sábado, 18 de agosto de 2012

Senhora da Graça 2012: 0% estratégia, 100% força

Poderia tentar escrever uma crónica super optimista, perspectivando muito espectáculo para a etapa de amanhã, mas tenho que ser sincero com o leitor: espero uma etapa chata, uma das mais chatas edições da chegada à Senhora da Graça nos últimos anos. Falta espaço para estratégia, pois montanha... só mesmo nos últimos 8 quilómetros.


Voltando 10 anos atrás, na Volta a Portugal de 2002, para chegarem a Mondim de Basto os ciclistas tinham que ultrapassar duas contagens de primeira categoria, uma de segunda e uma de terceiro, para só aí iniciarem a ascensão final. Durante os anos que se seguiram, não faltaram montanhas para anteceder a Senhora da Graça, destacando-se o Alto do Velão, Barragem do Alvão e o Monte do Viso, mas também a Portela de Santa Eulália, Alto do Marão, Alto do Carneiro, Caravernelha, Cumieira ou Lameira, entre outras. Certamente o leitor reconhecerá alguns destes nomes que animavam a etapa da Senhora da Graça desde o início, com as principais equipas a tentarem colocar homens em fuga para na parte final ajudarem os seus líderes, uma vez que as dificuldades prévias reduziam significativamente o grupo principal. Lembro-me especialmente da edição de 2006 e de 2008. Em 2006, a 100 km da meta, e com a Barragem do Alvão (1ª) e Monte do Viso (1ª) por ultrapassar antes da subida final, deu-se uma fuga numerosa, onde estavam João Cabreira, Héctor Guerra, Christian Pfannberger e Carlos Pinho, entre muitos outros, com o grupo principal a chegar com dois minutos de atraso. Já em 2008, com Rui Sousa de amarelo mas David Blanco em clara vantagem devido ao contra-relógio do última dia e pouco atraso para recuperar, a Liberty Seguros atacou em massa desde os primeiros quilómetros, com a Lameira (2ª) ultrapassada e Viso (1ª), Velão (1ª) e Caravernelhe (2ª) pela frente, com o próprio Rui Sousa, Koldo Gil e Isidro Nozal. O ataque não deu certo e Américo Silva foi bastante criticado, apesar de eu não concordar com as críticas, o que daria aqui pano para mangas. Certo é que Américo Silva arriscou, porque naquele dia havia espaço para isso, tal como ainda houve em 2009 e então correu bem à Liberty Seguros. O Nuno Ribeiro e mais uma dezena de corredores atacaram na penúltima subida do dia para aí distanciarem David Blanco e Ruben Plaza, que só recuperaram quando Nuno Ribeiro foi apanhado nas malhas do doping.

Em 2010 já faltou dificuldade prévia, cabendo a André Cardoso e David Blanco fazerem a diferença na ascensão final, enquanto no ano passado foi ainda pior, com apenas uma 4ª e uma 3ª categoria, ainda a 70 km da meta, e, claro, o pelotão a chegar a Mondim de Basto quase compacto. No final, poucas diferenças entre os favoritos.

Ricardo Mestre venceu recentemente
no Troféu Joaquim Agostinho
Este ano a organização repete o percurso do ano passado. 151 quilómetros sem dificuldades de maior até Mondim de Basto, onde o pelotão deverá chegar compacto. Tem em conta o que se viu na primeira etapa, uma maior dureza poderia enviar para casa duas ou três dezenas de ciclistas, porque nesse dia, com um grau de dificuldade mediano, 47 homens chegaram com 15 minutos de atraso (alguns até mais). Por outro lado, a ausência de dureza, distancia da corrida os directores desportivos, que nada poderão fazer.

A Carmim tentará que a corrida chegue controlada a Mondim, perdendo o mínimo de homens e reservando Alejandro Marque, David Livramento e principalmente Nelson Vitorino para o apoio a Ricardo Mestre. A Efapel-Glassdrive tem David Blanco, Rui Sousa, Nuno Ribeiro, Ricardo Vilela e Sérgio Sousa para jogar antes, mas pouco adiantará lançar alguém antes da subida final. Mesmo achando que Blanco é o mais forte dentro da equipa (olhando para a Torre e para o contra-relógio), se eu fosse o director desportivo experimentaria lançar um dos outros homens logo no início da ascensão. É lançar o barro à parede. Se a Carmim se descuidar, um desses homens pode ganhar aí tempo, se não se descuidar (e não o costumam fazer), os outros continuarão poupados. O que me parece mal é, com tantos trepadores e teórico-trepadores, usa-los apenas para ir na roda ou atacar apenas um a 300 metros da meta.

Hugo Sabido, Vergílio Santos e Daniel Silva são outros três homens que espero que estejam bem. Talvez também José Mendes, que agora já não entra nas contas para a classificação geral e terá mais liberdade para procurar a vitória na etapa. Quanto aos estrangeiros, Brice Feillu (Saur-Sojasun), Darwin Atapuma (Colombia-Coldeportes), Garikoitz Bravo e David de la Cruz (Caja Rural) e Jordi Simon (Andalucia) parecem-me os mais fortes. Veremos também do que é capaz o recém-regressado ao profissionalismo Moisés Dueñas (Burgos), o João Cabreira depois de uma época tão fraca, a evolução do Bruno Silva, 16º na geral do ano passado, e o que consegue o José Gonçalves, que tão boa temporada tem realizado.

