Desde 1951 que Sanremo recebe o Festival della Canzione Italiana di Sanremo, um dos maiores festivais da cultura italiana. Hoje recebeu um outro festival, um festival de ciclismo, onde mais uma vez ficou demonstrado que o ciclismo, para ser espetacular, apenas precisa de ciclistas que assim o façam.
Mais do que uma corrida de sprinters, a Milano-Sanremo é uma corrida imprevisível. Desde a partida simbólica que marca o final do inverno, são mais de 300 km, num esforço para o qual poucos estão preparados quando feitos a 42,4 quilómetros/hora e debaixo de mau tempo. Não são precisas mais subidas para além das que lá estiveram este ano.
Quando Vincenzo Nibali atacou, além da enorme qualidade e classe do Tubarão, fazia-se sentir o desgaste das já mais de seis horas sobre a bicicleta e o desgaste que a Cannondale provocou para tentar eliminar Cavendish, Greipel e todos os outros sprinters, teoricamente inferiores a Sagan para as colinas finais. Cada um dos líderes tinha poucos gregários para ajudar e, entre os que ainda lá estavam, todos estavam muito justos. Enquanto todos se adaptaram à estrada molhada, fazendo cada curva com atenção redobrada, Nibali enfiou-se na sua canoa e foi por ali num ritmo louco, apenas possível para meia dúzia de corredores que controlam a bicicleta a um nível excecional.
As hipóteses eram escassas, mas Nibali é isto. Nibali não é apenas o ciclista que ganha o Giro, que ganha a Vuelta, que ataca no Campeonato do Mundo. É um daqueles superclasse que prefere as chances mínimas de um ataque na Cipressa do que as chances nulas numa chegada ao sprint. O italiano sonha vencer Sanremo e sabe que tem que o fazer assim, ao ataque. E porque no Poggio toda a gente está de sobreaviso, experimentou na subida anterior, esperando que os adversários se desorganizassem como tantas vezes, em várias provas, vemos. Se O'Grady e Vansummeren venceram em Roubaix e Devolder venceu duas vezes em Flandres com essa estratégia, então Nibali também pode sonhar e daqui a um ano estará novamente ao ataque.
No Poggio surgiu o ataque de Gregory Rast que alcançou Nibali, e Enrico Battaglin juntou-se ao suíço. Depois Philippe Gilbert ainda na subida, Lars-Petter Nordhaug já no final da mesma e a forçar durante toda a descida e Sonny Colbrelli já na fase plana dentro de Sanremo. Trabalhou a Sky, a BMC, a Katusha e a Lotto, tentando controlar uma corrida de tão difícil controlo, mas era isso que interessava aos seus ciclistas.
Faltou o ataque de Fabian Cancellara, mas Spartacus tinha outra estratégia para hoje. O suíço perdeu em 2011 num sprint a oito, perdeu em 2012 num sprint a três depois de atacar no Poggio e perdeu em 2013 num sprint a sete, novamente depois de atacar no Poggio. Dos últimos três anos, dos últimos três pódios, retirou uma lição. Que ao fim de 300 quilómetros, pode ganhar o sprint a qualquer um, e por isso hoje optou por se poupar no Poggio, mas lançando Rast para que outras equipas perseguissem e sacudissem alguns sprinters.
A tática de Cancellara revelou-se certa, com o suíço mais rápido nos metros finais que os seus adversários, sprintando inclusive melhor que Cavendish, mas batido por um Alexander Kristoff apoiando numa enorme Katusha.
Kristoff já tinha ameaçado que era ciclista para vencer um Monumento. Um sprinter de primeira linha, bronze nos Jogos Olímpicos de Londres, 8º em Sanremo 2013, 4º em Flandres e 9º em Roubaix, mostrando uma grande aptidão para distâncias longas. A Katusha mereceu esta vitória. Assumiu a corrida e mostrou confiança no seu homem até ao final, quando Luca Paolini era o único junto de Kristoff.
O italiano já terminou no top-10 por cinco ocasiões, incluíndo o 3º lugar de 2003 quando venceu o seu companheiro Paolo Bettini, o 3º de 2006 e o 5º no ano passado. Mas quando chegou aos últimos quilómetros, fez um trabalho soberbo para o seu companheiro.
No terceiro lugar ficou Ben Swift, ele que já foi campeão mundial na pista e hoje herdou a capitania da Sky de Edvald Boasson Hagen, com destaque também para Sonny Colbrelli, um dos maiores talentos italianos no que ao sprint diz respeito, que foi sexto.
Cavendish saiu para para o sprint mas logo ficou vazio de forças, Peter Sagan contou com um excelente Alessandro De Marchi mas foi incapaz de mostrar hoje a sua qualidade, e André Greipel, que parecia tão bem no Poggio, cedeu já na marginal de Sanremo. São consequências de sete horas sobra a bicicleta.
E assim, sem necessidade de novas subidas, sem necessidade de grandes invenções, tivemos uma Milano-Sanremo muito atacada, muito disputada, muito emocionante e em aberto até ao final. Isto é Sanremo!
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