

Manuel Oliveira, o proprietário da OFM, pagou 1,25 milhões de euros de caução para estar em liberdade provisória e diz que a equipa vai continuar na estrada. Como se nada fosse, qual Vale e Azevedo. Uma parte dos ciclistas continua à espera dos salários em atraso de 2013, porque a equipa estava lá para lavar dinheiro, não para pagar salários.

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Voltando a Contador, o espanhol faz intenções de estar presente na Volta ao Algarve.

A certidão de óbito da prova já foi declarada um par de vezes no mesmo espaço e realmente a empresa que organizou a última edição não deverá estar presente na próxima, mas a Associação de Ciclismo do Algarve não baixou os braços, tem apoio de algumas autarquias, tem empresas interessadas em patrocinar e até empresas que manifestarem interesse em organizar. Os problemas existem mas, apesar de não se esperar o melhor pelotão de sempre, a prova deverá estar na estrada com uma parada de estrelas.

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Boonen costuma organizar uma prova de ciclocrosse em que participam alguns colegas de pelotão para angariar fundos para solidariedade. Na edição deste ano foram 137 mil euros. Na Bélgica, claro.

3 comentários:

  1. Interessante era falar no Vitor Gamito e o seu retorno ao ciclismo profissional...

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    1. E quem garante que o autor do blog (que sou eu), tem algo de interessante a dizer sobre esse tema? Não tem.

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  2. O paragrafo da volta ao Algarve é sem duvidae de longe o meu favorito! grande texto Rui!

    Cumps

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