terça-feira, 10 de maio de 2011

Wouter Weylandt, a vítima do espectáculo

A morte de um jovem de 26 anos, com a esposa grávida, e a trabalhar na profissão que escolheu (e para a qual nasceu), é demasiado chocante por si só. Lamento profundamente o acidente que retirou a vida a Wouter Weylandt e preferia mil vezes que pudesse falar dele por uma grande vitória (como teve no Giro e na Vuelta), mas este acidente acontece em circunstâncias de drama cinematográfico e tem pessoas a quem se pode atribuir culpa.

A 10 de Maio de 2010, Weylandt venceu na Holanda a terceira etapa do Giro, num dia em que quedas reduziram e muito o grupo dianteiro. Um ano depois, cumpre-se jornada de luto pela morte do mesmo ciclista na mesma prova, a grande prova que mais ignora os direitos e segurança dos ciclistas, como os imperadores de Roma faziam com os gladiadores. Em primeiro lugar, o espectáculo.



Na etapa de amanhã, a Volta a Itália passará por caminhos de cabras, que algumas pessoas chamam sterrato para dar um ar mais fino e intelectual (em qualquer dicionário, sterrato é “estrada não pavimentada”). No dia do Monte Zoncolan, haverá uma subida de 10 km, que terminará a 40 do final e, após isso, 8 quilómetros em caminho de cabras, como mostra a fotografia do lado, tirada por David Blanco quando foi reconhecer o percurso.

Há 2 ou 3 anos, li uma entrevista do director da Vuelta em que justificava a não passagem pelo País Basco com a possibilidade de atentados. O jornalista disse-lhe que em qualquer sítio poderia haver um atentado e ele respondeu que, se acontecesse um atentado noutro sítio, diriam que ninguém poderia prever, mas, se acontecesse no País Basco, toda a gente acusaria a organização de irresponsabilidade. Pois bem, a organização da Volta a Itália nunca se preocupou com nada disto.

No Giro, pensa-se nas fotografias e imagens televisivas em caminhos de cabras, com os ciclistas cheios de barro, colocando-se de lado a segurança dos ciclistas, e pensa-se nas subidas bonitas sem se pensar na segurança da descida que lhe seguirá. Dir-me-ão que o acidente que resultou na morte de Weylandt, aconteceu numa estrada alcatroada, mas… sabiam que o limite de ciclistas por prova é 200? Por isso é que nas grandes voltas nunca se passa das 22 equipas (22x9=198), e nas outras provas não se passa de 25 (25x8=200). Pois neste Giro estão 23 equipas, 207 ciclistas à partida, agora 206 porque um faleceu. Será que, se tivessem menos ciclistas no pelotão, o acidente teria sido evitado? Como a prova está numa situação de excepção face às leis da UCI, a pergunta é legítima.

Wouter Weylandt não voltará a andar de bicicleta, não voltará a estar junto da família e nunca verá o seu filho. Nada há a fazer quanto a isso, com muita pena minha, mas é extremamente necessário olhar para os regulamentos, alterar o que há para alterar e cumpri-los. Se cada equipa só poder levar 8 ciclistas às grandes provas, para se ter mais uma equipa, que assim seja, mas não ponham em causa a segurança dos ciclistas, seja em grandes provas ou em pequenas provas nacionais!

À sua família e amigos desejo muita força para ultrapassar esta fase.

3 comentários:

  1. (cont.) Cabe à organização garantir a segurança da prova, é certo. Por exemplo, garantir minimamente que a estrada é dedicada só para a prova, que nela não circularão veículos estranhos; assinalar correctamente os pontos mais perigosos do percurso, como estrangulamentos súbitos da faixa de rodagem; garantir assistência médica; reforçar as medidas minimizadoras de impactos nos locais onde há maiores probabilidades de estes acontecerem (à semelhança do que acontece, por exemplo, nas corridas automóveis). Mas a responsabilidade pela competição, em abstracto, é do ciclista. Este tem a obrigação de saber que, qualquer que seja o percurso desenhado pela organização, esse percurso é perigoso, não pelo percurso em si, mas pelo facto de ser efectuado em competição.
    Para terminar, não compreendo a comparação entre os atentados da ETA e este (e outros) acidentes desportivos. Conforme argumento anteriormente, é duvidoso acusar a organização de irresponsabilidade por este acidente. A ETA, pelo contrário, é algo que se sabe existir e cuja acção catastrófica nunca poderá ser controlada pelo atleta. Apesar disso, duvido que a ETA atentasse contra a prova, mas compreendo que a imagem que os OCS têm passsado para o público é o de que esse perigo é muito real. Mas repare que essa imagem, à semelhança do que acontece neste acidente, é muito emotiva, pouco racional, passada somente para vender uma ideia. Sem desvalorizar o sofrimento causado pela ETA, e pegando só no argumento da segurança, repare que todos os anos morre mais gente nas estradas portuguesas que o total de vítimas da ETA nos últimos 30 anos. Ora, não consigo ler nos OCS tanta preocupação e atenção por esta dramática situação, que nos devia merecer maior urgência de actuação que os atentados da ETA.

