Será exagero dizer que este foi um dos melhores Giri d'Itália dos últimos largos anos? Ou, mais do que isso, umas das melhores provas dos últimos anos? Para mim foi.
Foi um Giro d'Itália de loucos. E ainda que tenha terminado com um dos vencedores do costume, foi um Giro de românticos. Pelo menos até à queda de Steven Kruijswijk. Mas foi um Giro dos que acreditam no trabalho, no compromisso perante os colegas em vez do individualismo, no ataque em vez do chuparrodismo.
Com uma Etixx-Quick Step que durante vários dias esteve de rosa, levou a classificação da juventude e quatro etapas com três ciclistas diferentes, porque trabalharam para Marcel Kittel, porque Matteo Trentin, Bob Jungels, Gianluca Brambilla sacrificaram-se e tiveram quem se sacrificasse por eles. Com uma Lotto-Soudal que leva vários dias de azul e ainda mais de vermelho e quatro etapas por André Greipel e Tim Wellens, mas também por Jurgen Roelandts, Pim Ligthart e por todos. Com uma Lampre que venceu duas etapas com Diego Ulissi e no final apenas por pouco vão falhar a classificação por pontos pela qual todos trabalharam, incluindo o sprinter e os lançadores. Com um Mikel Nieve que é um trabalhador incansável mas também enormemente talentoso e capaz de, quando tem a liberdade, lutar por etapas e escapar uma, duas, três vezes. Com um Tom Dumoulin que sempre teve os pés na terra e ainda atacou de rosa.
O Giro d'Itália deste ano fica inegavelmente marcado pela queda de Steven Kruijswijk. Como não, se tinha sido o melhor no geral e no particular de cada etapa e cada montanha até à sua queda. Uma má trajetória numa curva deitou tudo a perder. Se deviam ter esperado? Acho que não, porque a corrida já estava lançada e havia muita gente que já tinha ficado para trás. Uma coisa é esperar quando estão todos juntos, outra é esperar quando a corrida está lançada. Estava lançada, como estava quando Vincenzo Nibali teve problemas mecânicos na crono-escalada.
Vincenzo Nibali parecia fora da luta depois de dois dias maus. Primeiro na crono-escalada, depois na terça-feira. Teve que lidar com tudo e soube lidar. Na conferência de imprensa do dia de descanso, pediu desculpa à comunicação social por se ter recusado a falar no final da crono-escalada mas sentia que para dizer algumas linhas de bullshit (expressão escolhida por ele), mais valia não dizer nada. Claro. No final, os desportistas são pessoas e tal como todos nós, que temos dias de euforia em que queremos falar muito e dias em que queremos estar sozinhos e calados. O pior é quando um desportista quer falar sempre e quando não corre conforme o planeado têm que inventar desculpas para lidar com essa obrigatoriedade de falar sempre. Para não dizer bullshit, Nibali optou por não dizer nada e no dia seguinte, em conferência de imprensa, disse que os problemas mecânicos não tinham sido o problema, porque de qualquer forma ele iria perder demasiado tempo. E voltou a perder depois do dia de descanso.
Mas nestes dois últimos dias, Nibali protagonizou uma recuperação como a de Fábio Aru nas duas últimas etapas de montanha da edição do ano passado.
Ontem, no primeiro ataque encetado pela Orica-GreenEdge, Nibali vacilou, mas soube sofrer, soube ver os adversários ganharem alguns metros. No final ganhou tempo a toda a concorrência.
Hoje a Astana colocou toda a lenha e contou com o trabalho de Jakob Fuglsang, que no início da semana percebeu que as suas pernas não dariam para uma significativa classificação, um valioso e leal Tanel Kangert e um Michele Scarponi que, depois do pico da sua carreira, prefere ser lugar-tenente de alguém do que lutar por um lugar no top-10, porque daí para trás não é objetivo de nenhuma equipa.
