Brajkovic venceu, no meio do nada, sem público, sem TV, apenas com comissários e um fotografo |
Disputou-se ontem aquela que seria a etapa rainha da Volta à
Catalunha, que deu muito que falar e que dará de falar durante toda a
temporada, devido à complexidade da situação e a tudo o que está em jogo. Como
dá para ver pela foto do lado, o cenário era muito adverso para os corredores e
pela primeira vez vi corredores a desistir devido às condições climatéricas.
Além de algumas (poucas) desistências por quedas, houve três dezenas de corredores
a desistir porque estava demasiado frio e as condições de corrida eram
demasiado perigosas para a sua saúde.
Pelotão
em guerra
Habituei-me a ver um enorme companheirismo e solidariedade
no pelotão, em que se esperava quando um líder caia ou, pelo menos, não se
atacava. As corridas eram decididas por ataques, individuais ou colectivos
(como acontece nas bordures), os furos e quedas eram vistos como parte da
corrida, se acontecessem quando a corrida estava lançada, nada havia a fazer,
mas se acontecessem com a corrida em “fase morta” ninguém acelerava.
No Tour 2010, quando a corrente de Andy Schleck saltou e Contador atacou para a vitória na prova, começou o debate sobre esta questão e qual a melhor postura a adoptar. Entretanto esteve suspenso, até que no dia
10, no Paris-Nice, Leipheimer sofreu três quedas e na segunda delas a Movistar
de Valverde acelerou para eliminar o norte-americano da luta pela geral. Os espanhóis, na sua
generalidade, viram com bons olhos a atitude da Movistar, os anglo-saxónicos,
não. No dia 20 foi Valverde a cair, na segunda etapa da Volta à Catalunha, e a
Omega Pharma aumentou o ritmo para eliminar o espanhol da luta pela geral. A
Omega Pharma não precisou de esperar muito para se vingar da Movistar e de
Valverde e aumentar a intensidade desta guerra. A partir de agora, quem cair ou
furar, está fora.
Entre
a chuva e a neve
Desde segunda-feira e até domingo, disputa-se a Volta à
Catalunha, que tinha como etapa rainha a terceira, com duas contagens de
montanha de primeira categoria e outras duas de especial e é ela o principal assunto desta minha crónica. A etapa começou em
condições muito adversas, pelo muito frio, pela chuva, pelas estradas geladas e
pela neve na subida final, e logo aos cinco quilómetros houve uma queda que
envolveu muita gente, principalmente Julian Dean (GreenEdge), que fracturou o
fémur.
No total fora 39 desistências, quase todas elas devido
às condições extremas e para evitar problemas maiores que condicionassem a
temporada, como fizeram Wiggins e Richie Porte (Sky), Andy Schleck, Tiago
Machado e Ben Hermans (Radioshack) ou Tejay Van Garderen (BMC). Ivan Basso, que
já tinha tido problemas durante o Paris-Nice, esteve na queda ao km 5 e fica
com a preparação para a Volta a Itália muito atrasada, enquanto Jakob Fuglsang,
envolvido na mesma queda, terminou a etapa mas hoje não pôde alinhar.
Quanto à etapa em si, relembro que foi marcada pelo muito
frio, pela chuva, gelo à volta das estradas e um final em que nevava. Formou-se um
grupo de doze corredores que ficou com um minuto de avanço, dois, três, quatro, até
chegar aos dez, porque algumas equipas ia perdendo os seus líderes e ninguém
queria colocar a sua integridade física em risco. Finalmente, a cerca de
sessenta quilómetros da meta, os juízes decidiram que a etapa terminaria dentro
de… dez quilómetros. Os homens da frente discutiram entre eles a vitória, numa linha
de meta improvisada, e o pelotão ficou sem hipóteses de se aproximar da frente.
No final, disseram depois os corredores, começaram a sprintar quando viram comissários
na estrada. Os comissários decidiram também que esta etapa não contaria para a
classificação geral
Correram
para quê?
Implicações? Nem sei por onde começar, por isso não liguem à
ordem, mas:
- As equipas com aspirações para a classificação geral, que
na primeira etapa “deixaram” Michael Albasini (GreenEdge) chegar com minuto e
meio de avanço do pelotão contando recuperar esse tempo na etapa rainha,
ficaram sem etapa rainha;
- Muitos corredores desistiram, um ficou seriamente
lesionado, outros viram a sua preparação seriamente afectada e tudo isto numa
etapa que “não existiu”;
- Os corredores em fuga, que ficariam nos primeiros lugares
da geral, não ganharam tempo nenhum ao pelotão e o seu esforço foi em vão.
