quinta-feira, 30 de abril de 2015

Como os ciclistas escolhem as equipas para onde vão?

Rui Costa quis sair da sombra de Valverde. Tiago Machado quis ganhar espaço (na foto, na Califórnia, foi 4º)
O interesse e debate sobre este tema cresceu entre os portugueses no final de 2013, com Rui Costa a sair da Movistar e Tiago Machado da Radioshack. Para onde iriam os portugueses? Era a primeira questão e Lampre e NetApp foram as respostas. Porque critérios os ciclistas escolhem a equipa por onde vão continua a ser a dúvida de muitos.

Antes de mais, importa ressalvar que cada caso é único e não trata este artigo de dar respostas definitivas mas sim de explicar os critérios que costumam condicionar a decisão. Respostas absolutas apenas os protagonistas as poderão dar mas, como facilmente se compreende, ninguém vai dizer as propostas que teve e que condições oferecia cada uma delas, pois essa é matéria do âmbito pessoal.

Importa também perceber que, para muitos ciclistas, não há hipótese de escolha. Ou porque apenas existe uma equipa interessada, ou porque uma proposta é muito superior às demais. Imaginemos o caso de um ciclista que no seu país ganha entre €5.000/€6.000 por ano e recebe uma proposta do estrangeiro de €15.000/ano. Mesmo que no primeiro caso seja chefe-de-fila e candidato a vencer a Volta ao seu país, e no segundo apenas entregador de bidões, não resta grande discussão sobre as razões de aceitar uma proposta que lhe permite colocar em casa o triplo do dinheiro.

Há ainda um rol de corredores para os quais a escolha nada tem a ver com questões desportivas porque, seja por falta de ambição ou de capacidade para mais, o ponto mais alto que ambicionam para as suas carreiras é fazer amizade com algum ciclista importante, pois todas os plantéis têm espaço para duas ou três vagas destinadas aos amigos dos seus líderes, mesmo que seja apenas para carregar bidões e fazer companhia no quarto. Porque todos os grandes líderes têm um amigo inseparável.

Mas olhemos então para as situações que mais interessam analisar neste artigo: quando existem múltiplas opções. Os critérios que mais pesam na decisão são três: dinheiro, liberdade e apoio da equipa.

Dinheiro

Ganhar muito dinheiro ainda é muitas vezes mal visto, sobretudo quando a decisão é contrária ao que o adepto preferia. Se o ciclista (ou qualquer que seja o desporto) vai receber dois milhões de euros por ano para a equipa que o adepto prefere, está muito bem. Mas se vai receber um milhão para outra, já parece um abuso.

Há que estar conscientes que as carreiras desportivas têm prazos de validade muito curtos. No caso normal de um ciclista (exceptuando os casos de extrema precocidade e longevidade), tem cerca de 12 anos para ganhar dinheiro. Vamos supor dos 22 aos 35, que é um percurso mais habitual, sendo que nos primeiros anos o jovem ainda tem que se impor e nos últimos já vai perdendo valor.

Terminada a carreira, seja aos 35, 37 ou 40 anos (que já é um caso muito extremo), ou amealhou bom dinheiro, ou entra numa situação de precariedade. Um ciclista (e o mesmo vale para qualquer desporto), que ganhe €500/mês, muitas vezes a pagar do seu bolso a suplementação, quando termina carreira não tem qualquer pé-de-meia e tem que procurar novo trabalho. Pior: não tem qualquer experiência para lá do ciclismo e na esmagadora maioria dos casos deixou os estudos demasiado cedo. Então, se um ciclista tomar uma decisão unicamente baseada na vantagem financeira, será totalmente legítimo e compreensível.

Liberdade

Que tipo de liberdade terá o ciclista? Será o líder absoluto da equipa ou irá trabalhar para outros? Ou estará numa situação mista, liderando em alguma provas e trabalhando noutras?

Estas são questões muito importantes, mas estão relacionadas com outras, como veremos adiante.

Apoio da equipa

Tratando-se de um líder, nas provas em que lidera, que apoio poderá esperar dos seus companheiros? Tem colegas que o possam ajudar?

Relação Liberdade-Apoio

A questão do dinheiro não está necessariamente relacionada com as restantes, existindo gregários que recebem mais que chefes-de-fila de outras equipas. Tudo depende da equipa em questão, que disponibilidade financeira tem e quanta confiança deposita nos gregários ou os chefes-de-fila. Por sua vez, na escolha de uma equipa, a liberdade oferecida costuma ser inversamente proporcional ao apoio oferecido.

