sábado, 16 de agosto de 2014

Contrarrelógios finais: reviravoltas ao último dia

Greg LeMond conquistou o Tour 1989 no último dia
A Volta a Espanha terminará este ano na Galiza, em Santiago de Compostela, depois de vinte anos a terminar em Madrid. A última vez que a Vuelta terminou fora da capital foi em 1993, também na capital galega famosa pela sua Catedral e as peregrinações que a ela se fazem. Então foi Tony Rominger que se corou com vencedor com meio minuto de vantagem sobre o seu compatriota Alex Zulle, na segunda de três vitórias consecutivas.

Como naquele ano, a Vuelta que se avizinha terminará com um contrarrelógio. Não tem sido frequente nos últimos anos grandes voltas terminaram em contrarrelógio, mas em 2001 e 2002 houve reviravolta no último dia da Volta a Espanha. A reviravolta mais famosa de última hora aconteceu no Tour de France 1989, quando Greg LeMond destronou Laurent Fignon nos Campos Elísios por oito segundos.

Laurent Fignon vs Greg Lemond, Tour 1989

Greg LeMond regressava à Volta a França depois de dois anos muito conturbados. O vencedor do Tour 86 sofreu o acidente de caça quase fatal em 87 e desde então ainda não tinha regressado ao seu melhor nível. Já Laurent Fignon, vencedor dos Tours de 83 e 84, vinha de uma vitória no Giro d'Itália e procurava repetir a dobradinha de Stephen Roche dois anos antes.

LeMond e Fignon estiveram sempre próximos um do outro. À quinta etapa LeMond tirou a camisola amarela a Acácio da Silva, à 10ª Fignon tomou a liderança, nos Pirenéus, à 15ª LeMond recuperou a amarela num contrarrelógio e dois dias depois Fignon assumiu o comando no Alpe d'Huez, saindo dos Alpes com 50 segundos de vantagem sobre o norte-americano.

A prova terminava com um contrarrelógio em Paris, mas os 24,5 quilómetros pareciam insuficientes para LeMond protagonizar uma reviravolta histórica. No primeiro crono tinha ganho 56 segundos em 73 km (0,76s por km) e no segundo 47s em 39km (1,2 segundos por km. Agora tinha que ganhar dois segundos por cada quilómetro de percurso.

A tecnologia foi fundamental. Fignon saiu de cabelo ao vento como era costume e LeMond com capacete aerodinâmico, como estamos habituados a ver hoje mas não naquela época. Mais importante, LeMond utilizou extensores como hoje estamos acostumados mas na altura eram apenas utilizados no triatlo e uma grande novidade no ciclismo de estrada. Terão sido armas importantes para a mais espetacular e dramática reviravolta da história do Tour.

Pódio final do Giro 2012

Joaquim Rodríguez vs Ryder Hesjedal, Giro 2012

A mais recente reviravolta numa grande volta acontecer na Volta a Itália de 2012, ainda que esta não tenha sido em nada surpreendente.

Também aqui as mudanças de líder foram uma constante. Ryder Hesjedal assumiu a liderança à sétima etapa mas Purito Rodríguez venceu a décima e vestiu a camisola rosa. O canadiano voltou à liderança após a 14ª etapa mas apenas durou um dia, com a rosa a passar novamente para Purito. O espanhol tinha 31 segundos de vantagem para os 31,5 quilómetros finais, no contrarrelógio de Milão.

No ponto intermédio colocado ao km 11 Hesjedal já tinha recuperado 29 segundos e venceria o Giro por 16 segundos sobre Joaquim Rodríguez

Joan Horrach vs Claus Möller, Volta 2001

Portugal também tem a sua história de reviravoltas no último dia.
Em 2001 a organização decidiu trocar a etapa de consagração por um contrarrelógio final, e se no primeiro ano apenas serviu para confirmar a superioridade de Fabian Jeker, em 2002 serviu para uma dramática reviravolta.

A Milaneza-Maia dominou a corrida a seu belo prazer. Na Senhora da Graça colocaram cinco ciclistas entre os sete primeiros. No dia da subida à Torre Jeker desistiu por indisposição mas a equipa maiata conseguiu a dobradinha com Möller e Rui Sousa. Depois ainda mais duas vitórias antes do crono final, uma delas com direito a nova dobradinha.