Notas soltas da Volta

Como esta é a primeira crónica que escrevo desde o arranque da Volta, aproveito para comentar sucintamente alguns acontecimentos destes primeiros dias:

- As queixas do Mário Rocha no prólogo fazem pouco sentido e os argumentos não fazem sentido nenhum. Convém também relembrar que a Volta a Portugal é a maior montra do ciclismo português, para adeptos, patrocinadores e possíveis patrocinadores, e a imagem que o Mário Rocha transmitiu foi péssima. Fez uma peixarada, passou a ideia de que o ciclismo é um desporto de batota fácil e duvido que os patrocinadores tenham gostado. Se não fosse director da empresa Antarte (2ª patrocinador), duvido muito que fosse director desportivo de alguma equipa.

- A Efapel-Glassdrive esteve muito bem ao assumir a perseguição da fuga na primeira etapa, até mesmo com o Sérgio Ribeiro, pois estava quase impossível chegarem ao homem da frente e, mais do que pensar na luta pelo 2º lugar, importava anular a desvantagem. Pelo contrário, a forma como deixaram o Sabido se escapar foi demasiado amadora, pois uma coisa é deixar passar na frente da meta volante, outra é dar tantos segundos.

- A movimentação do Hugo Sabido na primeira etapa foi bastante ousada e está de parabéns por isso.

- Já vi e ouvi bastantes críticas à LA/Antarte por não ter ajudado na perseguição na primeira etapa. Quanto a mim, não censuro, nem os ciclistas nem a equpa, pois o seu principal homem, José Mendes, tinha ficado para trás e, uma vez que não há comunicação rádio e os carros de apoio iam atrasados, os seus colegas não sabiam se estava atrasado 5 minutos ou se estava a 30 segundos e podia reentrar.

- Segundo o repórter da mota RTP (Alexandre Santos), o director desportivo do Boavista terá dito ao David Gutierrez para ter cuidado com o colombiano Duber Quintero quando ia em fuga com este e o francês Cyril Bessy na segunda etapa. A partir daí, o David Gutiérrez limitou-se a andar atrás dos dois colegas de fuga que, por sua vez, começaram a temer o espanhol. Uma fuga que estava bem encaminhada para o sucesso, foi anulada em menos de nada. Moral da história: não contes com o ovo no cu da galinha.

- Já aqui referi várias vezes que o Carlos Pereira tem o mérito de assumir sempre a perseguição das fugas quando é necessário. Não olha para o lado à espera dos adversários como faziam Américo Silva e Manuel Zeferino. Hoje todos queriam poupar os seus ciclistas para a etapa de amanhã e, para não desgastar dois ou três na perseguição a uma fuga, a Efapel-Glassdrive intrometeu César Fonte entre os fugitivos. Moral da história: foi a única equipa que não teve que trabalhar no pelotão, só César Fonte se desgastou e como prémio venceram a etapa. Parabéns para o César Fonte, parabéns para o Carlos Pereira!

- Genericamente, as equipas estrangeiras têm estado muito activas e ainda bem. Por outro lado, pede-se mais agressividade às portuguesas, especialmente à LA, que não teve ninguém nas principais fugas destes três dias. A Onda também só teve numa das três e nas outras duas pouco ou nada fez. Convém lembrar que o Boavista não vence na Volta a Portugal desde 2006 ...


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Convido os leitores a passarem pelo site Visão Desportiva, onde vou escrevendo algumas crónicas (menores que aqui) sobre a Volta e posteriormente sobre a Vuelta. Convido também a aderirem à página do Facebook, que já ultrapassou os 200 fãs. Também no blog são cada vez mais leitores. Obrigado a todos!

3 comentários:

  1. Em relação à peixeirada do Mário Rocha dou-lhe razão numa coisa. Como é possível uma empresa afecta a um director desportivo de uma das equipas presentes na prova ser a responsável por cronometrar o tempo? Não há conflitos de interesse nisso? É que já não é o primeiro ano que acontece.

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    1. Antes de mais, obrigado pelo comentário, Luís.

      É verdade que o material é da Fullsport, que pertence ao Carlos Pereira, mas a cronometragem é da responsabilidade dos comissários. Não vou estar em grandes pormenores correndo o risco de estar a falar mal, mas até onde sei, a cronometragem é da responsabilidade dos comissários. À parte disso, o Mário Rocha usou como argumento que a cronometragem oficial não coincidia com a da RTP, mas, como todos víamos, a cronometragem da RTP não era de fiar, pelo que o Mário Rocha devia ter respirado duas vezes e pensado no que ia dizer. Ainda por cima, o Mário Rocha não acusou o Carlos Pereira de manipulação para benefícios próprio, mas sim para prejuízo da LA. O que lucrava o Carlos Pereira com a vitória do sul-africano? Para o ciclismo português, até é melhor que vença um português e que a amarela esteja num português.

      Bem-haja!

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  2. Hoje fiz de bicicleta a Senhora da Graça! ehehe :)

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