Froome, Contador, Nibali, Purito, Gilbert, Cavendish, Kittel ou Greipel são excepções. Isto é, são muito bem pagos, têm total liberdade por parte das respetivas formações nas provas em que lideram e excelentes equipas para os apoiar. Todos têm algo em comum: estão, indiscutivelmente, entre os melhores das suas especialidades. Poucos ciclistas estão nesta situação e normalmente têm que abdicar de algo.

A relação entre liberdade e apoio é inversamente proporcional porque, numa equipa melhor, um determinado ciclista poderá receber melhor apoio, mas provavelmente terá um outro homem com quem dividir a liberdade das suas movimentações e esse apoio, enquanto numa equipa mais débil terá menos apoio mas poderá mais facilmente ser o líder absoluto.

Rui Costa

Vejamos o caso do Rui Costa, que me parece excelente para demonstrar o ponto anterior. O Rui vinha a realizar excelentes temporadas, sobretudo em 2012 e 2013, mesmo antes do título mundial, e é necessário referir isto pois a troca da Movistar pela Lampre foi decidida ainda antes do título.

Porém, apesar das vitórias na Volta à Suíça, das etapas no Tour e tudo mais, sabia o Rui, e sabia toda a gente que entenda de ciclismo, que estaria sempre tapado. Nas clássicas das Ardenas estaria na sombra de Valverde e nas grandes voltas estaria dependente de Valverde e Quintana. Trocando a Movistar pela Lampre, o Rui Costa sabia estar a entrar numa equipa com menor capacidade para o ajudar, mas, por outro lado, com a garantia de ser líder onde quisesse. E era isso que mais precisava naquele momento.


Em 2014 e 2015, tendo mais liberdade, está a mostrar ser capaz de fazer melhor do que fazia na Movistar, e esteve na discussão do Il Lombardia, da Amstel Gold Race e da Liège-Bastogne-Liège, o que seria impensável dividindo equipa com Valverde. Por isso, se após este contrato decidir mudar novamente, terá muito mais força nas negociações do que tinha no final de 2013. Antes era um ciclista que parecia ter capacidade para discutir grandes provas de um dia. Hoje é um ciclista que já demonstrou essa capacidade.

Tiago Machado

O caso do Tiago Machado é diferente, mas nem tanto assim.

2013 foi a pior temporada do Tiago desde que foi para o estrangeiro e ao longo de 2013 foi perdendo preponderância dentro da estratégia da Radioshack, e da nova direção. Passou a trabalhar para outros e os resultados pessoais naturalmente a ficarem mais apagados, o que pode tornar-se um circulo vicioso. Quem trabalha para os colegas prejudica os seus resultados pessoais, em quantas mais provas trabalhar para outros, menos resultados de destaque terá, com menos de resultados, perde-se a confiança da direção desportiva, e sem confiança, cada vez se trabalha mais cedo. O Tiago quis evitar este círculo.

Apesar de 2013 não ter corrido como gostaria, ainda merecia a confiança de várias equipas World Tour, porém, arriscava-se a desempenhar nestas em 2014 o mesmo papel da Radioshack: trabalhar para outros, de janeiro a outubro. E isso não queria. A mudança para a NetApp vem nesse sentido.

Na NetApp, por se tratar de um conjunto continental profissional, a participação nas provas World Tour não estava garantida. Ainda assim, analisando as várias equipas Conti Pro e percebendo um pouco de como se atribuem os convites, era sabido que a formação alemã estaria presente no Tour e teria um bom calendário. E na NetApp, com uma maior liberdade, o Tiago Machado conseguiu uma boa série de resultados que reforçaram o interesse das World Tour, regressando este ano ao principal escalão com um estatuto mais sólido do que teria acontecido caso tivesse optado por uma equipa deste nível em 2014. Em muitas provas (como nas Ardenas) terá que trabalhar para o Joaquim Rodríguez, mas de resto, como se viu no Tour Down Under e até no Paris-Nice, terá liberdade para lutar por uma boa classificação geral.

São as melhores decisões?

Não é possível dizer se são as melhores soluções, porque não se conhece todas as outras opções e (sobretudo) em que condições foram apresentadas. E por isso não é muito produtivo tentar conjeturar se deveria ter ido para a equipa Vermelha, a equipa Azul, ou a equipa Verde. Talvez a Vermelha já tenha um grande líder para as clássicas, a Azul tenha um líder para as provas por etapas e a Verde pague mal. Costuma acontecer que, quando uma equipa tem um bloco muito forte para um tipo de provas, tal bloco foi construído em redor de um chefe-de-fila.

Mas nestes casos concretos, tanto o Rui Costa como o Tiago Machado, procuraram com as suas mudanças mostrar-se capazes de fazer melhor do que tinham feito, e ambos terminaram 2014 com as suas posições reforçadas face ao que tinham antes de mudar de equipa.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Share