Assim sendo, esta etapa correu-se para quê?
A única equipa que poderia sair satisfeita deste dia seria a
GreenEdge, que manteve a liderança em Michael Albasini e lhe deixou em
excelente posição para ganhar a prova. Mesmo assim ficaram sem Julian Dean, com
o fémur fracturado… numa etapa que não existiu.
Então
o que fazer?
Até agora não dei qualquer solução para esta situação. Antes
pelo contrário, apontei motivos contra a anulação da etapa e motivos contra a continuação
da mesma, e quem me conhece sabe que não gosto de criticar sem apresentar
soluções.
Deixo antes a pergunta: qual a necessidade de ter uma etapa
destas em Março? Caramba!, era uma montanha de 1800 metros de altitude, outra de
1730 e o final aos 1950. Qual a necessidade disto em Março, quando o risco de
nevar é extremamente alto? Para onde estão a levar o ciclismo? Eu gosto de
etapas de alta montanha, gosto de clássicas de pavé e gosto da Strade Bianche,
uma clássica com sterrato. Digo mais, eu adoro tudo isto, mas acima de tudo,
respeito os ciclistas. Porquê colocar em risco os ciclistas quase nos dois mil
metros de altitude em Março (e não é uma subida, eram três que estavam no
percurso), porquê colocar um Giro e toda a sua preparação na lama dum sterrato
e porquê colocar um Tour e toda a sua preparação em risco no sector de pavé,
que pode causar mais chatices que glória?
Mas voltando à Volta à Catalunha e ao que se passou ontem,
se estava a nevar desde manhã no sítio onde era suposta e etapa terminar, e se
alguns directores desportivos o sabiam e falaram sobre isso com os comissários e a
organização, mandava o bom-senso que a etapa fosse logo encurtada e toda a
gente soubesse antecipadamente onde ela terminaria.
E para terminar: claro que os organizadores têm que inovar, mas não
vejo necessidade de abdicar da tradição. Inovar nas provas por etapas é alterar
as subidas, inovar no Paris-Roubaix é alterar os sectores de pavé e no Tour de
Flandres alterar as colinas. Não vejo mesmo necessidade de meter pavês ou
sterrato no Tour e no Giro para manter as provas atractivas, como não vejo necessidade
de meter subidas no Paris-Roubaix. Reflictam nisto. Não quero convencer ninguém
a pensar como eu, quero sim que reflictam. Afinal de contas, é só a opinião de
alguém que quando vê um ciclista ficar fora da discussão de algo por queda ou
furo, tem vontade de partir a televisão.
Boa análise mais uma vez!
ResponderEliminarHá coisas que estou completamente de acordo e outras nem tanto. Ou melhor a única que não concordo é dizer que etapas destas em Março não vale a pena, discordo porque o ciclismo vive destas etapas, e esperava vê-la(deixei a gravar) quando chegasse a casa, e a minha desilusão quando me sento no meu sofá e afinal não houve transmissão. Não quer dizer que nevasse sempre... até porque no dia anterior a montanha estava "limpa" sem gota de neve! Considero azar... Coisas que acontecem!
Quanto ao resto, acho que o Fulgsang caiu hoje(pelo que percebi)e fracturou o osso escafóide. Como fisioterapeuta que sou, posso dizer que o Comentador da Eurosport, o senhor Paulo Martins é um puro "adivinho"... Porque segundo ele não é nada grave e vai poder estar no giro na máxima força, ele que é o homem apontado pela RadioShack para o Giro. Pois bem se é mesmo fractura do escafóide, mesmo que seja só parcial e não completa não se livra de no mínimo 2 meses de recuperação, até porque requer imobilização da mão e consequentemente antebraço. Ele calado é um poeta!!!
Continuação de um bom trabalho!
Cumprimentos
Tambem partilho da mesma vontade de destruir a caixa mágica nessas alturas.
ResponderEliminarObrigado a ambos pelos comentários ;)
ResponderEliminarWorldoftennis, sinceramente, já me cansei de criticar os comentadores da Eurosport. Vejo neles tanta capacidade para comentar ciclismo como em mim para comentar o impacto da seca no cultivo de abóboras. No entanto, há pessoas que continuam a gostar.
Hoje foi a primeira vez que vi a Volta à Catalunha na Eurosport. O PM, que dá sempre mil nomes como possíveis vencedores, hoje realçou que não era nesta etapa que o Samuel Sánchez ia conseguir a primeira vitória do ano para a Euskaltel... e não é que o Samuel Sánchez ganhou?
