domingo, 27 de setembro de 2015

Peter Sagan, génio e figura, campeão mundial!

Peter Sagan é um ciclista único. Por qualidade, características, modo de ser e de estar. Agora também pelo arco-íris que envergará.

Do circuito de Richmond tinha muito poucas expectativas, mas conseguiu sair ainda pior que a encomenda. Era um circuito fácil onde a decisão apenas aconteceria nos últimos cinco quilómetros, mas era também um circuito feio, numa cidade que não parece ter qualquer ponto de interesse turístico e com um realizador que parece nunca ter visto ciclismo antes, procurando sempre os piores planos e dificultando a identificação dos ciclistas.

A corrida desenrolou-se como era de esperar, com uma fuga para sacar algum protagonismo, e lá atrás o controlo da Holanda e da Bélgica. Movimentações, ataques, perseguições, pelo meio também se mexeram José Gonçalves e Nelson Oliveira, mas a corrida esteve sempre controlada, sem que algum grupo alguma vez ameaçasse a discussão entre favoritos. Ainda que existissem cortes de segundos, à entrada para a última volta estavam cem corredores no grupo que viria a discutir as medalhas. E seriam mais não fossem a seleção provocada pelas quedas.

Com um grupo tão numeroso, estava confirmado que a decisão aconteceria apenas nos cinco quilómetros finais, onde estavam as três rampas, faltando saber se alguém conseguiria desfazer a organização do pelotão. O resto seria para encher o resumo da prova, irrelevante.

Zdenek Stybar lançou-se na primeira rampa, com pronta resposta de John Degenkolb, para o qual tinha trabalhado inclusive André Greipel, vencedor de quatro etapas no último Tour, aqui a vestir, tão bem, mais uma vez, o fato de escudeiro. Para um ciclista que nem é seu colega de equipa mas é de seleção e era o que contava. É que há muitos a ganhar durante o ano, mas poucos a ganhar como Greipel e poucos com a classe do alemão. A movimentação de Stybar serviu para desorganizar o pelotão, mas a decisiva estava por vir.

Veio do outro lado da fronteira, na rampa seguinte, por intermédio de Peter Sagan. O seu ataque vem na sequência daquilo que é, daquilo que tem sido.

Como já disse, já escrevi, já repeti, se se pode brincar (ou gozar, fica ao critério de cada um) com a imensidão de segundos lugares de Sagan, é porque a sua qualidade é inquestionável. E, também já disse, também já repeti, Sagan sabe correr. Se não vence mais, não é por falta de inteligência.

Peter Sagan é um caso raro de precocidade e a qualidade física que demonstrou hoje, apresentou-nos com 21 anos. Mais ou menos vitória, mais um menos importante, este eslovaco anda desde miúdo a bater nos homens grandes. Quando se encontrava sobre a bicicleta, fisicamente Sagan disfarçava a diferença de idade, mas claro que, de quando em vez, denotava-se uma falta de maturidade própria da juventude e da inexperiência. Mas cresceu.

Em 2014 começou a acumular segundos e terceiros postos, remates na trave, lançamentos ao aro. Tomou algumas decisões táticas que não levaram à vitória, atacou quando alguns adeptos achavam que não devia ter feito, não atacou quando outros acham que o devia ter feito, porque não se pode agradar a todos e para a diversidade de gostos está a diversidade de cores. Mas com quem estava Sagan? Ninguém. O seu amadurecimento foi feito numa das mais fracas equipas do World Tour, a Cannondale (a outra, a ex-Liquigas), e quando chegava a hora das decisões não tinha apoio. Se não atacava ele, alguém atacava, se ele não respondia, ninguém respondia porque ficavam com medo dele, se respondia, alguém o perseguia. O jogo estava desequilibrado contra ele.

Mudou-se para a Tinkoff. Não foi fácil nas clássicas. Chegava aos quilómetros finais e quebrava. Acabou a primeira fase da temporada apenas com um triunfo, uma etapa no Tirreno-Adriático, o que é pouco para quem está constantemente na frente. Na Califórnia primeiro, na Suíça depois, encontrou-se com os sucessos. No Tour não, mas mostrou uma maturidade enorme.

Sendo um dos melhores ciclistas do mundo, e certamente sedento de vitórias porque disso se alimentam os campeões, Sagan entrou na Volta a França a trabalhar para Alberto Contador. Primeiro a Tinkoff, e o eslovaco incluído, pensava na classificação geral, e só nos quilómetros finais Sagan ia em busca de uma vitória ou da camisola verde. Quando começaram a escassear as oportunidades no seu terreno, foi à procura na montanha. Dia-após-dia. Como aqueles ciclistas e equipas que precisam de um triunfo desesperadamente para salvar o contrato. Sagan corria atrás de uma vitória diariamente porque disso se fazem os craques.

Continua a ser um jovem. Tem 25 anos. Mas é maduro. Hoje fez aquilo que tantas vezes fez e por tantas vezes foi criticado: atacou. Ainda que seja rápido, não se sente confortável em ir para o sprint contra Degenkolb, Matthews e companhia, todos homens mais rápidos e por isso tantas vezes... ataca. Não lhe basta estar no grupo para lutar por um top-qualquer-coisa. Se não se sente confortável para sprintar com quem lá está, porque no fundo tem a noção de que é rápido mas não o mais rápido, tenta tirar proveito da sua polivalência. Atacou na penúltima rampa e, pormenor decisivo, não relaxou nem por um segundo quando esta terminou.

Aplicou-se na descida sabendo que cada segundo contava, resistiu na última rampa, sofreu, venceu. Adeus bicicleta, adeus capacete, adeus óculos, adeus luvas, adeus tudo, ganhei.

Atrás vinham Van Avermaet e Boasson Hagen, mas o noruguês não saiu da roda e o belga não foi suficiente para chegar a Sagan ou para os levar às medalhas. Michael Matthews ficou com a prata, Ramunas Navardauskas com o bronze, num sprint que supomos mas não vimos porque o realizador não fazia qualquer ideia do que estava a fazer. Ou do que devia estar.

Os portugueses estiveram bem. Ou muito bem. José Gonçalves atacou muito. Não atacou bem, porque não leva a lado algum atacar um pelotão organizado e a alta velocidade a 90 km da meta, mas atacou. Nelson Oliveira atacou menos, mas melhor, quando percebeu que se podia formar um grupo perigoso. Rui Costa apostou por se resguardar para depois sprintar para o top-10 e foi nono. É muito bom. Este nono lugar é o segundo melhor resultado de sempre de um português em Mundiais (de fundo, elites). Apenas superado pela vitória de Florença. Pode parecer "apenas um nono lugar", mas até há 5 ou 6 anos atrás era impossível imaginar que, com apenas três corredores, Portugal iria atacar a corrida, ter um 9º e um 16º postos.

Os próximos Mundiais serão no Qatar. Até lá, Peter Sagan, que já foi campeão mundial de BTT (em junior) andará de arco-íris na estrada. A maldição dos segundos lugares, essa, para quem acredita, já a cumpriu com antecedência. Um génio e uma figura. Ímpar!
Pódio final: Michael Matthews, Peter Sagan e Ramunas Navardauskas

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