sábado, 16 de julho de 2011

Todos diferentes, todos (quase) iguais

Andy Schleck vs Thomas Voeckler, duelo inesperado

Ultrapassadas as etapas dos Pirenéus, sete ciclistas estão em boa posição para o pódio final de Paris, pois apesar de muitas diferenças na sua forma de correr, muito pouco os tem diferenciado ao cortar a meta.

Contra o que quase todos esperavam, Thomas Voeckler sai das primeiras montanhas com a camisola amarela e com aspirações ao pódio final. Evans, os irmãos Schleck, Basso, Contador e Samuel Sánchez são os outros homens que lutam pelos primeiros postos, mas desengane-se quem pensa que o filme dos últimos dias se vai repetir nos Alpes. Não vai! 

Classificação geral, últimos rounds nos Pirenéus

Tal como se previa, a etapa de sexta-feira não fez diferenças entre os corredores com aspirações a uma boa classificação geral. Uma grande fuga acabou por marcar a etapa e Thor Hushovd protagonizou umas das mais belas performances dos últimos anos de Volta à França. Sprinter, talhado para as grandes clássicas, mas que não vira a carta às montanhas, atacou a caminho do Col d’Aubisque com a camisola arco-íris fez uma magnifica descida, não temeu David Moncoutie na sua roda enquanto perseguia Jérémy Roy e obteve a sua nona vitória na Volta a França. Excelente espectáculo! Só foi pena ver a vitória fugir a Roy, que também merecia o sucesso pela postura que sempre assume e que o está a colocar como principal candidato à vitória no prémio da combatividade final.

Hoje sim, era dia de se fazerem diferenças. A Leopard jogou muito bem ao colocar Jens Voigt e Linus Gerdemann na fuga do dia, podendo qualquer um deles servir de auxílio para os irmãos Schleck na fase decisiva da corrida. O objectivo da formação luxemburguesa não era vencer a etapa com nenhum dos alemães mas sim que Andy ou Frank Schleck ganhassem tempo aos seus rivais e por isso entraram ao serviço no pelotão. A presença de Voigt e Gerdemann na fuga só seria benéfica para os Schleck se o grupo dos favoritos conseguisse chegar até eles na subida final e, temendo que nenhuma equipa conseguisse aproximar o “pelotão” e a frente de corrida, teve que ser a Leopard a assumir a perseguição.

Com duas quedas durante a última descida, Voigt foi absorvido antes do desejando e iniciou mais cedo o seu trabalho, importante mais uma vez para disfarçar a desilusão de Fuglsang e Monfort. Apesar de ambos terem trabalhado, os irmãos Schleck ficaram sem colegas antes do desejado. É certo que nenhum outro candidato à vitória tem melhor ajuda que os irmãos, mas olhando para a equipa que apresentavam à partida, eu esperava mais do que isto e penso que não era o único.

Sandy Casar, um dos ciclistas com mais quilómetros de fuga nas últimas edições da Grande Boucle, foi o último a ser absorvido, quando já era Ivan Basso a impor o ritmo no grupo principal, onde ainda estava um surpreende Thomas Voeckler e o seu colega Pierre Rolland, os irmãos Schleck, Cadel Evans, Alberto Contador, Samuel Sánchez, o jovem Rigoberto Urán, Damiano Cunego e Jean-Christophe Peraud, também ele uma surpresa pela positiva. De entre os ciclistas de top-10, faltava Tom Danielson (para o qual Vande Velde tinha trabalhado durante alguns quilómetros na subida final) e Philippe Gilbert (ausência que não era de estranhar), mas tendo o belga o seu colega Jelle Vanendert na frente de tudo e todos a caminho da vitória que falhou na primeira etapa de Pirenéus.

Durante os vários ataques desferidos, principalmente por Andy Schleck, Alberto Contador mostrou não ser o dos últimos anos nem do último Giro, mas o realmente importante é o tempo que se perde ou ganha e o espanhol não cedia. No grupo, cada um ia à sua maneira. Ivan Basso, sempre ao mesmo “passo”, perdia uns metros quando Andy acelerava mas quando a velocidade abrandava era ele quem imprimia o ritmo do grupo. Apesar de não ter capacidade para ir ao choque, o italiano nunca temeu os adversários, mostrando conhecer perfeitamente o seu corpo. Com Andy a assumir a frente do grupo de vez em quando, supunha-se que era Frank a aposta da equipa e ele até ia respondendo bem, excepto nos últimos quilómetros, onde pareceu mais justo de forças. Alberto Contador teve vezes em que respondeu directamente a Andy, outras em que foi evidente o compasso à espera que outro fechasse o grupo. Cadel Evans, que várias vezes assume a dianteira do grupo quando se depara com estas situações noutras provas, não ousou faze-lo hoje mas também nunca deixou transparecer dificuldades. Thomas Voeckler respondeu sempre bem, e apesar do francês estar a subir melhor desde o início do ano, penso que nem ele esperava estar tão forte por esta altura do Tour. Houve ocasiões em que me pareceu que Voeckler só não atacava por estar tão surpreso com o que se estava a passar. Samuel Sánchez, como na maioria das vezes em que se depara com estas situações de um grupo ainda numeroso em que tem liberdade, experimentou a sua sorte com um ataque que lhe valeu o segundo posto.

Com uma aceleração já dentro do último quilómetro, Andy Schleck ganhou dois segundos aos seus adversários mas precisa de ganhar mais do que isso nos Alpes. Dois minutos de vantagem para Cadel Evans antes do contra-relógio final poderão não chegar e por agora tem 9 segundos de atraso. O australiano irá para a terceira semana como mais forte candidato à vitória.

