segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A Volta ao Algarve 2012

Terminou a Volta ao Algarve, durante a qual o nosso pelotão nacional em crise e o grande pelotão internacional, com equipas cujos orçamentos ultrapassam os dez milhões (algumas chegarão aos 20 milhões), se juntam num só durante cinco dias espectaculares. A Volta a Portugal é única, mas a Volta ao Algarve também tem as suas particularidades e, quem a visita, fica fã.

Este artigo/crónica será um misto do que foi esta Volta ao Algarve pelos resultados aos olhos de todos (com a minha análise, como sempre) e do que é a Volta ao Algarve vista de dentro.



As particularidades da Volta ao Algarve

A Volta a Portugal tem as suas características muito próprias. Por ser a mais antiga e durante tantos anos ter colocado frente-a-frente os corredores de Benfica, Porto e Sporting, conquistou os portugueses. E por se realizar em Agosto, com tantos portugueses de férias, atrai sempre muita gente. O público que sai de casa para ver o pelotão passar à porta de casa, esse há em muitos países europeus, mas público como o que sai de casa e faz quilómetros para ver uma chegada como na Volta a Portugal, não há em muitos sítios. Giro e Tour têm também eles muito público, mas por exemplo a Vuelta fica claramente aquém da Volta a Portugal.

A Volta ao Algarve tem também ela um público muito fiel, com gente que tira esta semana de férias para acompanhar a prova, outros que arranjam forma de sair do trabalho para ir ver a corrida e muitos estrangeiros. Pode parecer exagero, mas o público estrangeiro deve ser tanto quanto o português, desde o litoral ou interior algarvio. Belgas e holandeses sobretudo, mas não só. Uns são imigrantes e já têm cá a sua vida, aproveitando estes dias para procurar os ídolos dos seus países, como Jurgen Van Den Broeck, Van Avermaet, Bjorn Leukemens, Nick Nuyens e Stijn Devolder, que já venceu no Algarve, para os belgas, Karsten Kroon, o jovem Wout Poels e o heróico Johnny Hoogerland, além de toda a Rabobank, claro, para os holandeses. Desde há muitos anos que tenho a ideia de que os países com mais público na Volta ao Algarve, além dos portugueses, são os belgas e os holandeses, mas sem dúvida que há gente de todo o lado. Afinal de contas, o ciclismo tem a capacidade de, num pelotão, juntar corredores e ídolos de tantos países. Daí dinamarqueses que vibram com Matti Breschel, irlandeses com Nicolas Roche, alemães com Tony Martin, Kloden e Ciolek, noruegueses com Boasson Hagen e, claro, os britânicos (e no Algarve há tantos…) com a sua Sky. E cada vez se vão vendo mais bandeiras na estrada.

Este ano pareceu-me haver ainda mais público do que em anos anteriores, com excepção da chegada ao Alto do Malhão. Em Portimão e Tavira, as enchentes de sempre, Albufeira achei que tinha mais gente do que nos últimos anos e em Lagoa, que não recebia uma chegada desde… há muitos anos mesmo. Planeei a segunda etapa de modo a chegar a Lagoa 15 a 20 minutos antes dos corredores, mas quando lá cheguei, vendo a quantidade de gente que lá estava e a forma como já esperavam, pensei que estivesse eu enganado e o pelotão quase quase a chegar. Afinal, eu não estava enganado e as pessoas, apesar de conscientes de que ainda tinham que esperar, já estavam todas viradas para a EN 125, de onde viriam os ciclistas.

Outra particularidade da Volta ao Algarve é que as etapas, apesar de terem geralmente 170 e 200 km, têm a partida e a chegada muito mais próximas do que noutras provas. Este ano, 30 quilómetros entre a partida e chegada da primeira etapa (que tinha 151 km de percurso), 60 na segunda (187 de percurso), 90 na terceira (195) e 50 na quarta (186). Com isto, é possível os amantes do ciclismo verem partida, chegada e mais dois ou três sítios, pelo menos, se tiverem um mapa. Posso dizer que nesta Volta vi cada etapa em 6 ou 7 sítios.