Cumprimentos para todos ;)
Também vi... É o costume!
ResponderEliminarNa 2ª etapa, falou tanto do André Cardoso e do Tiago Machado a dizer que iam no grupo da frente aquando da ultima descida, mas nenhum deles lá ia, e o único tuga era o Bruno Pires mas para ele era difícil ele estar no grupo da frente. Mas estou a falar só dos tugas porque em relação aos ciclistas que para ele iam no grupo da frente porque tinham uma maneira de pedalar inconfundível, e depois vou a ver não iam sequer no grupo de trás...´
P.e. Luis Leon Sanchez, Brajkovic, Gavazi e Brice Feillu.
É o que eu digo ele calado é um poeta!!!
Por acaso também concordo que uma etapa de alta montanha (não uma subida mas várias desta dureza na mesma etapa) nesta altura do ano em que grande parte dos ciclistas está a preparar as grandes voltas não faz lá muito sentido. Por outro lado também tenho alguma dificuldade em perceber o planeamento da época de alguns ciclistas que pretendem estar no seu pico de forma no Tour, o caso mais evidente é o do espanhol Alejandro Valverde que já esteve na Austrália, Andaluzia, Paris-Nice e agora na Catalunha sendo que nas 3 primeiras esteve na discussão da classificação geral e na Catalunha se não fossem as contingências da corrida provavelmente também estaria. Sinceramente dado o percurso do Tour deste ano e as características de Valverde não estou a ver grandes oportunidades de uma boa classificação para o espanhol, boa classificação que ele admitiu passaria por um lugar no pódio.
ResponderEliminarObrigado a ambos pelos comentários ;)
ResponderEliminarRicardo, eu tenho dificuldades em acreditar em alguém que esteve suspenso e volta da suspensão ao seu melhor nível e a lutar por vitórias, como fez o Scarponi primeiro e o Valverde agora. Que me desculpem, mas não engulo estas tão facilmente.
Em meu entender, os organizadores não podem adivinhar as condições atmosféricas das provas que organizam. Até porque as organizam com muito tempo de antecedência. Lembro-me do Tour com neve, chuva e muito frio em etapas importantes, isto em Julho. O mesmo no Giro e na Vuelta, assim como na tradicional quente e seca Volta a Portugal. Menos a neve, claro. :) Lembro-me especialmente de uma subida memorável ao Anglirú, ganha pelo Heras, em que chovia tanto que algumas motos tombaram, porque não conseguiam obter a aderência necessária para seguir à velocidade do ciclista... Ora bem, sendo o ciclismo um desporto "ao ar livre", parece-me que os corredores foram um pouco piegas ;) na abordagem ao problema. Se chovia, chovia para todos, se nevava, nevava para todos. São contingências deste desporto. Se estão com medo do frio, da neve e da chuva, dediquem-se ao ciclismo de pista... coberta. Não nego o perigo a que eles estavam sujeitos, mas, repito, essas contigências eram sofridas por todos.
ResponderEliminarPor outro lado, os organizadores também não são obrigados a escolher o percurso condicionados pelas outras provas. Poderão ter em atenção a escolha de datas, até para garantir a presença dos melhores, mas o percurso terá sempre de ser decidido pelo organizador. Porque razão os piores obstáculos têm de ser nas três grandes? Até porque qualquer prova por etapas pode ambicionar passar a pertencer ao lote das grandes. Cabe aos ciclistas a tarefa de decidir as provas a que querem dedicar todo o seu esforço.
Penso que a única falha da organização (muito grave, sem dúvida) foi o terem decidido muito tarde o encurtamento da etapa e a sua "desclassificação". Por exemplo, na etapa da Estrela da última Volta ganha pelo Blanco, a organização decidiu, antes do início dessa etapa, encurtá-la, devido aos fogos. Apesar de ter, eventualmente, estragado os planos de algumas equipas, o certo é que estavam todos em pé de igualdade quando a etapa começou. Assim, o que fizeram na Catalunha demonstra que essa organização não está à altura para resolver problemas inesperados.
Caro Conan, como não mostra muito respeito pelos ciclistas, também não acho que valha a pena me alongar muito para lhe responder.
ResponderEliminarNão se prevê as condições climatéricas com meses de antecedência? Isso é mais ou menos verdade. Claro que não se sabe a temperatura que vai estar nem se chove ou fará sol, mas sabe-se de antemão que em Março a probabilidade de chover é elevada e a de nevar no Pireneus também é maior do que em Setembro. Além disso, em Setembro a neve já derreteu, em Março é menos difícil.