O que esperar dos Alpes

Alguns adeptos gostam de comparar cordilheiras montanhosas. Dizem que os Alpes são mais assim e o Pirenéus são mais assados, que alguns corredores são melhores numa cordilheira e outros noutra… enfim, coisas sem sentido. Alpes e Pirenéus têm bastantes montanhas, para a maioria delas há mais do que uma forma de chegar ao cume e portanto, tanto nos Alpes como nos Pirenéus dá para encontrar subidas maiores ou menores e mais ou menos inclinadas… há de todas as formas e feitios. Apesar disso, não se pense que as etapas disputadas nos Alpes serão iguais às últimas três.

Uma das muitas lições que retirei dos últimos Tours (eu prefiro aprender com o passado em vez de inventar teorias muito rebuscados para parecer muito inteligente) foi que a terceira semana apresenta sempre surpresas entre os ciclistas que lutam pelos postos cimeiros. Para as diferenças de rendimento que sempre acontecem, existem essencialmente três motivos: 1) há ciclistas que não recuperam tão bem e vão acusando mais desgaste que os adversários; 2) há ciclistas que começam a prova num nível de forma muito adiantado e nos últimos dias ficam “passados de forma”; 3) há ciclistas que, pelo contrário, entram em prova com falta de ritmo e só na terceira semana estão a 100% (lembram-se do Ullrich a chegar ao Tour com uns quilos a mais?).

Qualquer um dos sete ciclistas que lutam pelo pódio do Tour poderá entrar nos Alpes a surpreender pela positiva ou subitamente mais fraco. Eu gostaria de chamar a atenção para quatro casos: Ivan Basso, que sofreu uma violenta queda em Maio, atrasou a sua preparação e fez um Critérium du Dauphiné em crescente de forma, tem estado neste Tour a melhorar de dia para dia e poderá notar-se ainda mais essa melhoria nos Alpes. Cadel Evans já esteve em razoável forma no CdD, entrou a todo o gás na Volta a França e não será de estranhar se começar a quebrar no que falta de prova. Semelhante cenário aconteceu em 2009, onde também esteve bem no CdD, andou com os melhores nas primeiras etapas de montanha mas fracassou nos últimos dias. Thomas Voeckler é outro que já esteve muito bem em todo o mês de Junho, esteve ao ataque desde os primeiros dias de Tour e poderá acusar um desgaste extra a partir da próxima quarta-feira. Voeckler tem a motivação extra da camisola amarela mas, quando a perder, deverá dar um tombo. Aliás, para estar no pódio de Paris teria que segurar a camisola amarela até ao último contra-relógio e se a perder antes do Alpe d’Huez muito dificilmente terminará nos cinco primeiros da geral. Outra grande incerteza é Alberto Contador. Por um lado, o espanhol poderá ter sentido nestes dias a falta de ritmo de não ter corrido em Junho, também as mazelas das quedas e, caso melhore, será um perigo nos últimos dias. Por outro lado, nesta última semana poderá acentuar-se o desgaste provocado pelo Giro e pelas quedas, o que levaria a um decréscimo de rendimento. De qualquer forma, isto são apenas cenários possíveis para os dias de montanha que ainda faltam percorrer e não estou a afirmar que algum deles se vai concretizar, tal como não excluo a possibilidade dos Schleck ou Samuel Sánchez aparecerem nos Alpes com outra face.

As outras lutas

Com duas desistências na equipa e vários colegas condicionados (incluindo Rui Costa), José Joaquin Rojas não conseguiu chegar à camisola verde nestes dias e apenas diminui o atraso em alguns pontos, estando agora a 13 de Mark Cavendish. Será fundamental amanhã não deixar que o britânico se distancie em demasia para poder continuar a pensar na vitória final. A HTC tudo fará para que a vitória da jornada seja discutida ao sprint e Mark Cavendish possa vencer pela quarta vez neste Tour.

Na classificação da juventude, Rigoberto Urán sai dos Pirenéus como líder. Com Robert Gesink e Roman Kreuziger fora da luta devido às quedas, o colombiano está em boa posição para vencer mas Rein Taarame está a apenas um minuto e é igualmente bom trepador e contra-relogista.

Na classificação da montanha, a luta é muito discreta. Tal como referi na quinta-feira, muito dificilmente alguém triunfará nesta classificação sem terminar nos três primeiros de uma chegada ao alto. Com o actual sistema de pontuação, não é uma classificação para homens combativos. Vanendert lidera e Samuel Sánchez está muito próximo, ambos com uma vitória nos Pirenéus e um segundo lugar.

Na classificação por equipas, a Leopard lidera mas tem a surpreendente Europcar à perna, com apenas mais seis segundos. A Ag2r e a Garmin também estão próximas e poderão chegar à liderança através de fugas na terça e quarta-feira. Esta classificação poderá estar em aberto até ao contra-relógio de Grenoble.

Uma antevisão mais detalhada às etapas de montanha que estão pela frente fica agendada para segunda-feira.

2 comentários:

  1. Excelente Visão! mas acho que faltou destaque na tua crónica ao Jelle Vanendert.Ganhou a camisola de Trepador e para mim ,muito merecida,vendo bem,é de facto o melhor trepador puro desta edição,com apenas 26 anos,com os Alpes e com uma pontinha de sorte,é capaz de se aproximar do top 10 .que achas?
    Abraço e bom trabalho.

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  2. Obrigado pelo comentário, Bento!
    Concordo completamente. Como podes imaginar, para falar sobre tudo o que merece destaque, teria que dar uma grande "seca" aos leitores. O assunto tem que ser doseado e segunda-feira há mais ;)

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