Para os ciclistas e as suas equipas, a Volta ao Algarve também se destaca pelo seu clima (e este ano esteve bom tempo durante os cinco dias) e pelos excelentes hotéis. Além disso, a simplicidade das pessoas que organizam a prova é outro ponto favorável. A prova está cada vez mais profissional (apesar de ainda haver caminho a percorrer nesse sentido) mas o contacto com as equipas continua a ser muito fácil, bem como com os jornalistas e os próprios adeptos, tanto portugueses como estrangeiros. Naturalmente há espaços vedados, em que só os ciclistas, staff e jornalistas podem entrar, mas esse espaço é muito menor do que na Volta a Portugal. Com provas doutros países, não posso comprar, mas entre Volta a Portugal e Volta ao Algarve, a Volta ao Algarve é muito mais amiga do público, sem prejudicar o trabalho dos profissionais. E agora até já tem animação nas zonas de partida e chegada…

A Televisão

Depois de muitos anos a ambicionar transmissão televisiva, este ano o objectivo foi conseguido. A Volta ao Algarve foi transmitida para toda a Europa e não só, fazendo uma excelente divulgação da região. Penso que, depois de analisado o impacto e os benefícios desta transmissão, as entidades estatais responsáveis continuarão a apoiar a mesma.

A transmissão foi feita com apenas duas motos de filmagem, em vez das três que há na Volta a Portugal, e menos câmaras na linha de meta, para reduzir os custos. Ainda assim, com as duas motos e o helicóptero, o realizador conseguiu manter a transmissão bastante dinâmica. Naturalmente que os únicos comentadores que posso avaliar são os portugueses, mas quanto à realização, essa foi igual para todos os países em que a prova passou e eu gostei bastante. Tanto na cobertura da prova, como na divulgação do país.

Com a Volta ao Algarve a passar na televisão, ainda que na RTP 2, o retorno para os patrocinadores é muito maior. Além disso, os seguidores do ciclismo podem, logo em Fevereiro, conhecerem os novos patrocinadores, o que é excelente para estes. Não vale a pena entrar em utopias e dizer que todas as provas deveriam passar na televisão. Não! Eu gostaria de poder ver mais ciclismo português em directo, mas apenas defendo a cobertura da Volta a Portugal e da Volta ao Algarve. No caso da Volta a Portugal, porque é de interesse público, e no caso da Volta ao Algarve, porque, além de ter interesse público, é uma excelente propaganda do Algarve no estrangeiro. Com as restantes provas, não tendo um pelotão de topo, não vale a pena. Não entremos em loucura de pedir demais.

O poder da Sky

A Sky venceu, três etapas, três classificações e
dominou a prova
Quando analisei (ainda que sem ir a fundo) as equipas World Tour, classifiquei Radioshack, BMC e Sky como super-equipas. Pois a Sky mostrou isso mesmo no Algarve. Durante esta semana, a Sky esteve em Oman com Cavendish e sete outros ciclistas que poderão fazer parte do seu comboio: Appollonio, Eisel, Hayman, Hunt, Rowe, Staanard e Chris Sutton. Este também no Algarve, com aqueles que deverão ser os seus principais homens para as provas por etapas: Bradley Wiggins (3º na Vuelta 2011 e 2º no Mundial de contra-relógio e vencedor do Dauphiné Libéré), Chris Froome (2º na Vuelta), Richi Porte, que fez o que se viu, Kanstantsin Siutsou (10º no Giro), Thomas Lofkvist e Lars Petter Nordhaug que venceu a prova de média montanha da Challenge de Maiorca. Apenas faltaram dois corredores que deverão ter papel importante na estratégia para as principais provas por etapas: Rigoberto Urán e Michael Rogers. O gregário Xabier Zandio e o sprinter/contra-relogista/classicomano Edvald Boasson Hagen completaram a equipa.

