Kessiakoff, vencedor do crono da Vuelta, vem do BTT como Evans |
Fredrik Kessiakoff, que venceu ontem o contra-relógio da
Volta à Espanha, já tinha vencido na Volta à Suíça e no ano passado a Volta à
Áustria, tem 32 anos mas apenas quatro épocas na alta roda do ciclismo mundial.
Por onde andou antes? Nos trilhos do BTT, como Cadel Evans, o vencedor do
último Giro Ryder Hesjedal e muitos outros que fizeram esta transição. Esta
crónica é sobre eles.
Cadel Evans e Michael Rasmussen, os primeiros
Cadel Evans nos tempos do BTT |
Cadel Evans e Michael Rasmussen foram os primeiros casos.
O australiano tinha vencido a Taça do Mundo por duas vezes (98 e 99) e duas
presenças olímpicas (96 e 2000) quando assinou o seu primeiro contrato
profissional como ciclista de estrada, em 2001, pela Saeco. Já Michael
Rasmussen, apesar de ser 3 anos mais velho, chegou um ano mais tarde ao
profissionalismo na estrada. Foi em 2002, na CSC, tendo já um título mundial de
cross-country no palmarés, conquistado em 99. O motivo para trocarem os trilhos
pelo alcatrão é simples: dinheiro. Os
melhores betetistas do mundo têm cada vez melhores salários mas ainda estão
muito distantes dos valores recebidos pelos melhores ciclistas da estrada e
alguns arriscam esta passagem quando têm a oportunidade.
A oportunidade de Rasmussen surgiu, não só pelos seus
resultados no BTT, mas também pela existência de uma equipa de topo (então 1ª
Divisão) na Dinamarca, a CSC-Tiscali de Bjarne Riis. Rapidamente chamou à
atenção da Rabobank, pela qual se destacou enquanto trepador, até ser suspenso
por tentar enganar a UCI (disse que ia para o México mas estava a estagiar na
Itália, para fugir aos controlos anti-doping).
Já Cadel Evans ganhou uma oportunidade na Saeco porque ao
sucesso do BTT juntava sucessos na estrada. Em 95, ainda em júnior, somou o
bronze no Campeonato Mundial de XCO ao bronze no Campeonato do Mundo de
contra-relógio, em Itália, país em que realizou algumas competições de estrada
até 2001. Também na Austrália, como no Tour Down Under (muito longe da
competitividade de hoje), mostrou talento e em Abril de 2001 entrou finalmente
na Saeco, equipada pela Cannondale, patrocinadora secundária da sua equipa no
BTT, a Volvo-Cannondale. O
seu percurso já aqui foi descrito quanto se sagrou vencedor do Tour.
Na verdade, Evans foi o primeiro conceituado a fazer a
transição com sucesso mas não foi o primeiro em absoluto. No ano antes, em
2000, tinha chegado à Mapei o italiano Dario
Cioni, que tinha muito menos prestígio internacional que Evans mas não era
propriamente um desconhecido. Tinha sido vice-campeão europeu sub-23 e contava
com vários top-10 em provas da Taça do Mundo. Na estrada, também não chegou ao
nível de Evans e os seus melhores resultados foram um 4º lugar no Giro (caído
do céu, nunca tinha-se destacado antes nem o fez depois) e o título nacional de
contra-relógio, ambos em 2004. Fica a curiosidade de em 2001 ter ganho uma
etapa do GP do Minho, em Póvoa do Lanhoso, numa fuga de quinze minutos,
terminando também como vencedor da geral. Retirou-se em 2011 depois de passar
por Mapei, Fassa Bortolo, Liquigas, Lotto, ISD e Sky.
Ryder Hesjedal, Jakob Fuglsang e Fredrik Kessiakoff
Ainda que não pareça, é Ryder Hesjedal, muito antes de vencer o Giro 2012 |
Se Hesjedal teve três vice-campeonatos no cross-country mas
faltou-lhe o título, Jakob Fuglsang sim,
conseguiu. O dinamarquês foi campeão mundial sub-23 em 2007. Em Agosto de 2008
conquistou a sua primeira Volta à Dinamarca pela continental Designa Køkken,
mudando-se no ano seguinte para a CSC, onde venceria mais duas Voltas à Dinamarca
e se estrearia na Vuelta (2009) e no Tour (2010). Fiel aos irmãos Schleck,
mudou-se para a Leopard, pela qual foi 11º na Vuelta do ano passado, e depois
para a Radioshack, pela qual venceu a Volta ao Luxemburgo e a Volta à Áustria.
No próximo ano correrá pela Astana.
