O abandono do Tour de Rui Costa é motivo de interesse generalizado para os adeptos portugueses, por razões óbvias. Não vale a pena abordar todas as coisas que fui lendo repetidamente ao longo das últimas semanas nas redes sociais (é, gosto muito de saber o que as pessoas pensam), mas pelo menos abordar algumas questões.
A minha opinião sobre o Rui Costa não se altera em nada com esta prestação no Tour. Em absolutamente nada.
1) É um dos melhores ciclistas portugueses de sempre, a um nível apenas comparável com Joaquim Agostinho. Entre os dois, com as suas diferentes características, que discutam o que quiserem. Só peço que aqueles que acham que Agostinho foi melhor aceitem opiniões contrárias, e que aqueles que acham que Rui Costa é maior aceitem também eles opiniões contrárias. Até porque correram em épocas muito diferente, num ciclismo muito distinto.
2) O Rui Costa é um dos melhores ciclistas do mundo na atualidade. O seu palmarés fala por si.
3) Em 2014 o Rui falhou no seu objetivo e pelo qual mudou de equipa, o Tour, mas realizou uma excelente temporada. (2º Paris-Nice, 3º Romandia, Geral+etapa na Suíça, 2º em Montreal, 3º Lombardia, 4º em Pequim, apenas para referir provas World Tour).
4) Em 2015 o Rui volta a falhar no seu principal objetivo (seja qual for o motivo), mas a temporada até então estava a ser muito boa. (4º Paris-Nice, 4º Amstel, 4º Liège, 3º+etapa no Dauphiné, apenas para referir World Tour).
5) Parece-me existir a ideia que o rendimento do Rui Cost caiu desde que saiu da Movistar. Como facilmente se depreende dos pontos anteriores, não concordo com essa opinião, até porque o seu preparador continua a ser o mesmo de antes.
Essas são ideias que tinha antes da Volta a França e as quais mantenho. Agora o que acrescento depois desta prova: existe um enorme problema de comunicação.
O Rui Costa deixou há algum tempo de ser uma figura apenas do ciclismo português para se tornar uma figura de Portugal. Há muita gente que não costuma acompanhar ciclismo e não percebe da modalidade, mas quer acompanhar o Tour, quer acompanhar o Rui Costa e, alguns querem inclusivamente aprender. Isto é muito bom para o Rui e para a modalidade, mas também é trabalhoso de gerir. Sobretudo num país como Portugal. Em Portugal não se lida nem bem nem mal com opiniões contrárias. Simplesmente não se lida com opiniões contrárias. Criou-se uma opinião muito forte e demasiado generalizada de que o Rui podia disputar os primeiros lugares em 2013, depois em 2014 e agora 2015 e ninguém pareceu interessado em colocar um travão nessas expectativas desmedidas. Eu tentei colocar um travão, fui chamado de anti-patriota, ignorante e não percebo nada disto, enquanto outros iam alimentando a expectativa e colocando o Rui demasiado próximo dos favoritos ao pódio. Agora a bolha estoirou e não sabem o que fazer. O público que se foi iludindo cansou-se. Eu não.
Não porque o Rui Costa continua a ser um excelente ciclista, mesmo que tenha corrido mal (mais uma vez) o principal objetivo da temporada, mas talvez seja hora das pessoas que têm uma voz e visibilidade no ciclismo, em vez de alimentarem ilusões por ser mais fácil, assumam a árdua tarefa de dar informação: existe muitooo ciclismo para lá do Tour. E no que toca à maior prova do calendário (porque o é sem sombra de dúvida ou comparação), o Rui tinha legítimas aspirações ao top-10 em 2014, em 2015 e terá em 2016. Mas há 20 ciclistas que têm a mesma ambição com igual ou superior legitimidade (sobretudo porque muitos já o fizeram e o Rui não).
Agora a questão da comunicação. É fundamental comunicar com o público, mas comunicar bem, e geralmente quantidade não é sinónimo de qualidade. Este Tour o Diário do Rui foi o Diária de uma perna que nuns dias estava muito melhor e depois estava muito pior em função dos resultados. Ontem era a questão do passar mal depois dos dias de descanso, mas há dois anos o Rui Costa venceu logo após o segundo dia de descanso. Epá, calma! Eu não sei quem é responsável pela comunicação, a intenção é a melhor, mas dê descanso ao ciclista. Porque os desportistas e todas as figuras públicas têm direito ao silêncio e muitas vezes, depois de um dia negativo, o melhor que há a fazer é reconhecer apenas que os adversários foram melhores em meia dúzia de palavras, ou até simplesmente guardar silêncio. Ninguém é obrigado a justificar tudo e o Rui Costa é o ciclista de primeira linha que mais comunica, talvez o único de primeira linha no Tour com um diário no qual todos os dias têm que dar explicações, mesmo quando não há nada para explicar.
"Hoje não consegui melhor" parece-me a coisa mais acertada a dizer muitas vezes, sem mais, mas o suficiente para dizer que há dias melhores e outros piores. Mas julgo que a declaração mais inteligente depois de um dia abaixo das expectativas ainda é um simples "os adversários foram melhores". Simples, sem justificações adicionais. Deixem essas para outras pessoas.
Neste caso, ao longo dos últimos dias/semanas, os adeptos foram lendo que hoje era por uma dor, ontem era porque a subida era para ciclistas mais leves, outras para ciclistas mais pesados, e assim se foi criando e alimentando a ideia de que um dia, sem quedas, num final que não fosse para pesados nem leves, era vitória certa. Muita gente foi deixando as ilusões chegarem a níveis estratosféricos. Agora a desilusão é brutal, é visível nas redes sociais e é muito mais difícil de lidar.
Acabem lá com esse diário. Pode até não mudar o rendimento (se repetir a temporada de 2014 já está muito bem), mas pelo menos retira pressão. Eu não sei porque desistiu hoje, mas o que desejo é que recupere e volte a 100%. Não preciso que conte a recuperação todos os dias. Quando estiver em condições que o diga, até lá, que se concentre em recuperar. Estarei cá para aplaudir quando regressar e acho que quem gosta de ciclismo também.
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