Desde os primeiros quilómetros desta Volta ao Algarve que a Sky mostrou que vinha com ambição para a prova, trabalhando para controlar as fugas. Edvald Boasson Hagen era a aposta para o primeiro dia, mas naquela chegada a Albufeira é difícil fazer previsões. Em 2010 Vaugrenard surpreendeu o pelotão na última colina e venceu, no ano passado foi Gilbert, e este ano, ainda que tenha sido chegada em pelotão compacto, o vencedor foi um bom rolador mas não sprinter, Gianni Meersman.

Hagen venceu sim no segundo dia, vestiu a camisola amarela e, a partir daí, a Sky foi senhora da prova. Na terceira etapa fizeram um excelente trabalho de equipa para a vitória de Richie Porte, no quarto dia defenderam essa liderança e no contra-relógio não só Porte defendeu a sua camisola amarela como Bradley Wiggins venceu a etapa e chegou ao segundo lugar terceiro lugar da geral. Resumindo: venceram três etapas, a classificação geral, a dos pontos e a colectiva e tiveram o segundo terceiro na geral. Excelente!

A vitória da Sky é, também ela, excelente para a prova. Naturalmente gostaria que um português vencesse, mas para a divulgação do Algarve nada melhor do que a britânica Sky em tão grande evidência e com tantas vitórias. Quanto destaque terá tido a prova durante estes dias no Reino Unido?

A isso juntou-se uma vitória em etapa do norueguês Boasson Hagen, do belga Gianni Meerman e do alemão Gerald Ciolek. Em termos de divulgação do Algarve em mercados estratégicos, espectacular.

A luta dos portugueses

Se na Prova de Abertura a Efapel-Glassdrive foi a maior derrotada, na Volta ao Algarve foi claramente a melhor formação portuguesa, conquistando a classificação da montanha e a das metas volantes.

Cada vez o calendário internacional começa mais cedo e uma maior parte do dos corredores de equipas estrangeiras já correu uma prova por etapas antes da Volta ao Algarve. Este factor torna ainda mais difícil que as equipas portuguesas possam discutir os primeiros lugares da geral, como se correr contra Wiggins, Tony Martin, etc, etc, não fosse complicação que chegue. Não nos podemos esquecer que alguns destes corredores têm um vencimento anual superior ao orçamento das equipas portuguesas.

Sem condições para lutar pelos primeiros lugares da geral, e sabendo que discutir as etapas seria muito difícil, as equipas nacionais teriam que fazer pela vida através das classificações secundárias, colocando para isso homens em fuga.

No primeiro dia, Sérgio Sousa e Ricardo Mestre estiveram em fuga com mais três estrangeiros, com Karsten Kroon a levar a melhor nas duas metas volantes e duas contagens de montanha do dia. Ao segundo dia, novamente Efapel-Glassdrive e Carmin-Prio na fuga, desta vez através de Raul Alarcón e Tomás Metcalfe, com a companhia de um belga. Alarcón foi primeiro nas duas metas volantes do dia e Metcalfe o primeiro nas duas contagens de montanha, ficando assim empatados com Kroon nestas classificações. Na terceira etapa, José Gonçalves era o único homem de equipas portuguesas na fuga do dia, com oito ciclistas, mas antes desta vingar já Raul Alarcón tinha conseguido mais um ponto para as metas volantes e depois da fuga anulada Sérgio Sousa conseguiu ir buscar os pontos necessários para vencer a classificação da montanha. No quarto dia não precisaram de pontuar e garantiram essas vitórias, pois o último dia era de contra-relógio.

Tiago Machado e Rui Costa foram 2º e 3º
no Malhão, 6º e 5º na geral
Estas classificações são, de alguns anos a esta parte, a principal luta das equipas portuguesas na Volta ao Algarve e podem ser um interessante foco de interesse secundário. Para isso, convém que as metas volantes estejam espalhadas pelas etapas e na segunda etapa estava a segunda (houve duas por etapa) logo aos 27 quilómetros e na terceira etapa estava a segunda logo aos 30. A última contagem de montanha também estava muito cedo, logo aos cinquenta quilómetros da quarta etapa. Uma vez que a prova termina com um contra-relógio e aí já não podem existir alterações nestas classificações, é recomendável que ambas estejam em aberto até ao mais tarde possível e quem conhece o percurso sabe que é relativamente fácil colocar contagens de montanha na prova sem alterar a rota. Ao contrário do que pensará quem não conhece o interior do Algarve, a única etapa plana da prova é o contra-relógio. A primeira, segunda e quarta etapas, apesar de serem classificadas como planas, são marcadas por um constante sobe e desce enquanto estão na serra. Naturalmente, a parte final, sendo no litoral, é mais rápida e por isso as equipas dos sprinters conseguem controlar a corrida.