Tendo que ganhar 44 segundos a Chaves, a Astana endureceu ao máximo a corrida para garantir que, se Nibali estivesse 1% superior a Chaves, esse 1% valeria mais tempo. Se estivesse 2% superior, tanto melhor. Quando chegou a hora, Nibali fez a sua aceleração froomeana e esteve suficientemente superior para vencer o Giro d'Itália.
E num Giro em que todos os primeiros da geral tiveram dias maus, o de Esteban Chaves foi hoje. Não conseguiu seguir o ataque de Nibali. Se Esteban Chaves tivesse equipa... Teria sido exatamente igual. Teve a roda de Valverde e Urán e não conseguiu seguir. Depois Majka, Jungels, Kruijswijk. Teve hoje o seu jour sans. Custou-lhe a camisola rosa, não lhe custou o sorriso.
Alejandro Valverde consegue o pódio na sua estreia no Giro e entra no clube dos que foram ao pódio das três grandes voltas. Steven Kruijswijk é que não merecia nada disto. Não sei se terminaria de rosa, não sei se terminaria no pódio. Acho que sim. Tenho a certeza que não merecia perder tudo depois (e por) uma queda.
Ilnur Zakarin é outro dos grandes derrotados pelo azar. Começou a cair quando era virtual camisola rosa e terminou com uma queda quando era quinto na classificação geral.
Rafal Majka e a sua equipa diziam à partida para esta etapa que ainda acreditavam no pódio, mas nunca deram sinais de o conseguirem.
Muito pela positiva, Bob Jungels, neste seu progresso enquanto ciclista, física e mentalmente. Reparem que, apesar de estar num grupo de gente mais bem cotada e de hoje nunca ter o seu lugar em risco, tentou sempre impor o ritmo. Porque tinha força para isso. Não ia ficar apenas na roda, porque os outros estavam melhor na geral, mas ele não se sentia inferior a ninguém. Tem 23 anos e vence a classificação de juventude que regressou à prova em 2007 vencida por um compatriota seu.
Rigoberto Urán esteve mal até à terceira semana, parece que com problemas de saúde, mas lá foi recuperando e termina este Giro em crescente. E a Cannondale foi uma das equipas mais combativas. Depois de perceberem que Urán não iria lutar pelo pódio, procuraram uma etapa em fuga, contaram com os seus homens mais combativos como Joe Dombrowski e Moreno Moser, Ramunas Navardauskas também lá andou a trabalhar para isso, mas no final a Cannondale não cumpriu nenhum dos seus objetivos. Como a Tinkoff, por exemplo.
Andrey Amador fez, novamente, um excelente Giro d'Itália. A prova onde já foi quarto, já venceu uma etapa e já liderou. Este ano é oitavo. Darwin Atapuma faz um Giro tremendo, muito visível, muito combativo, e apesar de lhe faltar uma vitória que ele fez por merecer, termina entre os lugares de destaque. Kanstantsin Siutsou fecha o top-10 na estreia da Dimension Data no Giro.
André Cardoso foi 14º.
Classificação geral
1 Vincenzo Nibali (Ita) Astana Pro Team 82:44:31
2 Esteban Chaves (Col) Orica-GreenEdge 0:00:52
3 Alejandro Valverde (Spa) Movistar Team 0:01:17
4 Steven Kruijswijk (Ned) Team LottoNl-Jumbo 0:01:50
5 Rafal Majka (Pol) Tinkoff Team 0:04:37
6 Bob Jungels (Lux) Etixx - Quick-Step 0:08:31
7 Rigoberto Uran (Col) Cannondale Pro Cycling 0:11:47
8 Andrey Amador (CRc) Movistar Team 0:13:21
9 Darwin Atapuma (Col) BMC Racing Team 0:14:09
10 Kanstantsin Siutsou (Blr) Dimension Data 0:16:20
O Carro Vassoura volta daqui a sensivelmente um mês, para a Volta a França
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