Fredrik Kessiakoff
fez a passagem para a estrada muito mais tarde do que os anteriormente
referidos. Foi a caminho dos 29 anos e no BTT já tinha sido 3º, 4º (duas vezes)
e 5º em Campeonatos do Mundo, também 3º num Campeonato da Europa e participou
nos Jogos de 2004 e 2008. Em 2009 mudou-se para a estrada, para a Fuji-Servetto,
depois de em 2008 já ter corrido com bicicleta dessa marca. Deu algumas boas
indicações, 2010 (Garmin) foi um ano para esquecer e no ano passado teve um
rendimento muito bom na segunda metade da temporada, vencendo a Volta à Áustria
e ocupando o 6º lugar na geral à entrada para a última semana da Vuelta, quando
se viu afectado por uma gastroenterite. Este ano venceu um contra-relógio na
Volta à Suíça e agora outro na Vuelta, tendo pelo caminho liderado a classificação
da montanha do Tour durante vários dias e terminando em segundo nessa classificação.
O Vice-campeão olímpico Peraud
Jean-Christophe
Peraud surpreendeu em 2009 ao sagrar-se campeão francês de contra-relógio,
batendo Sylvain Chavanel. Era desconhecido da maioria dos seguidores do
ciclismo pelo mundo fora mas não dos seus compatriotas, que no ano anterior
tinham comemorado a sua prata olímpica. Para 2010 assinou pela Lotto e no ano
seguinte mudou-se para a Ag2r, pela qual se estreou no Tour com um 10º lugar.
Este ano andou dividido entre a estrada e o campo, aliciado pela possibilidade
de ir aos Jogos de Londres, mas acabou por fazer uma época baste abaixo do
esperado.
Passagem pelos Jogos Olímpicos de BTT teve igualmente o
russo Yuri Trofimov. Estreou-se em Atenas com apenas 20 ano e no ano seguinte
foi campeão mundial sub-23 de BTT. Em 2008 ainda foi a Pequim, mas nessa altura
já estava mais dedico à bicicleta de roda fina e tinha inclusivamente vencido
uma etapa do Dauphiné Libéré pela Bouygues Telecom. No ano seguinte venceu uma
tirada na Volta ao País Basco mas desde o ano passado é um mero gregário na
Katusha.
Gilberto Simoni e Mirko Celestino em sentido inverso
Percurso inverso fizeram os italianos Gilberto Simoni e Mirko
Celestino, passando da estrada para o BTT. No caso de Simoni, bi-vencedor
do Giro, foi apenas durante algumas provas. Em 2006, convencido pela Scott que
patrocinava a sua equipa Saunier Duval mas também queria promover-se no BTT,
correu algumas maratonas (XCM). Logo foi campeão italiano de Maratonas.
A diferença entre o nível do Cross-Contry Olímpico e as
Maratonas é enorme. As provas de XCO devem ter entre 1h30 e 1h45 (regulamento
UCI) e são geralmente técnicas, enquanto as provas de XCM devem ter entre 80 e 120 km , demorando mais de
4h, e a resistência e endurance assumem grande importância. Assim sendo,
ciclistas de estrada conseguem adaptar-se às maratonas por terem a resistência
e o endurance trabalhados da estrada, mas não conseguem adaptar-se às provas de
cross-country olímpico porque lhes falta a técnica que só é possível com anos
de treino. Também porque existe um maior e melhor trabalho na vertente olímpica,
já que é aí que as marcas apostam.
Itália tem ainda o caso de Mirko Celestino, um classicomano
italiano que correu entre 96 e 2007, vencendo um Giro di Lombardia, uma
clássica de Hamburgo e duas Milão-Turim. Desde que se dedicou às maratonas, além
de títulos nacionais, foi vice-campeão europeu e mundial em 2010 e 3º nos
Mundiais do último ano.
Peter Sagan
Peter Sagan com a camisola de campeão mundial júnior de 2008 |
Outra referência no que diz respeito a versatilidade nos
escalões jovens é Roman Kreuziger,
que em 2004, enquanto júnior, foi campeão mundial em linha, vice-campeão
mundial de contra-relógio e de cyclocross (cyclocross que não é BTT). Em menor
medida, temos Brent Bookwalter (BMC)
que representou os EUA em Campeonatos do Mundo de cyclocross (junior),
cross-country (junior) e estrada (sub-23 e elite).