De realçar ainda o oitavo lugar de José Mendes na terceira etapa e as excelentes prestações de Rui Costa e Tiago Machado, ainda que no contra-relógio tenham estado abaixo das suas capacidades, eles que também são grandes contra-relogistas.

Pormenores de campeões

Não posso deixar de realçar o rigor com que se faz tudo na Sky. Logo após o final da primeira etapa, depois de trabalharem durante grande parte dos 150 quilómetros, foram montados os rolos para que os corredores fizessem a descompressão e iniciassem assim a recuperação do esforço. As pessoas que ali estavam ficaram espantas e, ao fim de tantos anos com a Volta ao Algarve a receber as melhores equipas do mundo, eu nunca tinha visto tal coisa. No segundo dia, situação curiosa, com o Boasson Hagen no pódio e os colegas mais abaixo a fazerem descompressão. A partir daí foi todos os dias assim: Porte no pódio e os colegas nos rolos.

No contra-relógio, outra situação que gostei de ver. Quando Tony Martin chegou à zona de partida, faltando pouco mais de cinco minutos para começar o seu contra-relógio, o seu rádio não estava a funcionar (rádios são permitidos em contra-relógios). Com ele estavam dois membros do staff que tentavam solucionar a situação, mexendo daqui e dali. Fizeram sinal ao carro de apoio, foram testando e a menos de dois minutos de Martin abalar, ainda estavam em testes. O corredor, campeão do mundo da especialidade, vencedor da Volta ao Algarve no ano passado, manteve sempre a calma, a simpatia e cooperação com os membros do staff. Já vi outros corredores barafustarem com quem os ajuda por situações de menor stress, mas o alemão não.

São apenas pormenores, pormenores de uma das melhores equipas do mundo e de um campeão do mundo. Talvez estes detalhes façam parte do que é ser um campeão.

*****
Muito mais poderia ser dito, mas o texto já vai longo. “Encontramo-nos” aqui em breve ;)
E quero agradecer a quem tem divulgado o blogue  e a página no Facebook. Cada novo leitor é um novo motivo para escrever. Espero que continuem a gostar ;)

4 comentários:

  1. Eu adorei ver a Volta ao Algarve! Esteve bem acima das minhas expectativas e entao a chegada ao Alto do Malhão foi sensacional! É de realçar o muito público na estrada, que me deixou especialmente feliz!
    Penso que a única coisa que não correu muito bem foi o posicionamento das motas. Vi várias vezes os corredores a reclamar com as motas por estarem no meio do pelotão, mas isso é um pormenor que com o passar dos anos se vai melhorando.
    Continua o bom tabalho Rui!

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  2. Mais uma excelente análise Rui, retificando apenas que o Wiggins foi 3º da geral e não 2º. Continuação de um bom trabalho

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  3. Obrigado pelos comentários a ambos e pela correcção, Pengo.

    Cumprimentos

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  4. A nivel da qualidade do pelotão supera em larga escala a Volta a Portugal.É estranho como esta prova ano após ano consegue atrair as grandes estrelas do ciclismo mundial, ande sempre com dificuldades para manter o elevado nivel que apresenta.Segundo o que já li,a edição de 2013 terá menos uma etápa,mesmo tendo em conta a presença do atual detentor do Tour.Por este caminho vai acontecer o mesmo que se passou com a Volta ao Alentejo,que tambem tinha sempre grandes nomes e agora é uma prova com pouca expressão.

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