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  2. Sem deixar de lamentar a morte do atleta, permito-me discordar dessa análise.
    Desconheço o que a organização da prova prevê em termos de segurança, mas não discortino os motivos para a prova ser mais perigosa com mais 7 ciclistas. Sendo indiscutível que viola as regras da UCI, essa conclusão é baseada em que factos? Aliás, embora também não saiba em que circunstâncias se deu a queda, pareceu-me que naquele local os ciclistas seguiam em fila indiana, logo o facto de serem 200 ou mil, nesse local e nessa ocasião específica, parece-me ser irrelevante. Mais perigoso, para mim, é o facto de tanto veículo motorizado circular demasiado junto aos ciclistas, especialmente naqueles grupos que seguem em fuga e em relação aos "aguadeiros" que vêm aos carros de apoio. Na televisão vêem-se com demasiada frequência motos e carros a fazer razias aos ciclistas, sendo sabido que, de vez em quando, há um acidente provocado por estes factores, devido quer à pressa (quanto a mim, injustificada) que cada equipa tem em fazer chegar o seu carro de apoio perto do seu atleta, quer à também injustificada tentativa das motos de obter uma imagem mais próxima dos ciclistas, muitas vezes em locais onde isso não é aconselhável. Mais que uma vez ouvi o Marco Chagas criticando este aspecto, em várias etapas da nossa Volta, ele que deve saber bem do que fala.
    Mais perigoso ainda são as chegadas em velocidade de ponta, onde dificilmente se consegue encontrar o local ideal onde encaixar 200 ciclistas deslocando-se a 70 km/H, todos com pretensões de vitória. São aliás as quedas mais frequentes no ciclismo, como deve saber; aquelas onde mais ciclistas são obrigados a abandonar a prova, devido às consequências da queda; e aquelas onde a queda de um ciclista ocasiona quase a 100% a queda de vários, no chamado efeito dómino, por pedalarem todos "à molhada". Pegando no argumento da segurança, esse tipo de chegadas devia ser abolido, desenhando-se etapas que tornassem difícil a chegada em pelotão compacto. Será possível que a organização concorde com este meu argumento e por isso é que se vê tão poucas chegadas desse género?
    Permita-me discordar também na questão do estado das estradas. Denominar aqueles estradões de terra batida (ou de lama, conforme as circunstâncias) de caminhos de cabras significa ignorar o que são caminhos de cabras. Acaso o Rui Quinta considera que só o que tem asfalto merece o nome de estrada? A ser assim como o Rui Quinta advoga, teríamos de abolir a Paris-Roubaix, por exemplo, que deve ser das corridas mais violentas e perigosas do mundo, onde, além do estado do percurso, aliam-se quer o que já assinalei em relação aos motorizados, quer o estado do tempo, que transforma um piso já de si perigoso numa autêntica lotaria para os atletas. E quantos já lá cairam com gravidade, ao longo da já velha história dessa prova mítica?
    Não percebo o argumento de se pensar só no espectáculo das subidas sem se lembrarem do perigo das descidas. Significa isso que é contra as etapas de montanha? Qualquer pessoa devia saber que, depois da subida, segue-se a descida, que será tanto mais perigosa quanto mais rápida for efectuada. Qualquer ciclista sabe isto e a ele cabe determinar se tem a habilidade suficiente para seguir com os mais rápidos. Se não tem essa habilidade, gasta mais calços. (cont.)

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  3. Boas.
    Em momento algum, eu afirmo que o acidente teria sido evitado se estivessem menos ciclistas em prova, apenas deixo a pergunta no ar, uma pergunta que, como digo no texto, é legítima. As normas de segurança existem para manter a segurança e, neste caso, uma foi ignorada e aconteceu um acidente. Se um automobilista de despista com 0.6 de alcool no sangue, está a cometer uma infracção. Será que, se tivesse 0.5, o acidente teria sido evitado? Não se sabe, mas a pergunta é legítima. Como digo, neste Giro a segurança é posta em posição secundária e disso voltarei a falar mais adiante, porque ainda falta a etapa do Monte Crostis (de onde é a 2ª foto deste texto).

    As chegadas ao sprint... há chegadas e chegadas. Todos sabemos que existem chegadas ao sprint em que cabem 7 ou 8 ciclistas quase lado a lado e outras em que cabe metade, há chegadas com recta final de um quilómetros e chegadas como a de Viana do Castelo na última Volta, com uma curva demasiado apertada a poucos metros do final. Sem dúvida que há chegadas perigosas mas sabe, tão bem quanto eu, que é possível haver sprints com mínimos de segurança (dentro do que é o ciclismo) e também acontecem quedas em finais em alto, com poucos a spritnar, como na chegada a Santo Tirso de 2007 com o Héctor Guerra.

    Comparar o Paris-Roubaix com estas estradas... não tem comparação. Em primeiro lugar, porque as estradas do Paris-Roubaix são estradas em que há tráfego automóvel e estão mantidas para tal, como acontece com o empedrado existente em cidades portuguesas e por todo o mundo (o empedrado do P-R é mais duro mas não invalidade o que eu digo). Estes caminhos passados no Giro, são em sítios pouco frequentados, e é por isso mesmo que não se cuidam destes caminhos. Tenho a certeza de que, se a PAD se lembra-se a colocar caminhos destes na Volta a Portugal, seria muito criticada. Como a ideia foi da organização de uma grande volta, é melhor aceite por muita gente. Por mim, não! Além disso, eu não critico que estes caminhos sejam ultrapassados na Strade Bianche, por exemplo, que é organizada pela mesma empresa. Mas na Strade Bianche apenas há 14 equipas, porque... não há condições de segurança para mais carros naquelas estradas. Então, porque é que no Giro há, se as estradas são as mesmas? Além do mais, no P-R, Strade Bianche ou qualquer prova de um dia, é naquele dia que se ganha ou se perde por um azar. Numa grande volta, colocar estes caminhos ou paralelos, é apenas oferecer uns sectores para os ciclistas poderem perder as provas por furos ou quedas, como aconteceu com o Tiago Machado.

    Quanto à comparação final, é simples de entender. A organização da Vuelta foge de sítios em que sabe ser mais provável haver problemas; a do Giro procura sítios onde sabe que é mais provável acontecer problemas.

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