Chegada a Paris do Tour 2013 |
Cavendish tinha acabado de cumprir 23 anos quando venceu pela primeira vez no Tour, com a camisola azul da Team Columbia. Em maio, antes da Columbia assumir o patrocínio da equipa, tinha conquistado duas no Giro com a camisola branca da High Road e oferecido uma a André Greipel, então seu lançador. Nos anos que se seguiram assumiu o trono dos sprinters.
O Super Mário Cipollini estava fora de cena, Erik Zabel retirar-se-ia no final dessa temporada, Robbie McEwen começou a perder fulgor e Alessandro Petacchi enfrentou nesse ano uma suspensão, à qual se juntava o avançar da idade. Tom Boonen começaria a colocar os sprints em segundo plano para priorizar as clássicas. A Daniele Bennati e Tyler Farrar, de quem muito se esperava, faltou aquele fator X que diferencia os sprinters que se destacam num par de temporadas dos sprinters que marcam gerações.
Cavendish cimentou a sua posição como o número 1. Em 2008 foram 17 vitórias e em 2009 foram 23, duas vezes sendo o mais vitorioso do mundo, primeiro com Greipel em terceiro e depois em segundo nesse ranking. 2010 foi o ano do desentendimento com o germânico. Ambos vinham de duas temporadas excecionais, mas o alemão ficou de fora da equipa para Sanremo, onde Cavendish tinha o título a defender. Tinha o título a defender mas também vários quilos a mais. Greipel, que vinha de uma fantástica prestação no Tour Down Under, não gostou de ficar de fora e daí surgiu uma troca azeda de palavras através da comunicação social, que terminou com a saída de Greipel para a Lotto (então ainda OmegaPharma-Lotto).
Primeira vitória de Cavendish no Tour, em 2008 |
Em 2012, na Sky de Bradley Wiggins, Cavendish teve menos apoio, mas ainda assim terminou com três vitórias no Giro e outras tantas no Tour, num total de 15 na temporada. Já Greipel, depois de afinar o comboio na Lotto, igualaria o número do rival no Tour, ainda que no confronto direto a balança continuasse a cair para o mesmo lado. Entretanto formava-se um outro monstrinho alemão, com 1,89 metros de tamanho e 86 quilos: Marcel Kittel.
Kittel representava a modesta Skil-Shimano mas tinha apenas 23 anos quando venceu pela primeira vez numa grande. Foi na Vuelta 2011, à frente de Peter Sagan, com quem já tinha medido forças na Polónia. Em 2012 estreou-se no Tour mas ao segundo dia foi afetado por uma infeção viral e desistiu ainda na primeira semana. Em 2013 houve finalmente o confronto entre os três. Uma para Greipel, duas para Cavendish, quatro para Kittel.
Quando Greipel e Cavendish eram (bons) colegas |
São ciclistas com algumas diferenças nas características físicas mas sobretudo na forma como encaram o ciclismo.
Da carreira do ex-campeão mundial fazem parte várias birras, vários problemas com a imprensa e várias palavras azedas dirigidas àqueles que o rodeiam. Nesse aspeto é o oposto de Greipel, que sempre primou pela relação que conseguia criar com a maioria dos seus colegas (Cavendish foi uma das poucas exceções, se não a única). Greipel é o tipo de colega que lamenta por não conseguir colocar a cereja no topo do bolo dos colegas. Cavendish é o tipo que não sorri para o público mas sorri para todos os colegas, os mecânicos, os massagistas, toda a gente que o rodeia à partida. Mas se algo não correr como queria, saiam da frente.
Uma das últimas histórias que o demonstram aconteceu no último Giro. Cavendish já tinha vencido três etapas e quando olhou para a 13ª (ver perfil aqui) achou que não era para si. Tinha 254 quilómetros de extensão, uma subida de terceira categoria a 35 da meta e continuava algo acidentada até ao final. Tinha vencido na véspera e achava-se no direito de abdicar desta. Os seus diretores tinham opinião contrária e terá havido choque de opiniões antes da partida quando se discutiu a estratégia para esse dia. Cav não queria, mas o diretor desportivo mandou a sua equipa para a frente do pelotão ainda a meio da etapa. os fugitivos chegaram a ter 13 minutos de vantagem mas os responsáveis da Omega Pharma-Quick Step queriam um final ao sprint para Cavendish, que por sua vez queria descansar. Quando chegaram as dificuldades, Cavendish foi moralmente obrigado a esforçar-se para aguentar o ritmo para não deitar por terra o esforço dos seus companheiros. Foram muitos os sprinters que cederam, mas Cavendish aguentou e no final levou a vitória.
Tudo ficou bem? Não. Segundo quem lá estava, o sprinter só voltou a falar com seus diretores no dia seguinte.
Kittel parece mais próximo do seu compatriota, capaz de unir a equipa à sua volta e mantê-la altamente motivada para os seus objetivos (que são os da equipa). Apenas quer sprinters e vencer.
À parte deste trio, Peter Sagan parece cada vez mais focado nas clássicas. Continuará a disputar o Tour, os sprints e a camisola verde, mas os seus principais objetivos passam pelas grandes clássicas. Sobretudo Sanremo e Flandres. Talvez Bouhanni, Demaré ou Viviani cheguem lá, mas para já Cavendish, Kittel e Greipel estão noutro nível.
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Num programa de rádio, Óscar Pereiro conta a compra e venda de uma etapa do Tour 2005. A história dessa etapa já tinha sido aqui contada, mas agora Pereiro revela o que estava por trás. O espanhol descarregou 12 dos seus colegas de fuga, mas não George Hincapie. O norte-americano nunca ajudou porque tinha o líder Lance Armstrong lá atrás e Pereiro correu como um idiota, puxando toda a subida sem tentar desfazer-se de Hincapie. Agora Pereiro conta que Hincapie se aproximou dele e lhe disse o valor pelo qual estava disposto a comprar a vitória. Hincapie vivia em Girona (Espanha), onde a US Postal tinha o seu quartel-general (agora é a Garmin), mas parece que não se entenderam bem e Pereiro pensou que Hincapie lhe estava a oferecer a etapa a troco daquele montante. Pereiro aceitou. Tinha que pagar mas ficava com a etapa assegurada e a sua equipa também lhe daria um bónus pela conquista. A 200/300m da meta, meteu-se na frente e acelerou pensado que não teria resposta, mas era cedo demais e Hincapie (mais fresco) disparou para a vitória. Pereiro recebeu o pagamento pela etapa cedida e no dia seguinte arrancou ele para o triunfo.
Na entrevista, Pereiro conta que se arranjou para a foto final, meteu os óculos de sol e fechou o equipamento porque pensava que tinha comprado a etapa, o que não é verdade (como se pode ver nesta foto nos metros finais). Não custa pensar que há mais algumas mentiras na história e que Pereiro simplesmente vendeu o triunfo porque é assim que a coisa por vezes funciona. Até porque os dois já iam falando muito antes da entrada no último quilómetro, como conta o espanhol.
Esse é o nível.
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Segundo um estudo, as pessoas acham os ciclistas mais inteligentes, cool e caridosos que a maioria das pessoas. Talvez tenha algo a ver com a história anterior.
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