À partida para o contrarrelógio decisivo, o camisola amarela dispunha de 25 segundos sobre Rui Sousa e 48 sobre Claus Möller. Depois de oito dias de camisola amarela, Horrach perdeu a Volta por cinco segundo para o seu companheiro dinamarquês e Rui Sousa completou o pódio da Milaneza, quando a equipa voava.

Carlos Pinho vs Cândido Barbosa vs Héctor Guerra vs David Blanco, Volta 2006

Nova reviravolta viria a dar-se em 2006, ano em que a camisola amarela mudou de dono todos os dias.

À partida para o último estava na posse de Carlos Pinho, que estava longe de ser um especialista. Cabreira estava a sete segundos, Héctor Guerra a 33, Cândido Barbosa a 55s e David Blanco a 57, diferenças muito curtas devido à ausência da chegada à Torre do percurso. Todos eles ambicionando a vitória.

Blanco venceu a etapa e esmagou os outros pretendentes ao triunfo final, com 1’30’’ de vantagem sobre Guerra (6º na etapa), que seria segundo na geral a mais de um minuto. Cândido Barbosa fechou o pódio e Carlos Pinho caiu para oitavo.

Eládio Jiménez vs Cândido Barbosa vs Xavier Tondo, Volta 2007

Eládio Jiménez venceu na Senhora da Graça e na Torre, partindo para o contrarrelógio final com a camisola amarela mas com escassas possibilidades de defesa. Cândido Barbosa partia a 33 segundos e muitos acreditavam que seria desta que vencia a Volta, mas Xavier Tondo tinha apenas mais quatro segundos e era um especialista na matéria.

O ciclista catalão não deu qualquer margem para dúvida, batendo Cândido Barbosa no último dia por um minuto e vencendo a geral por uma folgada margem de 56 segundos. Héctor Guerra, que perdeu um minuto por queda na Senhora da Assunção, subiu ao terceiro lugar e Eládio Jiménez caiu para quarto, confirmando a sua debilidade como contrarrelogista.

Óscar Sevilla vs Ángel Casero, Vuelta 2001 

Neste campo de reviravoltas no último dia, a Vuelta é a que mais se destaca no passado recente.

Em 2001, com 24 anos, Óscar Sevilla era uma das promessas maiores do ciclismo espanhol, uma posição que reforçou no Tour ao ser sétimo e melhor jovem, mostrando-se como um trepador extraordinário. A Kelme liderou a prova durante catorze dias, dois com Santiago Botero e doze com o jovem Óscar Sevilla, fruto da sua consistência nas montanhas.

Mas à partida para o contrarrelógio final, os 25 segundos que separava Sevilla do segundo classificado pareciam insuficientes. Ángel Casero, muito melhor contrarrelogista, tinha sido quinto no Tour de 1999 e segundo na Vuelta de 2000, muito forte nos contrarrelógios mas incapaz de seguir Roberto Heras nas montanhas, então líder da Kelme. Um ano depois, Casero estava novamente atrás de um homem da Kelme, agora Sevilla, mas com possibilitados de o bater. E foi o que fez. Ángel Casero virou os 25 segundos de desvantagem em 47 de vantagem para vencer a Volta a Espanha 2001.

Levi Leipheimer subiu do quinto para o terceiro lugar e terminou no pódio a sua primeira participação numa grande volta. E esta foi a única vencida pela Festina, que terminou no final da temporada.

Aitor González, vencedor da Vuelta 2002

Roberto Heras vs Aitor González, Vuelta 2002

Mais uma vez esperava-se um emocionante contrarrelógio para fechar a Vuelta 2002.

Roberto Heras chegava ao último dia com a camisola dourada, conquistada com excelentes prestações na montanha e vitórias na Sierra de la Pandera e Anglirú, mas a 1'08'' tinha Aitor González, da Kelme, que ambicionava vingar a derrota de Sevilla no ano anterior. Também González tinha duas etapas conquistadas, uma dela um contrarrelógio que venceu folgado. Quarenta segundos de vantagem sobre o segundo classificado... Óscar Sevilla. Heras tinha perdido 1'34'' em 36 quilómetros e agora tinha 1'08'' para defender em 41 km.