Casos mais famosos são os de Lars Boom e Zdenek Stybar,
também juntando estrada e CX. Em 2007, enquanto sub-23, o holandês Boom juntou
o título mundial de contra-relógio ao de cyclocross, no ano seguinte foi
campeão absoluto de cyclocross e actualmente está a construir uma carreira de
sucesso na estrada, tendo recentemente ganho o Eneco Tour. Já o checo Stybar,
campeão mundial de cyclocross em 2010 e 2011 (títulos disputados no início de
cada ano), está na sua segunda temporada dedicada à estrada e está a disputar a
Vuelta, depois de vencer uma etapa na Volta à Polónia.
Outros casos
A todos estes casos, há que juntar o norte-americano Tom Danielson e o suíço Johann Tschopp (BMC), que antes da
estrada (nos escalões jovens) eram bem-sucedidos betetistas nos seus países. Em
França há vários ciclistas de estrada que usam o cyclocross como preparação de
inverno, sendo o rosto mais visível John
Gadret, por duas vezes campeão francês elite de cyclocross e medalhado por
mais seis vezes, a última delas em 2011, atrás de Francis Mourey (que tem contrato com a FDJ) e à frente de Arnold Jeanesson (também da FDJ e uma esperança
do ciclismo francês). Steve Chainel,
igualmente da FDJ, faz todo o calendário de CX e só depois se dedica à estrada.
O norueguês Lars
Petter-Nordhaug praticou BTT e cyclocross em conjunto com a estrada até
assinar pela Sky, conquistando vários títulos nacionais.
Para terminar, outros ciclistas de grandes equipas que
praticaram cyclocross nos escalões de formação com bons resultados dentro do
seu país: Robert Kiserlovski
(Astana), Beñat Intxausti
(Movistar), os irmãos Gorka e Jon
Izagirre (Euskaltel), Victor Cabedo
(Euskaltel), Matteto Trentin (Omega
Pharma), Davide Malacarne
(Europcar), Sébastien Minard (Ag2r),
Jonathan Hivert (Saur), Sebastien Langeveld (Orica-GreenEdge), Kenny Van Hummel (Vacansoleil), Laurent Didier (Radioshack), Alex Howes (Garmin) e Boy Van Poppel (UnitedHealthcare).
*****
Para recapitular: XCO é a sigla do cross-country olímpico,
XCM é a sigla da vertente de maratonas (BTT não olímpico) e XC é a sigla de
cyclocross (não olímpico) CX é a sigla de cyclocross (não olímpico) - corrigido
Excelente artigo como sempre! Mas um pequeno reparo...Ciclocross não é XC é CX Ciclo "cross"X, XC é "Cross"X Country! portanto o X é para a palavra cross!
ResponderEliminarMas excelente artigo como sempre!
Obrigado pelo reparo, Anónimo. Tem toda a razão e já foi corrigido ;)
ResponderEliminarCumprimentos
Em Portugal temos o ex profissional Celestino Pinho que além de fazer ciclismo de estrada pela equipa de elite do Louletano também faz ciclocross durante o inverno e penso mesmo que já foi campeão nacional nesta especialidade.
ResponderEliminarSim o Celestino é o actual campeão nacional de ciclocross Elites. o mestre também já participou em algumas maratonas de BTT, e existe a possibilidade de em Portugal uma equipa profissional de estrada começar a correr mais frequentemente BTT, como forma de manter a actividade e divulgar ao máximo os patrocinadores, mas sempre no XCM.
ResponderEliminarO David Rodrigues acho que não estou errado se disser que ele ainda faz estrada, penso que na ASC, e continua a correr BTT, mas aqui no XCO, ele que foi o primeiro português a vencer uma taça do mundo, ainda que de juniores! Portanto bons exemplos de versatilidade!
Agora só falta termos mais gente na Pista!
PS:sou o anonimo de cima! : )
Obrigado pelos comentários de ambos.
ResponderEliminarPengo, o Celestino Pinho é realmente campeão nacional de ciclocrosse, uma modalidade que em Portugal esteve inactiva durante muitos anos e actualmente ainda tem um nível muito baixo. Tanto que o Celestino nem consegue andar perto dos melhores espanhóis, que por sua vez nem conseguem andar perto dos melhores do mundo ;)
Anónimo, exactamente, o David Rodrigues ainda faz estrada e BTT. O Hugo Sabido chegou a ganhar uma prova da Taça de Maratonas enquanto corria na Barloworld e outra pela LA-Antarte. Numa versão anterior da crónica eu tinha essas referências, mas depois retirei para não ser tão extensa e porque uma coisa são betetistas que conseguem passar para a elite mundial da estrada e outra são elites nacionais que passam para o BTT nacional ;)
Cumprimentos a ambos!