Desde cedo se viu que haveria mudança de líder, com Heras incapaz de se aproximar do andamento de González. No final foram quase três minutos e meio perdidos no último dia, e os 2'14'' que separaram ambos no pódio final não refletem a "quase" vitória de Heras.

Forçado a duas mudanças de bicicleta, Óscar Sevilla foi incapaz de surpreender como no primeiro crono e perdeu o terceiro lugar para Joseba Beloki. Apesar da vitória do seu colega, Sevilla saia da Vuelta novamente derrotado. Depois de nove dias de líder, perdia o pódio (por 15 segundos) da mesma forma que tinha perdido o triunfo na edição anterior, ao cair do pano.

Outras histórias da Vuelta

Porque é a Vuelta que se aproxima, duas outras histórias encaixam-se aqui perfeitamente, ainda que não sejam reviravoltas no último dia.

Em 2003 a ONCE liderou do primeiro até... ao penúltimo dia. O contrarrelógio coletivo inaugural deu a primeira camisola dourada a Igor González de Galdeado, tomada por Joaquim Rodríguez ao segundo dia e Isidro Nozal ao quarto, integrado numa escapada iniciada a cem quilómetros da meta.

Nozal ganhou os dois primeiros contrarrelógios e neles muito tempo importante, como os mais de quatro minutos para Roberto Heras. Na montanha tentou defender-se como pôde e caminhava para o dia das decisões com três minutos de vantagem sobre o seu colega (e líder designado à partida) Igor González de Galderano e Roberto Heras, mas o ciclista da US Postal reduziu para 1'55'' o tempo que o separava de Isidro Nozal à entrada para o penúltimo dia, uma crono-escalada decisiva para o Alto de Abantos.

Eram 11 quilómetros que colocavam frente-a-frente um contrarrelogista e um trepador. A diferença de andamentos era de tal modo que nos três primeiros quilómetros Heras já ganhava meio minuto e ao km 6 ganhava 51. Heras sofria para chegar à camisola dourada, Nozal sofria para a manter no seu corpo. Ambos no limite, Nozal ainda tinha 55 de vantagem a três quilómetros da meta, mas Heras estava fortíssimo. Ultrapassou Gonzálvez de Galdeano, que tinha partido dois minutos antes de si, e continuou a sua luta. Chegou ao Alto de Abantos com o melhor registo e o relógio começou a contar para Nozal. Exausto, Nozal quebrou no último quilómetro e perdeu a Vuelta por 28 segundos.

Durante três anos consecutivos o último contrarrelógio da Vuelta foi palco de mudanças na liderança. E em 2004 voltou a estar no último dia.

Tal como no ano anterior acontecera com a ONCE, desta feita foi entre a US Postal que a camisola dourada girou nos primeiros dias. A vitória no crono-coletivo permitiu que Floyd Landis fosse o primeiro líder, depois o sprinter Max Van Heewijk, Benoît Joachim, Manuel Beltrán e novamente Landis até à 12ª etapa, quando Roberto Heras a tomou, agora ao serviço da Liberty Seguros.

Heras passou de quinto para primeiro e Santi Pérez de 13º para 8º. Pérez venceu duas etapas na Serra Nevada e subiu para 3º, depois para 2º e partiu para o crono final a 43 segundos da liderança. 

Com 28 quilómetros praticamente planos parecia favorecer os contrarrelogistas mas viviam-se tempos de bar aberto. Santi Pérez teve sempre os melhores registos intermédios e venceu o crono mas apenas com treze segundos recuperados a Heras, que assim ganhava a sua terceira Vuelta por meio minuto. Em vez da uma reviravolta, o crono final da Vuelta 2004 foi palco de uma das melhores performances de Eufemiano Fuentes, vencendo com Santi Pérez, colocando Paco Mancebo em segundo (num crono plano) e Heras quarto. Santi Pérez acusou EPO uma semana depois e Heras um ano depois.

Foi a última vez que a Vuelta terminou em contrarrelógio. A próxima será este ano, a 14 de setembro.

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